Construção: Sondagem revela preocupação do setor com condições para atender à demanda

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em março, a Sondagem da Construção do FGV IBRE apontou uma queda na confiança dos empresários do setor em relação a fevereiro, para 96,6 pontos, revertendo metade do ganho registrado nesse mês. Dados da pesquisa apontam que tal calibragem esteve mais relacionada às condições das empresas para atender à expectativa de aumento dos negócios adiante do que uma perspectiva mais negativa sobre a demanda em si. 

“Ao longo destes primeiros três meses do ano, embora com alguma oscilação, a demanda prevista tem se mantido em um patamar otimista, principalmente para as empresas de edificações residenciais – que era o mais esperado –, embora para infraestrutura essa percepção ainda não esteja tão forte quanto se dava a entender no final do ano”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE. Outro sinal positivo do setor vem de um mercado de trabalho aquecido. Nos dois primeiros meses do ano, por exemplo, a construção registrou saldo positivo de empregos com carteira assinada – de acordo ao Caged, de 49 mil e 22 mil vagas, respectivamente, em janeiro e fevereiro. 

Índice de Expectativas, 1º tri / 4º tri, evolução em pontos


Fonte: FGV IBRE.

Questões como dificuldade em acesso a crédito e escassez de mão de obra qualificada, entretanto, têm sido apresentadas como limitadores por parcela expressiva dos empresários. Ana ressalta que, em março, 28,6% dos entrevistados pela Sondagem assinalaram como problema a falta de mão de obra qualificada, maior nível desde dezembro de 2014, quando estava em 29,4%. Essa dificuldade identificada no atual ambiente de negócios pode ser uma das explicações, diz Ana, para o indicador que mede a situação atual dos negócios ter registrado queda (de 1,4 ponto, para 94,1 pontos) enquanto a confiança sobre a demanda prevista para os próximos três meses subiu 1 ponto (para 100,5 pontos).  “É uma diferença que não poderá se sustentar. Desde o ano passado a Sondagem captura a percepção de perspectivas de crescimento à frente, que vemos refletidas em projeções de investimento tanto no setor habitacional – com destaque para habitações sociais – quanto em infraestrutura. Mas, se com o atual nível de crescimento o empresário já está expressando dificuldades, sem melhoras será difícil dar conta de uma maior demanda à frente”, alerta Ana.

A Sondagem de março destaca as variações do Índice de Expectativas nos diversos segmentos do setor neste primeiro trimestre do ano em relação ao quatro trimestre de 2023. A maior queda se deu em “obras de arte especiais” – relacionadas a obras como pontes, viadutos e túneis, com quase - 9 pontos. Uma das possibilidades, destaca Ana, é de que esse resultado reflita uma antecipação do final das obras relacionadas ao ciclo eleitoral de 2024, nos municípios. “Mesmo assim, o indicador ainda se mantém em um nível considerado otimista, acima da média do setor de infraestrutura – que, por sua vez, continua se destacando positivamente, até em relação ao segmento de edificações residenciais”, diz.

Escassez de mão de obra: assinalações alcançam maior percentual desde 2015


Fonte: FGV IBRE.

As edificações residenciais, por sua vez, registraram a maior evolução positiva do período, com alta de 22,7 pontos em relação ao trimestre anterior. A nova fase do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) é o grande propulsor desse resultado, ainda que o segmento de média e alta renda também tenha surpreendido. Em 2023, esse grupo registrou alta de 14% nas vendas, mesmo sob um contexto de juros altos e sem o devido reflexo do início da normalização da política monetária nas taxas de financiamento imobiliário. Ana ressalta, entretanto, que esse número agrega dois mercados distintos, e que o segmento de média renda, que não conseguiu se enquadrar no MCMV mesmo com a ampliação da elegibilidade – para renda até R$ 8 mil e imóveis até R$ 350 mil – sofreu mais do que o grupo de alta renda que não depende de financiamento para investir em um imóvel. “Quem dependeu do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) teve de enfrenta um cenário de crédito restrito e caro”, lembra. Um ponto positivo, ressalta, foi a estabilidade dos distratos em um nível fora do preocupante. “Esse, de fato é o grande temor para as famílias de classe média: de comprar um imóvel em um momento de crédito barato, e ser surpreendido com repasses posteriores devido à mudança nas condições”, afirma.

Já no caso do MCMV, a pesquisadora do FGV IBRE aponta condições favoráveis de expansão. Além da ampliação da faixa de elegibilidade, houve outras modificações positivas para isso. Uma delas é a redução da alíquota de imposto – o regime especial de tributação (RET) – de projetos que atendam a faixa 1 do programa, para famílias com renda mensal de até R$ 2.640. Ontem (26/3), houve a aprovação do FGTS Futuro pelo Conselho Curador do FGTS, que permite que os 8% do salário pagos pelo empregador ao FGTS sejam incorporados na aprovação de renda do trabalhador que adquirir um imóvel da faixa 1 do MCMV. Estimativas apontam que essa mudança poderá viabilizar o acesso à casa própria de cerca de 60 mil famílias por ano. “É preciso pensar, porém, que o cobertor do FGTS é curto”, alerta, lembrando de outras iniciativas de uso do fundo, como o saque aniversário e a possibilidade de mudança do indexador de correção do FGTS, que ainda está em discussão no Supremo. “Com a poupança cada vez mais encolhendo, está se jogando cada vez mais pessoas para dentro do MCMV, e o FGTS tem limites”, diz, destacando que esse cobertor do FGTS deveria cobrir prioritariamente as faixas de menor renda.

Evolução do mercado imobiliário brasileiro em 2023
em volume (%)


Fonte: Abrainc.

Quanto ao MCMV, Ana ainda destacou, positivamente, o aprendizado que a reedição do MCMV trouxe em relação a não concentrar o financiamento apenas na construção de novas unidades – o que inclui linhas de financiamento para imóveis usados e melhoria habitacional. “Dentro do programa, há o MCMV Cidades, que busca estimular as municipalidades a se envolverem nos projetos contribuindo seja com terrenos, seja alavancando subsídios”, citou. “Mas, como disse, é preciso atenção à evolução do uso dos recursos do FGTS.”

 

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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