Em webinar, Manoel Pires e Braulio Borges analisam o que esperar do ajuste fiscal
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Nesta quinta-feira (16/2), Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, e Braulio Borges, pesquisador associado do IBRE, se reuniram com o repórter da Folha de S. Paulo Fernando Canzian para debater, em webinar, os caminhos do ajuste fiscal que o governo terá de capitanear a partir deste ano e seus impactos no crescimento do país.
Uma das mensagens deixadas pelos pesquisadores é a de que, diferentemente do que se viu nos últimos anos, quando as medidas de ajuste ficaram concentradas no lado da despesa – com o teto de gastos norteando esse processo –, a partir de agora se poderá esperar uma ação mais equilibrada entre despesa e receita. As justificativas para isso, disseram, vão além da avaliação de que a política econômica do novo governo tende a ser expansionista, sinalizada com a PEC da Transição.
“Pelo lado do gasto, é preciso reconhecer que vários ajustes já foram feitos”, afirmou Pires, indicando que, depois da reforma da Previdência e de outras mudanças como as realizadas no campo trabalhista – nas políticas de abono salarial e seguro desemprego –, não há bala de prata. “Na política de pessoal, boa parte dos servidores ficou sem reajuste nos últimos 4 anos, muitos perderam como 30 a 40% seu poder de compra. Há limite”, afirmou, lembrando que uma reforma administrativa virtuosa tem como principal norte melhorar a qualidade da atuação do Estado, e que ganhos de eficiência nesse campo tendem a se refletir no resultado fiscal apenas no médio/longo prazo. O que reforça a ideia de que ganhos pelo lado dos gastos tendem a acontecer de forma mais gradual daqui adiante.
Borges, por sua vez, afirmou que a necessidade de que parte importante da consolidação fiscal venha do lado das receitas se tornou mandatória a partir do momento em que, no ano passado, os candidatos à presidência foram unânimes na defesa da permanência do aumento do valor do benefício do Bolsa Família em R$ 600. “Na prática, entre 2004 e 2019 gastávamos 0,45% do PIB nessa política. Por uma série de motivos, a decisão do Congresso, sancionada pela sociedade, foi de ampliar esse gasto para 1,5% do PIB a partir deste ano. O fato, entretanto, é que não há como cortar outra despesa do orçamento, de forma tempestiva, para cobrir essa diferença de 1% do PIB”, disse.
A primeira frente para ampliar receitas será reverter as várias desonerações promovidas no ano passado cujo impacto no caixa da União representa entre 0,7% e 0,8% do PIB em termos anualizados, destacou Borges. “Parte dessa reoneração ainda não aconteceu, como a do diesel e GLP, que ficou para o final do ano, mas precisará ser feita”, disse. Reonerações sobre os combustíveis constam do pacote fiscal apresentado pelo ministro Fernando Haddad em janeiro, cujo potencial de arrecadação, afirmou Pires, é incerto sejam por frustração de medidas, seja por potencial de arrecadação incerto.
Ainda que um panorama mais claro da evolução dessas medidas – a começar pelo teste do apoio que o governo terá no Congresso para a votação do retorno do voto de qualidade em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quando houver empate – e seus resultados só fiquem mais claros no decorrer dos meses, Borges considera que o governo também deverá buscar um aumento de carga tributária na reforma do Imposto de Renda, que poderá ser debatida no segundo semestre. “Há muitos desenhos possível. Pode-se pensar em reduzir tributo de pessoa jurídica e CSLL e tributar dividendo, pode corrigir tabela IRPF. Talvez se proponha o fim de deduções saúde e educação, mas no resultado líquido parece que a ideia do governo é gerar esse aumento de carga para financiar a alta da despesa obrigatória com o Bolsa Família”, afirmou.
No webinar, Borges também lembrou do que considera um “aumento de carga tributária já encomendada”, que poderá colaborar com o governo a partir de 2025, com o aumento das receitas fiscais federais ligadas ao setor extrativo mineral. Estudo de Borges publicado no Observatório de Política Fiscal (leia a íntegra aqui) mostra que até o final desta década as receitas dessa atividade, especialmente impulsionadas pelo segmento de óleo e gás, deverão sair de uma média inferior a 1% em 2019/20 para até 3% do PIB no final da década. “Este ano vai cair um pouco, porque preço do petróleo recuou”, diz Borges. Nos próximos anos, o aumento da quantidade produzida também colaborará para esse resultado.
“Em sua, o desafio para se ter um cenário construtivo de política fiscal para os próximos anos é conseguir obter espaço para reverter renúncias feitas no ano passado, o que em certo sentido já começou a ser feito com o pacote fiscal do ministro Haddad. E, ao mesmo tempo, buscar fonte de financiamento mais estruturada – seja com revisão de gasto, seja com algum tipo de reforma tributária, ou revisão de desoneração, aumento de receita – para encaixar uma parcela desse aumento de gasto viabilizado pela emenda da transição, que ficou um pouco acima do que todo mundo esperava”, disse Pires. “Se conseguirmos acertar isso no curto prazo poderemos ter um cenário em que conseguiremos nos beneficiar desse aumento estrutural de arrecadação e estabilizar dívida pública.”
