Novo ensino médio: suspensão do cronograma não interfere em iniciativas de itinerários formativos, como em TIC

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O prazo da consulta pública aberta pelo Ministério da Educação sobre o novo ensino médio, que se encerraria nesta terça-feira (6/6), poderá ser adiado para garantir a ampla pesquisa pretendida pelo governo federal – entre especialistas, profissionais da área do ensino, estudantes e secretários estaduais – sobre possíveis mudanças no modelo previsto na Lei 13.415/17.

Entre as principais alterações que o novo ensino médio prevê está a ampliação da carga horária mínima para 1 mil horas por ano, que passa a ser dividida entre a formação geral básica – que conta com um teto de 1.800 horas em três anos – e alternativas de itinerários formativos ligados a áreas específicas de conhecimento, entre as quais o aluno deve escolher conforme a oferta disponível em sua instituição de ensino. O descontentamento de diversas representações de estudantes e professores com o início de operação desse modelo – prejudicado, entre outros, pelo impacto da pandemia no planejamento das escolas e pela carência de diretrizes básicas – motivou que em abril o governo federal suspendesse seu cronograma de implementação.

Esse freio de arrumação foi analisado por Claudia Costin (FGV Ceipe) e Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, à Conjuntura Econômica em maio. Apesar de reconhecer a necessidade de acertos, tanto Claudia quanto Priscila defenderam sua manutenção, como destacado em ambas as conversas. Depois de findo o prazo da consulta, o MEC tem 90 dias para elaborar um relatório sobre as possíveis mudanças para reestruturação do sistema.

Ainda que a atual suspensão tenha alterado a previsão da aplicação de um Enem adaptado para o novo ensino médio, algumas iniciativas de itinerários formativos continuam em processo de estruturação, servindo de apoio à tomada de decisão do governo. Entre elas, estão as impulsionadas pelo setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC), para o qual a formação de profissionais especializados é um tema especialmente sensível, justificando o interesse em apoiar essa capacitação desde o último ciclo básico de ensino. Projeções feitas pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) indicam que de 2023 a 2025 a demanda por profissionais de TI no Brasil alcançará meio milhão, sendo aproximadamente 72% na área de software e serviços de TIC e outros 28% em TI in house, como são conhecidas as tecnologias digitais operadas em empresas nas quais esse segmento não faz parte da sua atividade fim. Com cerca de 53 mil formandos por ano em cursos superiores em TIC no Brasil, não é possível suprir essa necessidade, ressalta a Brasscom.

A primeira iniciativa da associação para suprir essa demanda, explicada ao Blog em 2021 (ver postagem), foi a de, em pareria com a Cesar School - que faz parte do Porto Digital em Recife (PE) -, preparar currículos de referência para aproximar a grade de cerca de 31 cursos de ensino superior à demanda de mercado por conhecimentos como linguagem de programação, ampliando a empregabilidade desses alunos. “A ideia é justamente estimular a adoção desses currículos nas universidades, porque vemos até certa obsolescência de tecnologias na oferta de certos cursos em relação ao que as empresas estão de fato demandando”, diz Mariana Rolim, diretora executiva da Brasscom.

Em 2022, a associação ampliou seu foco disponibilizando conteúdos para dois itinerários formativos, tanto para formação de professores quanto dos alunos, de livre acesso a escolas de todo o país. Para essa primeira iniciativa, os temas escolhidos foram programação web mobile e mídias digitais. “Consideramos que são itinerários que despertam o interesse dos jovens. Com isso, estimula-se o primeiro contato com a área de tecnologia, para instigar estudantes que sigam carreiras nessa área no futuro”, diz Mariana. A executiva explica ainda que o eixo da qualificação profissional faz parte das atribuições da Brasscom como colaboradora da estratégia brasileira de inteligência artificial do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Com o patrocínio da multinacional Intuit, dos Estados Unidos (que este ano desativou no Brasil a oferta de sua plataforma de gestão contábil QuickBooks), desde o ano passado esses dois itinerários estão sendo aplicados em uma escola pública de Itatiba, interior de São Paulo. Mariana conta que o projeto inicial da Intuit era prover à Escola Estadual Professor Antonio Dutra a infraestrutura para dois laboratórios de TIC. “Como eles precisavam de apoio para executá-lo, conseguimos incluir também a formação de professores para dar início às aulas de uma turma de cada itinerário, totalizando 55 alunos”, diz. No início deste ano, duas novas turmas iniciaram sua formação, e no final de junho farão apresentações do que aprenderam no evento de celebração dos 40 anos da escola, que também marcará a inauguração oficial dos laboratórios.

Mariana afirma que o investimento inicial para estruturar esses laboratórios girou em torno de R$ 230 mil, incluindo notebooks, câmeras, pacotes de software e internet compatíveis com a demanda, além da formação de professores. “Mas esse custo pode ser maior, a depender da infraestrutura básica que a escola possui”, ressalva, lembrando que antes da instalação de cada laboratório foi preciso fazer uma avaliação da capacidade da estrutura elétrica da escola, para não colocar em risco os equipamentos e a operação de fato desses laboratórios.

Em coletiva de imprensa promovida em maio, Affonso Nina, que assumiu este ano a presidência executiva da Brasscom, reforçou a importância da formação de capital humano para essa indústria. “Em 2022, o macrossetor TIC (que engloba TIC, TI in house e as atividades de telecom),  gerou 117 mil empregos, totalizando 2 milhões, ou 4% da mão de obra empregada”, afirmou. Esse número, disse Nina, representou um aumento de  6,1% em relação a 2021, ano em que a geração de empregos nessas atividades já havia registrado alta de 11,7% em relação a 2020. No encontro, o presidente-executivo também destacou que, em geral, os empregos oferecidos no no segmento de tecnologia de informação e comunicação são de maior remuneração do que a média do país. “No macrossetor de TIC, o salário médio em 2022 foi de R$ 4.269, o que representa 2,2 vezes o salário médio nacional”, afirmou, indicando ainda que essa remuneração média, em 2022, foi 14,7% maior do que a observada em 2021. “Ou seja, é uma oferta qualificada, que para ser atendida depende de ensino e capacitação que respondam às necessidades do mercado.” A produção do setor em 2022, disse Nina, somou R$ 653,7 bilhões, sendo que o segmento de TIC representou metade desse montante, concentrados especialmente em hardware (48%, seguido pelas atividades de serviços (24%) software (13%) e nuvem (15%) - esta última, por sua vez, registra o maior crescimento, com 58,6% de aumento no período. “Para 2023, a tendência é de que essa atividade continue liderando o aumento da atividade, seguida da inteligência artificial, com soluções de automação inteligente, e da atividade voltada a soluções de segurança”, destacou, indicando que a estimativa da Brasscom é de que, até 2025, o setor atraia investimentos da ordem de R$ 660 bilhões. Um dos pontos sensíveis para a concretização desses número, de acordo a Nina, é a prorrogação da política de desoneração da folha de pagamentos que se encerra no final do ano, da qual o setor é um dos 17 beneficiários (leia mais aqui).

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