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Há espaço para queda dos juros?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Temos presenciado, quase diariamente, críticas, por parte de membros do governo, ao Banco Central e sua política de juros. A taxa Selic está em 13,75% ao ano, o que tem levado a aumento de pressão para que o BC comece a reduzir os juros, o que possibilitaria uma retomada do crescimento. Mas as coisas não são simples assim. Embora juros menores tenham o poder de levar as pessoas a aumentar o consumo, há travas que devem ser desarmadas para que isso aconteça. Uma delas é o elevado endividamento das famílias, que vem batendo recordes sucessivos. Há um forte comprometimento da renda com dívidas, que torna o acesso ao crédito mais difícil e, na maioria das vezes, impossível.

Há dúvidas se o processo de queda da inflação em curso vai se manter. Em março, o IPCA – o índice oficial da inflação no país –, foi de 0,71%, com a inflação dos últimos 12 meses recuando 1 ponto percentual, caindo de 5,6% para 4,65%. Ontem (27), O Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), caiu 0,95% em abril, acumulando uma queda de 2,17% nos últimos 12 meses, com a primeira deflação em 12 meses desde 2018.

Mas esse alívio nos preços pode durar pouco. Há previsões de que a partir do segundo semestre a inflação deve voltar a acelerar, devido ao efeito da redução dos tributos federais do ano passado, especialmente no setor de combustíveis, o que não deve ocorrer este ano.

Veja: “Devemos observar a maior aproximação do IPCA à meta em junho. No segundo semestre, o índice volta a crescer”.

Na edição de abril do Boletim Macro IBRE, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, traz uma interessante reflexão sobre se existe espaço para dar início ao afrouxamento da política monetária que vem sendo seguida pelo Banco Central. Seu presidente, Roberto Campos Neto, disse no Senado, no último dia 25, que não sabe quando a taxa de juros poderá começar a ceder, pois se trata de uma questão técnica que envolve inúmeras variáveis. O que não deve ter agradado ao governo que pressiona para que os juros caiam.

Em sua avaliação, Senna levanta alguns pontos relevantes, tomando como base o processo de queda da inflação que, na margem, tem recuado:

• Embora haja amplo reconhecimento da constatação acima apontada, o elevado nível a que chegaram os juros reais na economia brasileira é notoriamente insustentável. Em algum momento, a política atual terá de experimentar reversão. O drama é que, como já assinalado, o trabalho do Banco Central está longe de concluído e, além disso, eventual afrouxamento da política monetária em desacordo com os protocolos de atuação de um BC praticante do regime de metas acabaria por tornar o quadro inflacionário ainda mais grave, exigindo, mais adiante, a retomada do aperto, possivelmente em escala mais severa – a menos, evidentemente, que optássemos por viver num ambiente de inflação elevada. 

• Será que a divulgação da inflação de março, que veio abaixo do esperado e do topo da margem de tolerância da inflação de 12      meses, seria um sinal relevante? Até que ponto a boa vontade com que os participantes de mercado têm recebido a proposta oficial do chamado arcabouço fiscal daria respaldo ao BC para reduzir a Selic? E que dizer dos efeitos deflacionários da apreciação do real diante do dólar, verificada em meados deste mês de abril?

• Na edição de fevereiro último do Boletim Macro, chamamos a atenção para o fato de que, muito provavelmente, a inflação de doze meses de 2023 apresentaria um formato em U, caindo até meados do ano, e voltando a subir no segundo semestre. O primeiro movimento derivaria da retirada de três elevadas taxas mensais de inflação ocorridas em 2022, a saber: 1,01% em fevereiro, 1,62% em março e 1,06% em abril. O segundo movimento decorreria da retirada do cálculo da inflação de doze meses de três deflações mensais, relativas ao período julho-setembro do ano passado.

• Isso significa que a inflação de doze meses referente a março de 2023 precisa ser vista com cuidado, devido à influência de um efeito puramente estatístico. Por essa mesma métrica, a inflação subirá significativamente no segundo semestre do ano.

• No tocante à boa acolhida do projeto oficial de arcabouço fiscal, não há dúvida de que se trata de um fator importante. Mas a proposta ainda não foi examinada e aprovada no Congresso, razão pela qual teremos de aguardar um pouco mais para sabermos a real dimensão de sua influência sobre eventuais movimentos do Banco Central.

• Quanto aos efeitos da recente apreciação do real, é fato amplamente conhecido que a influência do câmbio sobre a inflação fica geralmente restrita ao curto prazo, ou seja, podem ser desconsiderados eventuais impactos de alterações cambiais a médio e longo prazo.

• Na ata da última reunião do Copom, o BC explicitou algo que já se sabia: a simples discussão recente em torno de alteração das metas de inflação, promovida, diga-se de passagem, pelo próprio governo, tem contribuído para a piora das expectativas de inflação, para vários horizontes de tempo. Dado que tais expectativas constituem insumo fundamental dos exercícios de projeção de inflação, resta a possibilidade de o governo se convencer do custo que o seu discurso tem acarretado e, diante disso, afirmar categoricamente que as metas não serão alteradas. Obviamente, para ser crível, teria de ser um movimento que transmitisse total convicção.

Ver a íntegra do artigo no Boletim Macro FGV IBRE de abril.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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