Educação: “Apesar da urgência por melhorias, não é momento de se ter pressa”

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, falou com a Conjuntura Econômica para a matéria de capa da edição de maio, sobre educação, que será divulgada nos próximos dias. Hoje, no Blog, antecipamos os principais trechos dessa conversa:

Em abril, o Todos Pela Educação promoveu seu encontro anual reunindo ministros, governadores e parlamentares envolvidos com o ensino. Qual percepção levou desse encontro?

Em seu tratando de uma agenda tão prioritária, que o Brasil vem colocando em segundo plano há tanto tempo, e para a qual o Todos Pela Educação tem cobrado urgência, pode parecer estranho o que vou dizer. O fato, entretanto, é que hoje precisamos ter um pouco de paciência. Temos um contexto mais difícil do que historicamente já vivemos. Estamos saindo de um período de pandemia que provocou o fechamento das escolas, com ensino remoto que durou quase dois anos. Além disso, desde a redemocratização nunca tivemos um período tão longo sem gestão federal adequada para coordenar políticas de indução a partir de prioridades estratégicas, apoiar estados e municípios tecnicamente. Assim, o atual governo tem adiante um desafio que é enormemente maior. Sob esse contexto, é armadilha ter uma postura de muita pressa. Se quisermos recuperar o tempo perdido rapidamente, podemos cometer um erro grave, implicando ações autoritárias, sem planejamento e orçamento necessários. Mesmo que involuntariamente, ao acelerar corremos o risco de apoiar ações populistas, sem lastro orçamentário e de planejamento. Neste momento, cada passo dado tem que ser muito sólido, justamente porque perdemos muito tempo. Senão, vamos perder outros quatro anos por conta de uma tentativa de cobrir buracos. 

Dito isso, o novo governo tem mostrado consciência da situação. Por exemplo, tem feito um esforço por restabelecer pontes com estados e municípios no campo da educação básica. Não existe política para a educação básica que não passe por esses entes, que têm a atribuição constitucional da gestão das redes, e esse é um trabalho que demanda tempo, construção um a um. E é o que está acontecendo. Também há um trabalho interno do governo de alinhamento entre os ministérios, da educação com planejamento, economia, inclusão racial, desenvolvimento social. Inclusive de negociação dentro do governo para garantir orçamento para a educação, e que as ações estejam no PPA. É claro que temos que ter sempre uma expectativa alta, mas é preciso contar com uma paciência histórica neste momento, para não querer empurrá-los para soluções fáceis, populistas, de curto prazo. Temos a oportunidade de ter um ministro e uma secretária-executiva que vieram de um estado (Ceará) com um histórico de sucesso na educação. Dar esse voto de confiança sem muita gritaria por resultados rápidos é importante, para se criar algo mais sólido.

Como avalia a decisão de se suspender a implementação e revisar o novo ensino médio?

Houve um movimento muito forte agora no começo do ano contrário ao novo ensino médio, com o qual o Todos não concorda integralmente. Não enxergamos que todos os problemas que estão sendo colocados estão na conta do novo modelo. Há muitas questões que já existiam, fruto de um sistema de ensino que já era ruim. Não apoiamos esse movimento negativo que acabou crescendo nos últimos meses, e somos contra a revogação do novo ensino médio. O que o Todos defende é um aperfeiçoamento do modelo, com mudanças que não são pequenas. Uma das que defendemos é a eliminação do teto de 1800 horas para a formação geral básica. Nas escolas com carga de 5 horas diárias, que é a regular, isso representa 60% da carga total. Mas para uma escola de tempo integral, esse teto pode representar uma queda da formação geral básica para um terço. Então, é preciso retirar esse teto, para permitir uma formação geral básica, que pode ser aprofundada depois nos itinerários. Ou seja, o espírito que precisa ser mantido na reforma é de que os itinerários são para aprofundamento, não para dispersar o aprendizado. E, a partir daí, trabalhar uma nova proporção, uma nova carga horária. Estamos elaborando uma nota técnica, que sairá em breve, para a qual estudamos uma série de boas experiências que já existem no Brasil e no mundo, para ter uma recomendação mais precisa.

