“É difícil estimar uma recuperação forte da confiança do consumidor em 2022”

Aloisio Campelo, superintendente de Estatísticas Públicas do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

As Sondagens do FGV IBRE encerraram 2021 com uma revisão generalizada da confiança para baixo. Em dezembro, à exceção do setor da construção, todos os demais indicadores – da indústria, comércio e serviços – registraram queda em relação ao mês anterior. Para a indústria, é o quinto mês de queda consecutiva; comércio, a quarta; e serviços, a segunda. Já o Índice de Confiança do Consumidor de dezembro de 2021, apesar de subir 0,6 ponto em relação a novembro, fechou o ano em 75,7 pontos, 3 atrás do nível de dezembro do ano passado – quando, por sua vez, se encontrava 10 pontos abaixo do nível pré-pandemia, em dezembro de 2019.

Em conversa com o Blog da Conjuntura – realizada antes das divulgações das Sondagens de Comércio e Serviços, Aloisio Campelo, superintendente de Estatísticas Públicas do FGV IBRE aponta que 2022 tende a ser desafiador para a economia como um todo. E, especialmente, para o consumidor, cuja confiança sobre a situação atual atingiu seu pior nível histórico, com 64 pontos.  

Como avalia a perda de confiança de empresários e consumidores observada nos últimos meses?

No caso das empresas, esse é um movimento que vem acontecendo a partir do segundo semestre, em certa medida calibrando um otimismo que se mostrou um pouco exagerado em agosto. Por parte da indústria, talvez por uma situação que parecia boa em termos de lucratividade, com preços praticados satisfatórios, havia ociosidade no mercado de trabalho, conseguia-se controlar salários, o que estendia a confiança do setor, talvez também por este ainda não considerar uma perda muito grande da fatia da demanda com a recuperação do setor de serviços.

Veja, na maior parte do tempo, as expectativas são como o que chamamos de profecias autorrealizáveis. Prevê-se algo que acaba acontecendo, pois quem prevê é um dos agentes desse fato. Mas em alguns momentos isso não acontece, especialmente quando há um forte desequilíbrio. Um desses casos foi na saída da recessão de 2016. Quando houve o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a confiança começou a subir de forma desconectada do nível de atividade. Mas a economia ainda ficou dois trimestres e meio em recessão, depois do afastamento da presidente para votação do impedimento. Desta vez, talvez a ideia de que a vacina faria com que entrássemos numa fase de crescimento contínuo que se estenderia por 2022 prevaleceu, em um momento no qual não havia ainda uma percepção tão clara de aceleração da inflação. Basta ver as estimativas expressas no relatório Focus do Banco Central, feitas por pessoal especializado em mercado financeiro, como também levaram um tempo para apontar a ideia de um IPCA fechando o ano em 10%. E, no caso da indústria, também pode ter influenciado certa esperança de que a resolução do problema no fornecimento de insumos poderia se dar mais rapidamente. No final, foram os serviços que mais conseguiram cumprir suas expectativas, com o nível de confiança evoluindo positivamente até outubro, pois em novembro este também passou a cair.

Quais elementos que afetam a confiança considera mais difíceis de se reverter em 2022?

A indústria teve bons momentos, pois além da demanda por bens ter aumentado até há pouco tempo, alguns segmentos conectados ao agronegócio e outras commodities também se beneficiaram da boa onda que o setor surfou, com elevação dos termos de troca. Considerando que para 2022 não se espera um debacle nos preços internacionais, esse cenário ainda se mantém parcialmente. A indústria de alimentos também pode ganhar, com um Auxílio Brasil maior e a inflação desacelerando. Mas também há setores perdedores, como o de bens duráveis, para o qual se espera uma desaceleração de demanda. E mesmo dentro desse segmento, há casos e casos. Nesta virada do ano, por exemplo, uma das indústrias que mais sofreu com a pandemia, que é a cadeia automobilística, demonstra otimismo, pois identifica uma demanda latente, gerada pela dificuldade de entrega de produtos por conta do problema na cadeia de insumos.

Essa variação entre ganhadores e perdedores também é vista em atividades do comércio, entre aqueles relacionados ao agronegócio, que podem ir bem e os de móveis e eletrodomésticos, cujo futuro é mais incerto. Já nos serviços prestados às famílias, se a Ômicron não provocar nenhum desastre, eles poderão seguir uma trajetória já observada de recuperação, como aquelas relacionadas a viagens, bem como as de serviços pessoais, que já estão bombando.

E quanto aos consumidores, cujo nível de confiança fecha o ano pior do que no fim de 2020, quando estes já indicavam preocupações com o futuro?

