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Mesmo com a aprovação de reformas importantes, ainda ronda a incerteza

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

No começo deste ano, as previsões que eram feitas para a economia brasileira não eram animadoras. Tínhamos um arcabouço fiscal para ser aprovado, com o fim do teto de gastos. O governo aprovou a PEC da transição, com gastos da ordem de R$ 160 bilhões, sem ainda respaldo de um aumento da arrecadação. O cenário externo se mantinha hostil, com aperto monetário e inflação em alta pelo mundo.

O primeiro trimestre surpreendeu, com o excepcional desempenho da agropecuária e dos setores de petróleo e minérios, puxando o PIB agregado no período para 1,4%. Todo mundo começou a revisar os números de crescimento para este ano. Até junho, a economia avançou 3,8% em relação a igual período de 2022. E o crescimento da agropecuária foi de 22% no mesmo período.

Sem os efeitos do setor agrícola, como já se esperava, a atividade econômica começou a desacelerar. Mesmo assim, espera-se um crescimento do PIB de 2,9% este ano, conforme projeções do Boletim Macro FGV IBRE.

A grande incógnita é o que vai acontecer em 2024. Há muitas divergências dos economistas sobre como deve se comportar a atividade econômica.

Ver: Três visões dos desafios para a economia brasileira em 2024.

O ministro Fernando Haddad tem se desdobrado para conseguir aprovar reformas que levem a um aumento da arrecadação na busca de zerar o déficit primário no ano que vem, o que para a maioria dos economistas será uma tarefa bastante difícil, especialmente em um ano eleitoral, onde se costuma gastar mais do que se arrecada.

Em valores corrigidos pelo IPCA, a arrecadação parcial de 2023 do governo federal até outubro somou R$ 1,92 trilhão, contra R$ 1,94 trilhão no mesmo período de 2022. Ou seja: está se arrecadando bem menos do que o esperado.

Além da aprovação do arcabouço fiscal, mesmo com muitas exceções beneficiando vários setores, a reforma tributária foi aprovada, depois de décadas de tentativas. Se não é a reforma ideal, foi um grande avanço para simplificar o caótico sistema tributário brasileiro, que reduz a nossa competividade e gera guerra fiscal entre os Estados. Pontos relevantes foram aprovados, como o fim da cumulatividade, ou seja, cada setor paga o seu imposto, garantindo um crédito no que pagou anteriormente. Também se simplificou algumas distorções, como o que ficou conhecido como “passeio das notas fiscais” e a cobrança do imposto em seu destino, ou seja, onde os produtos são consumidos.

Mas vai demorar um tempo para a reforma começar a ter impactos na economia. Muita coisa sensível ficou para o ano que vem, pois o texto que foi aprovado precisa de regulamentação. Há um prazo de 180 dias para o envio do projetos para o Legislativo.

Também foi aprovada a taxação de rendas obtidas com fundos exclusivos de investimento e offshores, uma das principais apostas do governo para aumentar a arrecadação. Segundo o relator do projeto, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), há uma estimativa de se arrecadar R$ 13 bilhões no ano que vem.

Enquanto reformas e esforços são feitos, por um lado, para aumentar as receitas, por outro tem aumentado os valores das emendas parlamentares, em uma captura do Orçamento pelos parlamentares, comprometendo a capacidade do governo de ter dinheiro para gastar em investimentos, especialmente no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aposta do governo para turbinar a economia.

A revista Conjuntura Econômica tem alertado, através de artigos,  reportagens e entrevistas, esse embate entre Legislativo e Executivo e a necessidade de se melhorar a eficiência do gasto público que ficou adormecida no STF depois da decisão sobre o orçamento secreto

Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi vem alertando sobre o excessivo aumento das emendas parlamentares que, só em 2024, pode ultrapassar os R$ 50 bilhões.

Reveja: As emendas parlamentares como novo mecanismo de captura do Orçamento – revista Conjuntura Econômica de setembro de 2021.

Relembre: Governança orçamentária – revista Conjuntura Econômica de dezembro de 2022.

Leia: O Brasil tem enorme dificuldade em lidar com a noção de restrição – revista Conjuntura Econômica de dezembro de 2023.

O Boletim Macro de dezembro também alerta sobre as dificuldades que a economia brasileira poderá enfrentar no próximo ano, apesar de uma melhora do cenário externo. Há fortes riscos climáticos, com secas e chuvas em excesso em importantes regiões produtoras que podem levar a uma contribuição negativa da agropecuária no PIB de 2024. Também sinaliza sobre a enorme incerteza sobre se o “governo vai aceitar uma desaceleração da economia em um ano de eleição municipal – eleição que, segundo as análises, pode influir bastante naquelas para presidente e o congresso em 2026. Entre os principais objetivos de uma regra fiscal, como o arcabouço, inclui-se gerar condições para a estabilização da dívida pública, melhorar a qualidade do gasto público e produzir uma política fiscal anticíclica. Porém, com toda a pressão política que estará presente em 2024, em um quadro de acirrada disputa entre a esquerda, no controle do Executivo, e o Centrão, no do Legislativo, não há certeza que essas preocupações prevalecerão e que as escolhas do governo irão na direção de respeitar e fortalecer o arcabouço fiscal. Consequentemente, é difícil mensurar qual será a taxa de juros terminal do atual ciclo de queda. Mesmo com um cenário externo mais favorável, ela dependerá também da política fiscal”.

