Nova agenda de desenvolvimento para o Nordeste é discutida em seminário no Recife
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Recife
“A desigualdade permanece, mas se manifesta de novas formas – e exige novas respostas”. A frase, do economista Flavio Ataliba, ilustra a motivação do projeto de seminários iniciado nesta quinta-feira (29/5), no Recife, que ao longo deste ano reunirá acadêmicos e especialistas para debater diagnósticos e medidas que impulsionem o crescimento socioeconômico do Nordeste. Organizado pelo Centro de Estudos do Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE, do qual Ataliba é coordenador, o projeto busca reunir ideias que servirão de base para a elaboração de um documento com propostas a serem encaminhadas, em 2026, a candidatos aos governos dos estados nordestinos, a cargos legislativos e autoridades.
Na abertura do evento, Ataliba destacou uma série de dados – parte deles gerada em análises de pesquisadores do Centro, publicadas no Boletim Macro Regional - Nordeste –, que delineiam o retrato de uma economia que, apesar de avanços, não consegue melhorar sua fatia no PIB brasileiro, e ainda em um amplo caminho para reduzir desigualdades. “Desde os anos 2000, a participação do Nordeste no PIB brasileiro é, em média, de 14%, para uma população que representa 27% do total do Brasil” comparou. Nos últimos 12 anos, ressaltou Ataliba, observaram-se melhoras não desprezíveis em alguns indicadores, como um aumento de 26,2% na renda domiciliar per capita – o maior avanço entre as regiões brasileiras, bem acima da média nacional (de 19,1% entre 2012-2024), assim como o maior nível de redução da pobreza (-16,9% no mesmo período) e extrema pobreza (-7,7%) do país. Para isso, muito colaboraram os programas sociais, que ampliaram em 5 pontos percentuais (p.p.) sua participação na renda per capita no Nordeste nos últimos 12 anos (para 9,4%), frente à alta de 2,3 p.p. na média brasileira (para 2,3%). Já a contribuição da renda do trabalho apresentou evoluções assimétricas entre estados, como uma variação que vai de um aumento de 4 p.p. na Bahia a queda de -1,4 p.p. em Alagoas. “Houve melhoras, mas a renda domiciliar per capita no Nordeste ainda é 65% da brasileira, e a região ainda é a que apresenta os maiores índices de concentração de renda, e de proporção de pobres e extremamente pobres do país”, destacou.
Ataliba defendeu a necessidade de resgatar o “simbolismo de pensamento estruturado” da obra de Celso Furtado que, com a colaboração do Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenado por ele, deu origem ao documento que se tornou referência em política de desenvolvimento para a região, de 1959. Desta vez, ressaltou, sob novas bases que considerem as mudanças observadas no Brasil e no mundo, e que se somam aos desafios históricos dos estados nordestinos, completou.
“Furtado acertou em tratar o Nordeste como projeto nacional. Mas subsidiar indústrias não deu certo, como também não dará certo futuro. Agora é preciso subsidiar trabalhadores”, defendeu Alexandre Rands, presidente da Datamétrica, pesquisador associado do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do IBRE, destacando a educação como essencial para a virada de chave da economia nordestina. No seminário, Rands ilustrou a importância do foco no capital humano citando estudos de sua autoria, publicados no livro Raízes das Desigualdades Regionais do Brasil (Alta Cult, 2019) em que demonstra que as diferenças de capital humano entre as regiões respondem pela maior parte das desigualdades entre o Nordeste e as demais regiões brasileiras. Entre as alternativas para reverter esse quadro, o economista citou a destinação de recursos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para bonificação de professores a partir de um programa de avaliação de desempenho, bem com o uso de recursos do FDNE e do FNE para investir na qualificação desses profissionais, “acompanhando seu desempenho em sala de aula”.
Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, também defendeu que, diferentemente do pensamento de Furtado, os desafios de desenvolvimento do Nordeste não estão concentrados em políticas de estímulo à industrialização, mas na produtividade do trabalho. “Mudar a estrutura produtiva de uma região não deu certo inclusive do ponto de vista nacional. O nacional-desenvolvimentismo no Brasil foi bem-sucedido e não acabou devido à dívida externa, mas porque seu modelo de substituição de importações avançou até onde era fisicamente possível. Não obstante, a renda per capita continuava baixíssima”, afirmou, fazendo referência a texto de sua autoria apresentado em encontro da Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia (Anpec) de 2001, (link) , em que já defendia que esforços para o desenvolvimento regional deveriam ser focados no homem e em infraestrutura, e não em políticas de subsídios à atração de empresas.
