Dinâmica da economia em 2022 tende a ser desfavorável para aumento de produtividade

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Após uma alta atípica e insustentável da produtividade brasileira em 2020, provocada pelo chamado efeito composição – com o desemprego atingindo mais os trabalhadores informais e menos qualificados, gerando um agregado ativo mais produtivo –, a produtividade brasileira já tem retornado aos níveis pré-pandemia e, de acordo a pesquisadores do FGV IBRE, não deverá sofrer melhora no ano que vem. A tendência de manutenção de um quadro de alta incerteza econômica, que afeta o ambiente para investimentos, dificulta a criação de vagas formais em ocupações qualificadas. “Emprego com carteira assinada só se expande na economia brasileira com crescimento acelerado, de forma contínua”, diz o pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho, especialista em mercado de trabalho. O efeito composição do PIB também influencia essa perspectiva de forma negativa, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, com a estimativa de recuo da indústria de transformação de um lado, e de outro a janela ainda aberta de recuperação de atividades de serviço que ainda não voltaram ao nível pré-pandemia, caracterizadas por serem menos produtivas.

No webinar Produtividade e Mercado de Trabalho, promovido dia 16/12 pelo FGV IBRE em parceria com o Estado de S. Paulo e moderação de Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do jornal,  Silvia lembrou que em 2020 o crescimento da produtividade trabalho calculado pelas horas efetivas foi da ordem de 12%, e o da PTF – medida que leva em conta a eficiência da interação entre o uso do capital humano e do capital físico –, de 6%. “Para ilustrar a diferença de desempenho entre setores que leva a esse resultado, vale observar que o setor de serviços prestados às famílias, intensivo em mão de obra e em geral com baixa produtividade, fechou 2020 30% abaixo do patamar de fevereiro desse mesmo ano, enquanto os serviços de TIC estavam 15% acima”, diz Silvia. De acordo à Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE, em outubro de 2021 os serviços prestados às famílias ainda estavam 15% abaixo do nível pré-pandemia, e os serviços TIC, 30% acima – este último um resultado muito positivo, se o setor não representasse uma parcela pequena no total do emprego na economia brasileira. De acordo ao levantamento do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, no terceiro trimestre deste ano, a diferença da produtividade por hora trabalhada em relação a efetiva havia caído de 12% para 1,8% acima do último trimestre de 2019. “E a PTF já se encontrava cerca de 2% abaixo do patamar pré-pandemia”, completa Silvia. 

No evento online, Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE, lembrou que o desempenho da produtividade brasileira antes do choque sanitário da Covid-19 já não era dos melhores, devido a um processo atípico de recuperação da recessão do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2016. “Tipicamente, a recuperação de recessões se dá com a geração inicial de vagas informais e a posterior volta do emprego formal. Desta vez, entretanto, somente no fim de 2019 é que começou a aparecer alguma evidência de recuperação do emprego formal, e logo chegou à pandemia”, descreve. Sem a geração de vagas em ocupações e setores mais produtivos, entre 2017-19 a produtividade por hora trabalhada efetiva ficou praticamente estagnada – com crescimento médio de 0,3% ao ano no referido período – cálculo que já incorpora a revisão do PIB, bem como a da PNAD Contínua. “Divulgamos estudo recente apontando que crescimento do emprego entre 2012-19 foi basicamente dominado por ocupações de baixa qualificação muito informais e de baixos salários, e essa dinâmica depois da recessão foi agravada”, diz Veloso. “Em 2019, a produtividade, que crescia pouco, de fato caiu.”

Fernando de Holanda Barbosa Filho lembra que em 2020, em função da necessidade de migração para o trabalho remoto e de aumento do investimento na digitalização de processos das empresas para se adequarem às restrições para o combate ao vírus, a primeira impressão foi a de que o pós-pandemia traria uma economia muito mais produtiva. “Mas o que observamos ao longo deste ano é que, à medida que as pessoas vão sendo reintroduzidas no mercado de trabalho, o ganho inicial desaparece, apontando que não foi fruto de absorção tecnológica”, diz. Barbosa cita outro estudo realizado pelos pesquisadores do Observatório que aponta à baixa adoção do home office no Brasil,  mesmo no período mais crítico da crise sanitária. “No pico da pandemia, observamos que somente 10% dos trabalhadores migraram para o trabalho remoto, sendo que havia potencial para uma migração de 18% das ocupações. Por mais mudanças que haja adiante, com adoção de sistemas híbridos, não nos parece que os ganhos de produtividade serão suficientes para gerar um aumento agregado ao longo do tempo”, diz. Veloso ressalta que parte dessa baixa capacidade advém de restrições à infraestrutura básica – acesso à internet, computador e energia elétrica – que os trabalhadores têm para exercer suas atividades de casa, e que são mais críticas em estados como os do Norte do país, conforme identificaram em outro levantamento. “São regiões com menos oferta de emprego, que poderiam se beneficiar de uma melhor infraestrutura, permitindo a esses trabalhadores concorrer a vagas de trabalho remoto originadas em outras áreas do país”, diz Veloso.

Ao contrário de trazer um ganho garantido de produtividade para a economia brasileira, os pesquisadores citaram dois problemas importantes observados desde a pandemia, que poderão comprometer o futuro da atividade e do bem-estar da população. O primeiro são os efeitos de longo prazo para a empregabilidade de crianças e adolescentes que tiveram seu processo de ensino prejudicado pela longa interrupção das aulas presenciais. O segundo é o já observado aumento do desemprego de longa duração, compreendido quando o desempregado está há dois anos ou mais sem encontrar uma vaga. “Desde 2015, esse grupo estava estabilizado em 2 milhões de pessoas; agora, saltou para 4 milhões. É um dado preocupante, pois pessoas fora de trabalho há tanto tempo perdem um de seus maiores ativos, que é a experiência, em um mercado que muda com as adoções tecnológicas”, diz Barbosa, lembrado ainda que essas pessoas, em sua maioria, tendem a ter baixa qualificação, o que amplia o desafio de requalificação.

Barbosa destaca que o atual panorama reforça uma tendência no mercado de trabalho brasileiro observada desde 2015, cuja dinâmica tem sido majoritariamente dada por trabalhadores sem carteira e majoritariamente conta própria, intensificando os impactos de uma dualidade que a reforma trabalhista de 2017 não conseguiu atacar. “Precisamos enfrentar a necessidade de revisão das atuais regras formais de trabalho, frente à grande diferença de custo observada entre as diversas formas de contratação na economia brasileira. Para ilustrar, é só lembrar que um mesmo trabalhador que hoje ganha R$ 3 mil, se for contratado com carteira assinada, tem encargos de 27,5% de imposto de renda, além dos custos inerentes da contratação, enquanto um MEI para 2% de IR realizando a mesma função. Enquanto tivermos regras tão distintas, será difícil equacionar uma realidade em que hoje mais de 50% estão fora do contrato de trabalho formal”, diz. “Temos que rever essas diferenças, pois isso impacta nosso mercado de trabalho, mas também via produtividade. E para que possamos ter crescimento de PIB per capita elevado no Brasil, com desempenho econômico mais consistente, precisamos de produtividade”, conclui.

Reveja o webinar Produtividade e Mercado de Trabalho

 


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