Três visões dos desafios para a economia brasileira em 2024
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na semana passada, a Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec) promoveu o 51o Encontro Nacional de Economia, desta vez no Rio de Janeiro. No terceiro dia do encontro, uma mesa foi dedicada à conjuntura econômica brasileira, para a qual Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, foi escalada para debater com Guilherme Melo, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Tiago Couto Barriel, ex diretor do BC, atualmente no BTG.
No encontro, Silvia repassou as principais projeções do Boletim Macro, debatidas na semana anterior no IV Seminário de Análise Conjuntural. Lembrou que, para 2024, não se poderá esperar a ajuda de choques relevantes como o agrícola, que este ano representou cerca de 25% da expansão do PIB brasileiro. Para crescer, o país dependerá mais do comportamento das atividades mais sensíveis ao ciclo da política monetária, ainda em meio ao processo de cortes da Selic.
Silvia deu especial ênfase ao trabalho de combate à inflação, destacando que a importância da manutenção desse cuidado, que passa pela disciplina fiscal, para se garantir uma Selic mais baixa no final deste ciclo de cortes. Ela ressaltou que o agro, além de impulsionar as exportações em 2023, promoveu efeitos desinflacionários nos alimentos, colaboração que não deverá se repetir na mesma magnitude em 2024. “As surpresas positivas que temos observado no mercado de trabalho também devem limitar o recuo da inflação - no caso de serviços”, afirmou, lembrando que mesmo sob condições financeiras apertadas, o crescimento da massa ampliada de rendimentos colaborou para sustentar o consumo em 2023. A pesquisadora espera um aumento moderado na média da taxa de desemprego em 2024, de 8,1% este ano para 8,4%, e a manutenção de alta de salários acima da produtividade, o que deve comprometer o ritmo de queda da inflação de serviços. “Esperamos uma taxa de inflação de 4,4% em 2023 e de 3,9% em 2024”, destacou, com a inflação de serviços acima da meta.
Tiago Barriel, do BTG, também destacou a necessidade de ampliação do hiato do PIB em 2024, para que a política monetária atue nas medidas centrais de inflação de forma mais permanente. Ele reforçou que em 2023 um grupo de fatores suavizou essa aterrissagem dos preços, mas que daqui adiante o processo pode ser mais duro. “Além da ajuda de setores que não dependem tanto do ciclo da política monetária - como o agro e a energia - desde a segunda metade de 2022 temos observado um aumento significativo de gastos do governo federal relevante, focado nas famílias de mais baixa renda, onde a propensão de estimular a demanda agregada é maior”, afirmou. “Se tivermos a manutenção da regra de gastos limitada em 2,5% real, será uma clara desaceleração em relação ao que vimos em 2022 e 2023.” Tanto Barriel quanto Silvia destacaram a importância do equilíbrio fiscal para a trajetória de corte de juros, e Barriel sinalizou especial preocupação com o efeito do aumento de gastos fora da regra do teto sobre a demanda e o processo de desaceleração econômica que a desinflação precisa.
Guilherme Melo, por sua vez, defendeu a ação do governo na recomposição de políticas e programas de governo no orçamento de 2023 - como a linha 1 do programa Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, o que demandou ampliação de gastos. “Agora nosso trabalho está em retomar o nível de arrecadação de 2022, de 18,7% do PIB (receita federal líquida), revertendo um conjunto de distorções e privilégios que foram se acumulando no sistema tributário brasileiro”, afirmou, indicando que esses se aproximam de R$ 600 bilhões por ano.
Melo também defendeu que o país não pode depender de surpresas como a da supersafra agrícola para crescer, e que o foco do governo está em proporcionar sustentabilidade a esse crescimento a partir de dois vetores: o crédito e uma estratégia de desenvolvimento que combina a neoindustrialização com o plano de transformação ecológica.
“Em relação a 2024, acho que setor de serviços e o consumo famílias tendem a se manter razoavelmente estável em relação a este ano. A recuperação do investimento também pode nos ajudar a crescer”, afirmou, indicando políticas com as quais se buscará incentivar essa retomada como o Fundo Clima - capitalizado com emissão dos títulos sustentáveis do Tesouro, com R$ 10 bilhões já previstos, o Novo PAC e o marco das garantias.
“A grande novidade que temos é o fato de que o ministério da Fazenda não está envolvido apenas na formulação da política macro, mas diretamente na articulação dessa política de desenvolvimento relacionada à agenda mundial de transição energética, preservação de biomas, redefinição de cadeias de valor, em que o Brasil terá de encontrar seu lugar em meio às potências geopolíticas.”
Reveja o debate na Anpec.
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