“Uma das vantagens que temos é que o país é grande, com diversidade para acomodar diferentes vantagens produtivas em cada região, e isso gera um desenvolvimento econômico melhor”, disse. Para Pessôa, o grande avanço na geração de dados e estatísticas tem colaborado para avaliações mais acuradas que corroboram o desafio da produtividade do trabalho. “Hoje sabemos que 50% da desigualdade de produtividade entre países está embutido nas pessoas, relacionada questões de habilidades cognitivas e socioemocionais do trabalhador. Os outros 50% são do entorno, um pouco do capital físico, que por ser muito móvel representa pouco, mas também da infraestrutura”, enumera. O pesquisador também cita desafios relacionados à institucionalidade brasileira, “que impedem um processo saudável no qual empresas mal geridas morrem – como acontece nos países ricos – e o capital vá migrando para empresas mais produtivas”, afirma, citando estudos do economista mexicano Santiago Levy (leia entrevista de Santiago Levy à Conjuntura Econômica sobre o tema). Um exemplo dessa tendência seria a ampla extensão das vantagens tributárias dos regimes simplificados de abertura de empresas, criando uma proteção à competição que não estimula esses negócios a serem mais produtivos.
Educação de valor
Mozart Ramos, catedrático da USP de Ribeirão Preto, secretário estadual da Educação em Pernambuco de 2003 a 2007, afirmou que a região tem exemplos de eficiência de gastos na educação que podem ser farol nessa transformação almejada para o capital humano no Nordeste. “Municípios cearenses, por exemplo, não estão entre os que mais investem por estudante, e mesmo assim muitos conseguem resultados acima da média”, afirmou. No caso do estado, Ramos cita que um dos elementos impulsionadores de bons resultados foi a liderança da gestão estadual, promovendo um programa de apoio aos municípios para fortalecimento da gestão municipal do qual constaram estratégias de avaliação externa, bem como apoios e incentivos técnicos e financeiros. O resultado, em dez anos, foi um salto na classificação do estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para os anos iniciais do ensino fundamental, da 16ª posição e 2007 para a 7ª em 2017.
O mesmo aconteceu para que Pernambuco se destacasse no ensino médio em tempo integral. “Houve um empoderamento estimulado pelo governador para que esse processo acontecesse, apoiado pela iniciativa privada”, diz. O resultado foi um salto da 21ª colocação no Ideb em 2007 para 1º em 2015; uma redução da diferença das notas do ensino público par o privado de 2,6 pontos para 1 ponto nesse período, e uma redução da taxa de abandono de 24% para 1,7%, a menor do país. “E há mais exemplos pela região. No Maranhão, por exemplo, o município de Vargem Grande, que é uma cidade com PIB per capita de R$ 7,5 mil em 2021 (o do Brasil foi de R$ 42 mil nesse ano), registrou um salto de 2 pontos no Ideb de 2019 para 2023”, ilustra. “São exemplos de que o Nordeste pode aprender com o Nordeste, formando lideranças, trabalhando com dados e evidências.”
Para Guilherme Irffi, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), uma estratégia virtuosa de disseminação desses bons exemplos é o incentivo ao apadrinhamento de municípios que precisam de apoio. “Aprender com seus pares é algo que vemos em ouros países – a China faz, por exemplo”, citou. Formas de incentivo ou indução a essa prática podem ser construídas a partir do condicionamento de parte de transferências ou premiações.
Irffi também destacou no evento as externalidades positivas para a educação que vêm de políticas que não têm o ensino como foco. “Iniciativas do Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo, não resultam em resultados só para ele”, disse, citando como exemplo o programa de cisternas para a população rural de baixa renda, que colabora para a redução de doenças entre crianças. No âmbito do ensino, Irffi celebrou a aprovação de parâmetros de igualdade e equidade para a educação infantil, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, de caráter mandatório, destacando a importância de uma bússola para guiar gestores e professores nesse período crítico para o desenvolvimento das capacidades que definirão o potencial do adulto.
