Desaceleração econômica não deve reduzir papel da China para o superávit comercial brasileiro em 2022

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do  FGV IBRE divulgado pelo FGV IBRE nesta quarta-feira aponta que, quando analisada em termos de volume, as exportações do Brasil para a China no acumulado de abril a maio deste ano recuaram 9,6% em comparação com o mesmo período de 2021. Para os demais destinos, a variação foi positiva, com destaque para América do Sul sem Argentina, com alta de 15,9% no mesmo período, seguida por União Europeia, com 10,2%. No caso da China, a maior queda se deu em abril, com 22,4% em relação a abril do ano passado.

Lia Valls, coordenadora de pesquisa do Icomex, aponta que as medidas de contenção de contágio de Covid-19 na China podem intensificar algumas tendências observadas neste início de ano - especialmente impulsionadas pela guerra na Ucrânia -, mas que ainda não estão refletidas nos resultados do Icomex. “Por um lado, a interrupção das cadeias de fornecimento pode agir favoravelmente para o aumento de preços de commodities exportadas pelo Brasil; entretanto, a política de Covid-zero deve intensificar a desaceleração do crescimento da economia chinesa, prejudicando a demanda. É um resultado difícil de se projetar por enquanto, cujos sinais ainda não se refletem no Icomex”, afirma. Lia ainda alerta que, no cálculo dessa evolução das exportações, também é preciso levar em conta uma base de comparação inflada, já que em 2021 o crescimento de 8,1% do PIB chinês bombou a demanda por commodities, levando os índices tanto de volume quanto de preços registrarem uma forte alta no primeiro semestre. No caso do índice de preços das commodities, a alta no comparativo mês a mês do ano anterior chegou a superar 60% em junho, com os preços de exportações se expandindo bem acima do de importações, desacelerando a partir daí. No acumulado de janeiro a abril deste ano, o índice de preços das commodities exportadas pelo Brasil registrou alta de 20,4%, para uma expansão de 1,7% do volume.

Variação (%) dos índices de volume e preço, por setor, jan-abr 2021-22


Fonte: Secex - Ministério da Economia; elaboração FGV IBRE - base Icomex.

 

Variação (%) no volume das exportações e importações, por mercado, jan-abr 2021-22


Fonte: Secex - Ministério da Economia; elaboração FGV IBRE - base Icomex.

O indicador do FGV IBRE aponta que, no primeiro quadrimestre do ano, as vendas brasileiras de minério de ferro, terceiro principal produto de exportação brasileira para a China, recuaram 32,6%. Em contrapartida, houve um crescimento de 88,3% dos embarques de carne bovina para o país. “No caso da carne e da soja, ainda não é óbvio que se conseguirá manter exportações, em volume, na intensidade esperada. Este ano já foram registrados cancelamentos de contratos de exportação de soja. É um cenário complicado, pois está atrelado à reação do consumo”, diz Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE. Ribeiro ressalta que dados mais recentes da economia chinesa, como o do varejo, têm frustrado as estimativas. No caso das vendas do varejo real, deflacionado pelo IPC chinês, Ribeiro aponta uma contração de 12,9% no resultado interanual em abril, contra uma projeção de -6,6% na média do mercado, somando o terceiro resultado negativo consecutivo. Destaca-se também o fraco desempenho do mercado imobiliário, com resultados tanto em vendas quanto em novas construções claramente abaixo do registrado no final de 2019. “Por outro lado, observa-se uma reação do investimento, sinalizando que a ação do governo para conter a desaceleração da economia, com o investimento em obras de infraestrutura, já foi iniciada”, diz. O que, por sua vez, pode melhorar a perspectiva para a demanda de minérios exportados pelo Brasil. “Tudo dependerá do nível de absorção dos estoques chineses e a velocidade de recomposição destes dado o atual cenário de atividade, risco e preço. De qualquer forma, a escolha chinesa de enfrentar o atual choque apertando o acelerador da ‘Velha China’ é positivo para o Brasil”, afirma.

Ribeiro considera que a marcada diferença da ação do governo neste novo lockdown em relação a 2020, refletida na composição e nível das políticas anticíclicas, deverá garantir que 2022 não repita o baixo crescimento de 2,2% de 2020, “ainda que tampouco pareça ter condições de cumprir a meta do governo, de 5,5% para o PIB deste ano”, afirma. Para as exportações brasileiras, Lia ressalta que será um ano de altos e baixos, cujas variações, entretanto, não deverão tirar do país a liderança quando se trata de colaboração para o superávit comercial brasileiro.

Investimentos: total vs. real estate (YoY)


Fonte: NBS. Elaboração: BRCG.

 

China: varejo real (dez/19 = 100)


Fonte: NBS.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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