Alguns destaques do Boletim

Atividade econômica – O desempenho econômico brasileiro no terceiro trimestre de 2023 foi marcado pela desaceleração de diversos setores-chave. Embora o crescimento interanual do PIB tenha superado as expectativas, a revisão das projeções para 2023 indica um quadro desfavorável, especialmente na indústria de transformação e no setor de serviços. Com a revisão da série histórica, alteramos nossa projeção de crescimento do PIB em 2023, de 2,7% para 2,9%. De todo modo, como já vínhamos retratando, a economia brasileira tem desacelerado ao longo deste segundo semestre, com a dúvida sendo a intensidade desse movimento. A resiliência da agropecuária, que apresentou números menos negativos do que o esperado pelo mercado, e em linha com nossas projeções, atuou como contrapeso, possibilitando um crescimento do PIB acima das expectativas do mercado. Em um quadro de expressiva desaceleração do investimento, os desafios para manter um crescimento robusto das atividades cíclicas em 2024 são elevados, sobretudo considerando a persistência do aperto monetário, mesmo com reduções das taxas nominais de juros nas próximas reuniões do Copom.

Expectativas de empresários e consumidores – Os índices de confiança do FGV IBRE continuam apresentando resultados desfavoráveis. Os indicadores observados para novembro e a prévia para dezembro, tanto para empresários quanto consumidores, confirmam haver uma desaceleração da atividade econômica. A confiança dos consumidores, que teve bom desempenho em parte do ano, não tem conseguido se manter o patamar anterior e isso também é refletido no varejo e nos serviços prestados às famílias. A indústria mostrou alguma melhora, mas puxada pela redução dos estoques, que, porém, continuam elevados

Política monetária – A grande guinada de política monetária recentemente promovida pelo Fed deu novo ímpeto às especulações em torno da possibilidade de o Copom ser mais agressivo na condução de sua política de juros. Na seção sobre política monetária, argumentamos que o afrouxamento das condições financeiras nos EUA terá efeitos sobre a condução da política de juros no Brasil apenas na medida em que produza impacto significativo sobre o desvio entre as projeções oficiais e a meta de inflação. Não parece claro que isso acontecerá.

Política fiscal – É difícil lembrar de um primeiro ano de governo tão produtivo em matéria de política fiscal. O Congresso Nacional aprovou todo o pacote de medidas encaminhadas pelo governo por ocasião da elaboração do orçamento. Mesmo assim, os desafios nessa área são grandes. O primeiro deles é reavaliar o discurso fiscal, que está muito calcado em premissas excessivamente otimistas. O segundo é encontrar espaço político para também discutir as despesas. O terceiro é preencher a agenda econômica, que está muito focada no longo prazo, com a reforma tributária e o programa de transformação ecológica, que trazem resultados muito além do horizonte do governo. A apresentação de uma agenda econômica para resolver os problemas de curto prazo, dentro do ciclo governamental, protegerá o arcabouço fiscal. O problema maior está na questão das metas. O governo espera que o arcabouço fiscal ofereça espaço para que a despesa cresça 2,5% a.a., enquanto a equipe econômica promete para o mercado que a despesa irá crescer 0,6% a.a. Esse é conflito que terá que ser resolvido no início do próximo ano.

Setor externo – Com déficits em conta corrente moderados no biênio 2023-2024, e margem para absorver eventuais choques negativos, o setor externo segue como uma ilha de tranquilidade dentro de nossa conjuntura macroeconômica.

Internacional – Às vésperas da reunião do Fomc de dezembro, era grande o descompasso entre a última sinalização formal do Fed sobre a trajetória futura dos juros de política monetária, dada em setembro, e as expectativas dos participantes de mercado, envolvendo cinco ou seis quedas de juros em 2024. Diante disso, crescera substancialmente entre os analistas a expectativa de que, na última reunião do ano, o Fed mandaria um recado duro aos participantes de mercado. Não foi o que aconteceu. Além de o Fed sinalizar quedas adicionais de juros em 2024, na entrevista coletiva o chairman da instituição deu um tom dovish a praticamente todas as respostas às importantes questões levantadas pelos jornalistas. A grande guinada do Fed poderá lhe trazer custos elevados mais adiante, pois tem potencial de dificultar o cumprimento dos objetivos da instituição.

Observatório político –  A política externa é uma das principais políticas do governo Lula III. Em um ano, ele logrou reverter o isolamento a que Bolsonaro submetera o país. Porém, Lula deu dois passos em falso que agora lhe cobram um preço alto. Primeiro, em maio, ao receber em Brasília o presidente venezuelano Nicolás Maduro, chamou a Venezuela de democracia. Segundo, durante a recente campanha presidencial argentina, apoiou abertamente o candidato peronista Sergio Massa na disputa deste com o populista libertário Javier Milei, que acabou sendo eleito. Por conta das ações radicais de Maduro e Milei, e da incúria de Lula ao lidar com os dois, o Brasil se encontra agora em uma posição diplomática na América do Sul sem precedentes nas últimas quatro décadas.

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE de dezembro.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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