Dentro e fora
Tal como Samuel Pessôa, Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, autor de livros como Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil (Autografia, 2022), citou desafios no combate às desigualdades socioeconômicas nos estados nordestinos que também dependem de reformar políticas públicas em nível federal. A lista de Mendes incluiu sete temas, entre os quais a necessidade de corrigir o desequilíbrio da Previdência Social, e uma reforma do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) que acabasse com “excesso e desperdício nos municípios privilegiados para colocar recursos onde há retorno social mais elevado para políticas públicas”. Mudanças na gestão dos recursos para a educação; redução do custo da assistência social, com uma reforma que colaborasse para ampliar a focalização das políticas e eliminar impactos negativos no mercado de trabalho e na produtividade – no caso, a relação seguro desemprego, abono e FGTS – e abertura comercial também fazem pare da lista de Mendes. “São reformas que podem colaborar para a redução de desigualdades regionais e aumentar a competitividade econômica anto do Nordeste quanto do Norte”, afirmou.
Adriano Sarquis, pesquisador do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) do Banco do Nordeste, enfatizou no evento o efeito de entraves institucionais “que aumentam custos de transação e reduzem a eficiência econômica”. O economista ressaltou ainda que “intervenções discricionárias dos governos nos mercados podem tornar ambientes de negócios pouco atraentes”. No caso da região, o economista destaca que esses fatores se tornam ainda mais desafiadores levando em conta a tarefa, ainda pendente, de interiorizar o dinamismo econômico. Tal diagnóstico se espelha no reduzido número de municípios que concentram a maior parte da atividade produtiva. Por exemplo, dos 185 municípios pernambucanos, 15 detêm 71% do PIB, e 48% da população. No Ceará, de 184 municípios, 11 detêm 66% do PIB estadual e 42% da população. Na Bahia, por sua vez, dos 417 municípios, 18% detêm 59% do PIB e 39% da população.
“Nos últimos anos, vimos um movimento interessante na região, com a ampliação da rede de ensino superior no interior. Ao investir nas pessoas, mexeu-se na base produtiva, e houve uma dinamização a economia pelo viés do ensino superior”, afirmou Tânia Bacelar, sócia da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento, secretária de Fazenda de Pernambuco de 1988 a 1990), técnica da Sudene de 1966 a 1969. Outro dado positivo que vemos há dois Censos, é que a seca já não gera uma migração inter-regional, sem emergências”, afirmou, destacando, nesse caso, a importância de programas sociais que colaboraram para manter as pessoas na região durante as crises. Para gerar um círculo virtuoso, entretanto, essa melhora agora depende da estimulação de estruturas produtivas, defende a economista. “Também precisamos pensar um Nordeste que olhe para o mundo, pois vivemos uma era de disrupção”, afirmou, destacando a importância de temas como a crise climática. “Não dá para promover desenvolvimento com padrões sociedade-natureza que usamos nos séculos recentes, ou continuaremos nos equivocando. Desenvolvimento econômico em bases regenerativas é tema central. E tratar de infraestrutura sem falar em conectividade não dá, diante de uma era que é digital.”
André Magalhães, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), defendeu que cuidar dessa agenda visando a romper a pobreza intergeracional implica o sucesso de agendas que vão do fortalecimento da agricultura familiar ao desenvolvimento urbano e industrial regionalizado. “No primeiro caso, é preciso pensar na convivência com o semiárido, valorizando cadeias produtivas locais, visando à sua coordenação com demandas de mercado e o incentivo à agropecuária de baixo carbono”, citou. No segundo, Magalhães apontou o desafio de incentivar empresas a se instalarem em cidades médias do interior “com olhar tecnológico, integrado com universidades e institutos federais”. Para tanto, o pesquisador defendeu o fortalecimento do papel do Banco do Nordeste nessa agenda, bem como da Sudene no planejamento integrado, apesar da atual restrição financeira da autarquia. “O desafio de desenvolvimento socioeconômico do Nordeste é persistente, e há políticas que podem ajudar. Precisamos executar, avaliar e manter o que comprovadamente dá resultado positivo”, concluiu.