Cenário turbulento
No evento, os pesquisadores reconheceram que o aumento dos ruídos em torno da política monetária – com declarações do presidente Lula questionando o nível da Selic, a meta de inflação e a autonomia do BC – conturbou o cenário já sensível neste início de jornada, se refletindo nas projeções para a trajetória da Selic, nas expectativas de inflação e na rolagem da dívida pelo Tesouro. “A grande questão sobre a meta de inflação hoje é se uma eventual mudança virá acompanhada de uma reorganização das expectativas em torno dessa nova meta, ou de desancoragem de expectativas para um patamar mais alto que pode significar juros mais elevados no futuro. Isso o governo precisa coordenar melhor”, declarou Pires, sugerindo uma lista de medidas para se reduzir as incertezas no campo econômico. A primeira, já tomada por Haddad, é a de antecipar a apresentação da proposta de regra fiscal que substituirá o teto de gastos. “Isso dará mais segurança sobre o que o governo deseja fazer quanto às contas públicas, e as pessoas saberão qual impacto da política fiscal na demanda agregada”, afirmou. Pires também recomendou que, se a decisão for por mudar a meta de inflação, que isso seja feito de forma célere, para não alimentar mais ruídos em torno do tema. “Além disso, é preciso dar segurança de que o Banco Central terá liberdade e autonomia para garantir novas metas que estão sendo estabelecidas”, disse.
Nova regra fiscal
Os pesquisadores defenderam no evento a estimativa publicada na Carta do Ibre de janeiro de que para estabilidade e gradual redução da dívida pública é preciso que o governo vise regras que garantam superávits da ordem de 1% a 1,5% do PIB por ano em média a partir de 2024. “Este ano deveremos fechar com um déficit em torno de 1% do PIB, com a dívida líquida em cerca de 61% do PIB, um aumento de 3 pontos percentuais em relação a 2022. É uma alta relevante, mas esse aumento já era esperado muito antes da discussão da própria PEC da Transição. Se voltarmos em meados do ano passado, já se falava em aumento similar da dívida. Desde o final de 2021, aliás, com as mudanças promovidas pela PEC dos precatórios, PEC Kamikaze, desonerações, as projeções dos analistas era de que a dívida subiria 10 a 15 pontos percentuais até o final da década.”
Borges reforçou que o novo arcabouço precisa levar em conta não apenas a questão do desenho, mas da parametrização que será sinalizada em termos de entrega de resultado primário nos próximos anos. “Sustentabilidade fiscal não é só olhar para o nível do endividamento hoje. Tem a ver também com trajetória prospectiva, que projeta em vários cenários possíveis para o endividamento. Se desde o final de 2021 projeta-se que o endividamento público brasileiro vai subir, e bastante, isso é desancoragem fiscal”, disse, revisando recomendação dada em evento recente (veja aqui), de que o novo arcabouço recupere a ideia de uma âncora de dívida, sinalizada na Emenda Constitucional 109/21, ainda pendente de lei complementar. Na avaliação de Borges, para o país recuperar o grau de investimento – meta que o governo pretende cumprir até o final do mandato em 2026, como afirmou o secretário do Tesouro Rogério Ceron em entrevista recente –, é adequado perseguir uma redução da dívida líquida do governo geral dos estimados 61% para este ano a perto dos 50% do PIB, nível observado em outros países em desenvovlimento que possuem grau de investimento.
Temas que também foram tratados no debate
• Spending Review (revisão periódica de gastos para torna-los mais eficientes):
Os pesquisadores apoiaram a adoção dessa medida, mas ressaltaram que tampouco esta trará resultados no curto prazo. “Vale lembrar que o Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) foi criado no final de 2016 já com a ideia de ser um spending review. Produziu vários estudos feitos nesses anos, mas não houve decisão política. A diferença entre fracasso e sucesso do spending review é sua capacidade de ser incorporado nas decisões políticas do governo e Congresso. Espera-se que o Ministério do Planejamento promova esse empoderamento do Conselho”, disse Pires.
• Papel do BNDES:
Os pesquisadores avaliaram que o papel precisa ampliar seu papel no campo do financiamento, defendendo que nos últimos anos o papel do banco esteve aquém de seu potencial de contribuição para o crescimento do país. Entre 1997-2007 o BNDES registrava desembolsos de quase 2% do PIB ao ano. Entre 2009-14, passou para 4%, quando houve medidas questionadas. Mas de 2015-22, caiu para 0,8% do PIB, abaixo do período anterior à política de campeões nacionais”, descreveu Borges. Para o pesquisador, a intenção do presidente do banco Aloizio Mercadante de voltar ao nível de 2% do PIB levando em consideração o aprendizado com as experiências do passado o banco “poderá colaborar para ampliar o potencial de crescimento do Brasil”. O papel do BNDES, defendeu Pires, é complementar o mercado de crédito, com reforço em áreas como economia verde, transição energética e financiamento às exportações. “Entendo que a discussão da TLP, se for feita da forma como dito, corrigirá um problema sobre a forma como é calculada, que a torna volátil, e será um ajuste bom”, afirmou, indicando que mudar a TLP não significa, necessariamente, que o BNDES voltará a promover crédito subsidiado.
Reveja o Webinar A questão fiscal e o crescimento do país.
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