Desoneração de folha, custeio previdenciário e a proteção do emprego
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Depois de uma concorrida audiência pública realizada na parte da manhã desta terça-feira (23/5), foi adiada a votação do projeto de lei que prorroga a desoneração da folha para 17 setores da economia, que pela lei atual acaba no final deste ano, para até 2027. O mecanismo vigente para esses setores, que o PL 334/2023 mantém, é de substituição do recolhimento de 20% sobre a folha de salários pelo pagamento de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, variando conforme o setor.
Os segmentos hoje contemplados - que incluem tecnologia da informação, call center, comunicação, construção civil, transporte rodoviário público e de carga e as indústrias têxteis, de couro e calçados - recebem esse benefício desde 2017. A desoneração, entretanto, existe desde 2011, quando valia para 4 setores, e em 2015 chegou a ser estendida para um total de 57.
Há divergências quanto ao apoio ao novo projeto, diante do peso dos argumentos em cada prato da balança. De um lado, representantes das atividades com direito ao benefício tributário alegam que, sob o atual cenário macroeconômico, perder a desoneração implicaria desemprego, informalidade e aumento de preços em uma série de cadeias produtivas. Em manifesto, 24 agremiações empresariais afirmam que, sem esse mecanismo, em 2022 os setores teriam deixado de gerar 620 mil vagas - hoje respondem por 8,9 milhões de empregos -, e arrecadariam R$ 13,2 bilhões a menos. “Somos atividades intensivas em mão de obra, além de gerarmos capacidade exportadora. Sem essa desoneração, haveria mais informalidade e o salário médio dos trabalhadores teria aumentado 20% menos desde 2017”, afirmou na audiência Affonso Nina, presidente executivo da Brasscom, que reúne empresas do setor de tecnologia da informação, comunicação e tecnologias digitais.
Do outro lado, entretanto, há um desequilíbrio previdenciário não equacionado. Atualmente, a desoneração representa um impacto de R$ 9,3 bilhões por ano - que não é compensado e tende a se ampliar com o novo projeto, que inclui tratamento diferenciado a municípios com com população inferior a 142,6 mil habitantes, que passariam a ter alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha de salários reduzida de 20% para 8%. De acordo à Confederação Nacional dos Municípios, esses municípios não contam com receita suficiente para pagar essa contribuição. A Confederação também afirma que mais de 3 mil municípios brasileiros não fizeram reforma de seu sistema para regimes próprios, e muitos não conseguem honrar sua dívida com o INSS, que em 2022 chegou a R$ 196 bilhões - somando todos os municípios brasileiros -, o que justificaria esse tratamento diferenciado.
Anelize Almeida, procuradora-geral da Fazenda Nacional que representou o Ministério da Fazenda na audiência, ressaltou a intenção do governo em tratar da desoneração de folha de forma mais abrangente, dentro da reforma tributária. “Uma proposta que debata o gasto tributário focalizado em determinados setores não atende, do ponto de vista do Ministério, todo o potencial qua a desoneração pode ter, nem a potencialidade dos empregos que uma política como essa pode devolver ao Brasil”, afirmou, defendendo um arranjo estruturante “que olhe para economia e faça sentido para vários setores.”
A procuradora ressaltou que esse benefício se trata de um gasto tributário indireto - que não sai automaticamente da conta do Tesouro, mas que deixa de entrar para o financiamento de políticas sociais como de saúde, educação e habitação. “É preciso medir o impacto orçamentário financeiro de forma correta, pois aumento de arrecadação não pode ser entendido como medida de compensação específica para cobrir essa renúncia”, completou Moisés De Souza, procurador geral adjunto do Ministério. “Além disso, temos que ter em mente que, quando falamos de contribuição previdenciária, se trata de um sistema solidário que protege todos os trabalhadores, não é para proteger o INSS”, defendeu Anelize.
Representantes empresariais reunidos em Brasília não desmereceram a ideia de uma desoneração ampla, mas sabem que os tempos de tramitação da reforma podem não coincidir com o prazo que têm adiante. Uma das recomendações feitas no debate - do senador Oriovisto Guimarães (Podemos - PR) foi a de redução do prazo de prorrogação da medida, considerando quatro anos muito tempo para se definir essa agenda.
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