Outra agenda casada com a interiorização do desenvolvimento econômico, abordada por Cassio Bessarria, pesquisador do Centro do IBRE, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), presidente da Anpec, é o aprimoramento da gestão fiscal dos municípios, “em especial aqueles em que o desafio de superação da pobreza é maior”, afirmou. Para esse fortalecimento, Bessarria afirma que é necessário investir na “investir na capacitação dos gestores públicos e na modernização da administração municipal”, bem como em métodos de ampliar a transparência na aplicação dos recursos públicos e controle de gastos, “com a implementação de sistemas de acompanhamento e avaliação e despesas.
Vantagens comparativas
Jorge Jatobá, sócio da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento destacou no seminário os problemas ainda presente de pensar a infraestrutura logística de forma integrada, e com qualidade. “Continuamos com grandes problemas na malha rodoviária, com 28% da malha ainda avaliada como ruim ou péssima. No caso dos portos, tivemos avanços em Suape (PE), Pecém (CE), Itaqui (MA), mas ainda precisamos desenvolver a cabotagem”, enumerou. Foi à infraestrutura elétrica, entretanto, que Jatobá dedicou o principal alerta. “Somando o que temos de capacidade instalada e projetos, temos seis Itaipus de renováveis. Nosso problema é que não temos demanda endógena, produzimos mais que consumimos, e a ONS às vezes nos bloqueia (leia mais). Precisamos estimular dinâmicas produtivas que usem essa energia, nos valendo do conceito de powershoring (leia mais), para não virarmos exportadores”, afirmou.
Essa também é a defesa de Sérgio Gabrielli, consultor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), ex-presidente da Petrobras. Ele defende que, do amplo potencial que o Brasil tem para explorar na agenda da transição energética, é o hidrogênio de baixo carbono, alimentado por geração elétrica de fone renovável, o que de fato poderá gerar impacto para a economia do Nordeste. “Em 2024 aprovamos importantes novas leis para alocar recursos para energia: o Plano Nacional do Hidrogênio, o Plano de Transição Ecológica, o mercado de carbono regulado, o combustível do futuro, a Nova Indústria Brasil. São políticas que alocam recursos, estimulam atividades econômicas importantes para o Brasil, como a indústria automobilística, o agronegócio... Mas qual discussão regional temos sobre isso? Quase nada”, afirmou, defendendo que, a depender de sua evolução, essa agenda poderá ampliar a desigualdade regional. “O agro está fora do mercado regulado de carbono, e 2/3 de nossas emissões vêm de manejo da terra. O combustível do futuro, o Plano de Transição Ecológica e a NIB tratam predominantemente de bioeconomia, mas estímulos ao biodiesel, à biomassa, encontrarão limites para sua expansão”, analisou. “Por sua vez, exportação de hidrogênio verde – em forma de amônia – nada mais é que reproduzir o modelo primário exportador com capa de modernidade. Temos que forçar a regionalização da política energética nacional”, disse, defendendo a atração de atividade produtiva consumidora do hidrogênio verde brasileiro.
Se para a produção de energia a defesa dos participantes é de estimular a demanda interna, talvez para os consumidores desse insumo a estratégia seja olhar para fora. Para Rogerio Sobreira, economista-chefe do Banco do Nordeste, um dos exercícios que a região precisa fazer para impulsionar sua atividade é aprender com as lições Centro-Oeste. “Isso não significa replicar exatamente a estratégia em termos de aumento da participação da agropecuária, mas olhar três pontos: entender suas vantagens comparativas; analisar o contexto internacional e identificar uma demanda; e valer-se de tecnologia para ampliar os efeitos dessas vantagens comparativas”, enumera.
Para Sobreira, ampliar a participação no PIB brasileiro exigirá que o Nordeste busque demanda complementar fora das fronteiras nacionais. “Sabemos que a questão tecnológica não é fácil, está o centro da luta travada entre China e EUA, um MMA de grandes proporções, mas o fato é que o peso da tecnologia será cada vez maior”, afirma sem desprezar a agenda do que chama de “políticas táticas” – entre as quais inclui as de educação e infraestrutura. “Tampouco a busca por uma mudança na posição relativa no PIB brasileiro é um fim em si mesmo. O fim é combater pobreza, combater a desigualdade de renda, o que passa pelo desenvolvimento na região”, conclui.
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