Para o consumidor, o que mais preocupa é a percepção quanto à situação atual. O consumidor médio não chega a ficar ultra pessimista em relação ao futuro, mas pode ficar com relação ao presente. Veja, o Índice da Situação Atual do consumidor atingiu 64 pontos em março de 2021, seu mínimo histórico, depois de ter passado pela longa recessão de 2014-16 e pelo ápice da pandemia. Neste último caso, entretanto, talvez as pessoas contassem com alguma reserva, e logo veio o auxílio emergencial. Mas agora a economia está demorando a reagir, há mais endividamento, o dinheiro não está dando para muito por causa da inflação, o mercado de trabalho ainda está ruim. Esse quadro é muito forte especialmente entre famílias de baixa renda – renda mensal de até R$ 2,1 mil – que se mostram bem insatisfeitas com o presente.

O Auxílio Brasil de R$ 400 poderá minimizar essa percepção de parte dos consumidores, bem como o humor dos empresários?

As famílias de mais baixa renda com acesso ao Auxílio poderão ter um alívio e recuperar o consumo de bens não-duráveis, alimentos. Já o segmento de bens duráveis deverá sofrer mais. Não dá para dizer que será um ano melhor. No conjunto, pelo lado da oferta, espera-se uma composição de crescimento em 2022 diferente da dos anos anteriores, com mais serviços e atividades com ocupações de baixa renda e informais, o que pode gerar um alívio da parte do mercado de trabalho, impulsionando um pouco a economia. Portanto, não será um ano terrível, mas será complicado. Pois mesmo levando em conta um Auxílio Brasil de R$ 400, não são mais os R$ 600 que já foram transferidos. Trata-se de uma correção do que era o valor do benefício do Bolsa Família.

Veja, ainda quando falamos da confiança do consumidor com a situação atual, percebemos um cenário como se houvessem dois regimes. Um é quando a taxa de desemprego abaixo de 9%, e outro quando chega ou supera esse nível. Nesse caso, enquanto o desemprego se mantém alto, a percepção sobre a situação atual pode até melhorar, mas sempre fica abaixo do nível considerado normal. Ainda que esse nível seja recalculado e identifiquemos que o ponto sensível agora seja uma taxa de 10%, como será difícil que a taxa de desemprego caia abaixo desse percentual (a PNAD Contínua divulgada hoje, 28/12, aponta que a taxa de desemprego no trimestre móvel findo em outubro foi de 12,1%), mesmo com em um ambiente de inflação decrescente, mas ainda alta, com juros altos, é difícil estimar uma recuperação forte da confiança do consumidor em 2022.

Quais foram os desafios operacionais com os quais tiveram de lidar desde o início da pandemia?

As dificuldades da produção de estatísticas variaram conforme a área. No caso das pesquisas com consumidores, que sistematicamente já eram fitas por telefone, a taxa de não-resposta até se reduziu nesse período de maior isolamento e trabalho remoto, seja porque foi mais fácil encontrar as pessoas, seja porque conseguiram mais tempo para nos atender. Já nas empresas a dificuldade foi maior. Para manter a qualidade da amostra frente a um cenário de muitas empresas fechadas, houve um esforço grande da equipe para contatar os executivos. Foi preciso buscara por vários canais, como via Linkedin, mas hoje a situação está quase normalizada.   

Na parte de preços, ajudou-nos muito o fato de contarmos com um projeto em desenvolvimento, já de longa data, para raspagem de dados pela internet. Alguns dos dados recolhidos dessa forma já faziam parte de nossa produção, como preço de passagens aéreas. E outros que eram desenvolvidos em caráter experimental passaram a ser incorporados também.

Outra característica que marcou esse período foi uma maior aplicação de quesitos especiais nas Sondagens, com o objetivo de buscar informações, de forma mais rápida, sobre o comportamento de empresas e consumidores na pandemia. Dessa forma, por exemplo, identificamos o grau de preocupação das empresas com seu grau de solvência durante o isolamento, como ia a adesão a programas como o de manutenção e emprego e renda (BEm), quais práticas mais comuns para home office, entre outras inovações em sua operação, seja administrativa, na criação de novos produtos, ou com adoção de delivery ou e-commerce. Foi muito interessante identificar a reinvenção das empresas. Esse processo de adaptação, afinal, colaborou para que o impacto da segunda onda fosse menos intenso para elas.

Já em 2021 entraram outros temas de destaque, como a dificuldade de acesso a insumos para as indústrias e estimativas de quando esse suprimento se regularizar. Tema que inclusive permanece presente, com muitas empresas considerando que esse problema só estará resolvido no segundo semestre de 2022. 

Do lado do consumidor, buscamos acompanhar como estavam gastando seus recursos, e em que momento a poupança acumulada por parte da população durante o período de maior isolamento voltaria para a economia, e em que proporção. Enfim, foram vários temas, micro e macroeconômicos, com os quais buscamos ajudar, lançando pesquisas para compreender melhor aquele momento.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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