Caminhos para financiar o crescimento sem abalar o fiscal

Arnaldo Jardim, deputado federal (Cidadania-SP)

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Os números mais recentes tanto de arrecadação quanto de gastos mostram um quadro mais restritivo no campo fiscal. Estimativas do governo apontam a um déficit primário maior do que o esperado (leia mais na coluna Em Foco), e para cumprir a meta estipulada para 2024 o governo terá que mostrar de onde cortará gastos, já que tampouco os esforços para se am,pliar a receita serão suficientes.

Nesse cenário uma das fontes de preocupação são os investimentos previstos para 2024. Programas como o Novo PAC, ainda que apoiados em boa parte em recursos privados, dependem também do empurrão do governo e são caros ao presidente como instrumento para impulsionar o PIB. Para os analistas, por sua vez, o alerta é quanto à busca de atalhos para se ampliar esses gastos sem respeito ao equilíbrio fiscal, como apontou Silvia Matos na matéria sobre o PAC da Conjuntura Econômica de novembro.

Algumas alternativas têm sido abertas para impulsionar o financiamento de investimentos sem causar grande impacto fiscal ou monetário, mas estas que ainda dependem de garantir espaço na disputada agenda Legislativa neste final de ano. Em conversa com Gesner Oliveira (FGV Eaesp) na semana passada, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) descreveu algumas dessas iniciativas que, como mencionou Oliveira, “permitem aproveitar vantagens comparativas do país”, referindo-se à agenda de transição energética. 

O primeiro instrumento, focado em um setor transversal à competitividade da economia brasileira, são as debêntures de infraestrutura – PL 2646/20. Considerada por diversos atores de mercado (leia aqui) como chave para ampliar as fontes de captação privada para o investimento de longo prazo no país, o projeto passou da Câmara para o Senado, onde foi aprovado em setembro, e por ter sofrido alterações agora espera aprovação final na Câmara. “Desde a revisão da política de financiamento do BNDES, com o fim da TJLP, que era uma taxa subsidiada, empresas de todos os segmentos da infraestrutura – de energia a concessão de saneamento, de transportes, rodovias, terminais – recorreram às debêntures incentivadas, mas estas têm limites”, afirmou Jardim, lembrando que as debêntures hoje ofertadas só podem ser adquiridas por investidores individuais, ainda que estejam constituídos em um fundo. “Hoje há muitos fundos institucionais, fundos previdenciários, que significa bolsos mais profundos para financiar a infraestrutura, e que buscam ativos consistentes de médio-longo prazo”, descreveu. Jardim destacou que o PL prevê uma série de dispositivos para aperfeiçoar esses títulos, não só permitindo sua aquisição por fundos institucionais previdenciários, mas proporcionando mais agilidade na sua autorização para lançamento.  “Vimos casos de colocação de debêntures no mercado que depois tinha limite para que os recursos adquiridos fossem aplicados”, citou. Outro destaque feito por Jardim é de que o PL também prevê que tanto as debêntures de infraestrutura quanto as incentivadas possam lançar títulos-espelho. “Ou seja, as debêntures lastreiam títulos-espelho no exterior captando recursos a custo bem diferenciado do que é no mercado interno.” A expectativa de Jardim é que o projeto seja votado ainda nas próximas semanas.

Para os projetos relacionados à agenda de descarbonização, Jardim destacou o Programa de Acerelação da Transição Energética (Paten),  em alusão ao PAC, que tem a deputada Marussa Boldrin (MDB-GO) como relatora. A ideia do PL 5174/23 é criar um fundo que seria abastecido com precatórios e créditos tributários de impostos que as empresas têm para receber da União, e administrado pelo BNDES. O instrumento pode dar um significativo empurrão a projetos de hidrogênio de baixo carbono, mais conhecido como hidrogênio verde – H2V (leia mais). “Todos acompanhamos os importantes subsídios fiscais que estão sendo lançados por países desenvolvidos, como o Inflation Reduction Act dos Estados Unidos, para avançar em sua transição energética. Com o Paten, propomos que os créditos de empresas reconhecidos junto à União possam ser plataforma para constituir um fundo garantidor. Hoje, esse volume de créditos – não estamos tratando de valores discutidos no Judiciário, mas questões já consolidadas – somam R$ 890 bilhões. Queremos que isso seja reconhecido, e as empresas recebam cotas na proporção daquilo que têm de crédito para tomar empréstimos a partir disso para projetos relacionados a transição energética.” O projeto foi elencado pelo presidente da Câmara Arthur Lira como prioritário, fazendo parte do que chama de “agenda verde”, mas também deve concorrer à concorrida fila do Legislativo. “Não é uma iniciativa que cause pressão fiscal adicional, nem dispêndio de recursos públicos. São recursos que podem ser antecipados, tornados mais líquidos lastreando investimentos no setor de transição energética”, reforçou Jardim.

Na conversa online, o deputado ainda defendeu o PL 4516/23, de autoria do governo, do qual é relator, que entre outros cria o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação e o Programa Nacional de Diesel Verde. “No caso do combustível para aviação (SAF), o mundo todo já passa a exigir mudanças, há mandatos internacionais para mistura de componentes ‘bio’, e também temos que disciplinar isso”, afirmou, citando também a intenção de regular a captura de gás carbônico e a conceituação para biogás e biometano. “Isso pode deflagar investimentos significativos para reativação da economia”, afirmou. Para Jardim, essa agenda “são questões de largada para o Brasil, que devemos assumir como projeto nacional, algo que mobilize vontades, esforços, que oriente a organização do setor empresarial, a formação das pessoas”, afirmou, defendendo que marcos anteriores, como o do Proálcool, mostraram que unir o agro à agenda energética é uma aposta exitosa no Brasil. “Na época, se dizia que ao destinar parte de sua produção agrícola para produzir combustível sofreríamos inflação de alimentos. A realidade se mostrou diferente. Crescemos em ambas as frentes, e hoje o peso da alimentação na cesta de consumo das famílias é menor do que no passado”, afirmou.

 


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