Uma segunda recomendação é definir melhor os itinerários formativos. Se o que se busca é o aprofundamento em determinadas áreas, é preciso torna-lo mais explícito. Itinerários não podem ser o que temos hoje, uma situação que no limite permite infinitas possibilidades, por falta de diretrizes. Não pode ser assim, pois é preciso amarrar tudo com o Enem, com formação de professores, material didático. Tem que ter um documento de diretrizes que dê a moldura para isso. Também estamos avaliando se é melhor trabalhar com itinerários fixos ou não, quantos seriam, com as competências que devem ser aprofundadas.

No início do ano, o Todos Pela Educação divulgou um documento com recomendações nas três esferas de governo. Quais considera que ainda não estão devidamente contemplados, seja no campo financeiro, de desenho ou gestão?

Todos os temas tratados no Educação Já são importantes, e boa parte já está presente no debate público, ou mesmo vocalizada pelo próprio Ministério da Educação, como os relacionados à alfabetização, conectividade nas escolas, educação integral. Citarei alguns pontos menos abordados. Um deles, sem o qual não há como melhorar a qualidade da educação, é a formação inicial de professores. Hoje, 62% das matrículas em Pedagogia e Licenciatura no Brasil são para cursos 100% a distância. É um tema polêmico, que sofre resistência de diferentes naturezas, mas não dá para pensar que teremos professores bem formados sem que estes pisem na faculdade, estudando por arquivos em formato pdf e fazendo provas de múltipla escolha para ter seu diploma. Hoje as avaliações de professores já não são boas, e tendem a piorar, pois a oferta de cursos a distância só cresce. É preciso estancar esse processo e mexer nos currículos. Digo que a mesma ambição que o Brasil tem em relação à formação de médicos deveria existir em relação à formação de professores. Hoje, entretanto, o que vemos é o oposto disso, uma total precarização, por falta de valorização da profissão mesmo. Há dois elementos que dizem bastante quanto à prioridade que um país dá à educação: como seus professores são formados; e como o orçamento é efetivado em políticas públicas.

Outro tema que é muito importante, mas não conta com a mesma visibilidade que os demais, é o Fundamental 2 (6º ao 9º ano). Enquanto vemos melhora nos resultados do Fundamental 1 (1º ao 5º ano), e o ensino médio está em pleno debate, o Fundamental 2 continua sendo um não-assunto. É importante que ele ganhe destaque dentro da gestão pública brasileira.

No evento de abril, a secretária de Educação Básica do MEC Katia Schweickardt ressaltou que promover o avanço da qualidade da educação no país não passa por simplesmente “sobralizar” o sistema, referindo-se ao caso bem-sucedido do município cearense de Sobral no campo do ensino básico. Como considera que esse aprimoramento deve acontecer?

O que explica esse argumento da secretária, e onde considero que o ensino superior brasileiro – incluindo a FGV – tem uma grande contribuição a dar, é a necessidade de se estudar outras boas experiências que existem no Brasil, para além dos casos de Pernambuco e Ceará. Hoje fala-se muito desses exemplos exatamente porque são os mais estudados.

Já apontamos alguns exemplos, como Coruripe (AL), que se destaca pelos avanços no desempenho dos alunos nos anos iniciais do ensino fundamental; Teresina (PI), que apresenta o melhor resultado no Ideb entre capitais brasileiras, tanto nos anos iniciais quanto finais do ensino fundamental. Estudamos ainda os casos de Londrina (PR) e São Paulo (SP) na melhoria do acesso a creches. É preciso identificar o que explica esses bons desempenhos, desenvolver metodologias para que esses fatores possam ser reproduzidos em outros lugares, avaliar sua escalabilidade de acordo a cada caso. Há muito a se analisar. Recife, por exemplo, iniciou um trabalho que poderá trazer resultados significativos daqui a dois anos – mas que precisa começar a ser estudado agora. É um trabalho de disseminação de boas experiências que precisa acontecer além das ONGs.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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