“Até o fim do ano, teremos um cenário externo conturbado, e isso joga contra a agenda do governo”

Livio Ribeiro, pesquisador FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como analisar os recentes movimentos do dólar e dos juros longos americanos?

É preciso contextualizar que passamos por uma transição para um “novo equilíbrio monetário”. Esse ponto seria atingido quando saíssemos do momento em que o sarrafo dos juros internacional estava subindo, para outra em que as altas, se houvessem não mais fariam parte de um processo contínuo. Acho seguro dizer que chegamos nesse segundo momento. Sem entrar no mérito se são avaliações certas ou erradas, o juro europeu até segunda ordem está onde deveria na visão do Banco Central Europeu, e para a taxa de juros básica dos Estados Unidos espera-se mais um aumento se muito. Nesse processo de migração do equilíbrio, é natural que a gente tenha uma reestruturação dos preços relativos no mundo, seja de moedas, de juros, do cenário econômico em geral. Estamos entrando nessa fase agora.

O movimento recente que houve dos títulos do Tesouro americano está assustando as pessoas, mas é preciso cuidado nessa avaliação. É obvio que a médio prazo (10 anos) a taxa de juros americana (Fed Funds) de equilíbrio não é 5% - agora (4/10) fechou em 4,7% -, mas ela pode ficar nesse nível por um período relativamente longo, de dois anos. Se observar a avaliação do FED, do Dots de setembro, ele nos indica que até o fim de 2024 a taxa básica fica acima de 5%. Isso é algo que o mercado não tinha na cabeça até um mês e meio atrás. Acho que o que vemos agora, então, é um movimento de pêndulo: o mercado saiu de uma posição incrédula de que o FED subiria o juro o quanto subiu, e que precisaria de juro muito alto por mais tempo – imaginavam uma curva que era uma parábola, subia e descia rápido – mas o FED não só subiu os juros como está dizendo: “olha, vou ficar por aqui um tempinho”. O mesmo acontece com o Banco Central Europeu. E, com isso, o mercado agora foi para o extremo oposto desse movimento do pêndulo.

Como disse, não faz sentido juro de 10 anos americano ser perto de 5%, mas até ele voltar teremos um período muito conturbado, o que significa muita volatilidade no curto prazo, até porque o mercado está reavaliando as suas convicções. Isso se reflete em exagero na precificação de juros. Vale também lembrar que essa busca por um novo equilíbrio envolve política fiscal mais agressiva no mundo inteiro, e alguma reversão de globalização, com guerra comercial e a emergência de novos setores de demanda, de novas tecnologias. E, ao menos agora, uma recomposição da demanda entre serviços e bens. É um equilíbrio naturalmente muito diferente do anterior.

Quais reflexos se pode esperar para o Brasil?

Até o final do ano, teremos um cenário externo conturbado. Isso pode ser uma questão para o governo. Como disse, não é que o mundo ficou estruturalmente com juro mais alto por 10 anos, mas porque o cenário de curto prazo vai ser negativo, e isso é desfavorável à agenda do governo, que tem que cumprir metas importantes que ele mesmo propôs para si. O governo precisa fazer as coisas funcionarem, muito rapidamente, e o timing joga contra.

Isso tende a ser assim até março do ano que vem, que é quando acontecerá a primeira reprogramação orçamentária do governo. Esse será o momento de reconhecimento do que deu errado, perceber qual o tamanho do buraco que o governo terá que tapar para o arcabouço ficar em pé. Ou haverá um contingenciamento gigantesco, ou ele optará por uma composição de medidas, reorganizando as forças, que é o mais provável.

Até lá, de qualquer forma, será um cenário conturbado. Eliminamos um ruído do radar, que foi o pânico de colapso da China em julho, agosto, mas agora estamos em outro momento de colocar o pé no chão, reconhecer que o que vemos são implicações de um cenário que já estava posto. No caso da China, em alguns dias sairá o PIB do terceiro trimestre, e a projeções de mercado estão mais alinhadas com as que já tínhamos (4,7%).  Agora estamos no feriado da Golden Week (as celebrações do Dia Nacional vão de 1 a 8 de outubro), primeira desde o fim da política da Covid-zero. Haverá quem se anime e lance manchetes de uma retomada da economia chinesa no quarto trimestre, e novamente será tão exagerado quanto o pessimismo de meses atrás.

No caso de Europa e Estados Unidos, vemos direções antagônicas. A atividade europeia colapsa, com uma inflação que cede mais devagar que o recomendável. Nos Estados Unidos, mesmo com a inflação em patamar ainda alto temos uma atividade que surpreende positivamente. Por cima disso, temos que colocar os choques recentes de petróleo, que vão inflacionar as grandes economias. É um mix complicado nesse horizonte dos próximos seis meses. Mas, insisto, não é surpreendente.

Para as exportações brasileiras, considera que conseguiremos manter um bom resultado apoiado no aumento de voluma mais do que de preço, como tem acontecido este ano?

Acho que não. Mas teremos uma safra forte de novo, que é uma coisa positiva. No minério, a tendência é de uma desaceleração de volume em relação a este ano. Petróleo é uma variável importante, porque temos registrado aumento de produção, o que tem ajudado em volume exportado. O saldo pode cair cerca de 8% a 10%, o que é confortável tendo em vista a base de comparação deste ano. A conta mais recente do Bando Central é que as exportações ainda cresçam no ano que vem em valor. Sem choque de preço positivo, entretanto, tenho dificuldade de ver isso em volumes.

 


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