Em Foco

As derrotas de 2024 e seus impactos sobre este ano

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

No Em Foco da última sexta feira (7/2), abordei alguns problemas que o governo terá este ano, procurando mostrar, com dados e informações, que o filme será bem pior do que o de 2024. Mesmo com a economia andando bem no ano passado – as previsões são de que o PIB tenha crescido ao redor dos 3,5% ou um pouco acima –, o governo enfrentou problemas, especialmente no final do ano, com queda de credibilidade, ao não conseguir dar uma resposta adequada à questão fiscal, além de gerar instabilidade com o anúncio da isenção do Imposto de Renda e a regulação do PIX, bombardeada nas redes sociais, sem que o governo tenha usado os canais de comunicação para explicar à população do que se tratava. Foi uma derrota que deixou marcas que foram carregadas para este ano.

Já sabemos, ou pelo menos é isso que as previsões vêm mostrando, que a atividade econômica em 2025 será bem diferente à do ano passado. Vamos crescer menos. Tem gente já falando em recessão técnica no segundo semestre, o que ao meu ver tem um pouco de exagero.

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Vou pegar emprestada a análise que o colunista da Conjuntura Econômica, Murillo de Aragão, fez para a revista de fevereiro sobre as pedras que se acumulam no caminho, devido à crise de credibilidade econômica pelos tropeços na gestão fiscal, falta de compromissos no ajuste das contas públicas, o que aumenta a percepção de riscos dos investidores.

Aragão, que é mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia, levanta alguns pontos interessantes para reflexão:

• Há falta de um projeto claro de governo e de uma base de sustentação consolidada. O governo Lula 3 entra em 2025 com uma base política fragmentada, um Congresso cada vez mais autônomo e uma governabilidade que depende de negociações pontuais e de concessões crescentes ao centrão.

• Para tornar o cenário ainda mais complexo, trata-se de ano pré-eleitoral, no qual a dinâmica política será fortemente influenciada pela corrida presidencial de 2026. A reforma ministerial anunciada pelo presidente Lula (PT) será um dos primeiros testes críticos da administração, com três cenários possíveis: um redesenho ministerial que fortaleça a coalizão governista; uma reforma tímida, que mantenha o status quo; ou um rearranjo que distribua cargos sem consolidar uma base política estável.

• Independentemente do modelo adotado, dois problemas fundamentais continuarão sem solução: a desarticulação interna do governo e a ausência de uma comunicação eficiente, que vá além do aumento de gastos com publicidade. Ainda que a reforma amplie espaços para aliados não petistas, a instabilidade política tenderá a persistir, especialmente porque o presidente evita liderar pessoalmente a articulação política.

• Com um Legislativo cada vez mais independente, dominando a agenda econômica e o Orçamento, a gestão Lula precisará demonstrar uma habilidade política ainda não evidenciada para evitar derrotas sucessivas. A partir de julho, a sucessão presidencial passará a moldar ainda mais o cenário político, com pesquisas eleitorais frequentes que medirão a viabilidade de uma reeleição. O governo tem investido no reforço da Secretaria de Comunicação (Secom) tendo em vista 2026, mas há sinais de que a estratégia adotada está excessivamente focada na base militante.

• No segundo semestre, à medida que a disputa por 2026 se intensifique, os desafios econômicos também devem aumentar. Se a economia não demonstrar sinais concretos de recuperação, crescerá a pressão por medidas populistas voltadas para a manutenção da base política do governo. O equilíbrio entre responsabilidade fiscal e política distributivista se tornará cada vez mais frágil, e a gestão Lula precisará de um plano eficiente para evitar um desgaste maior. A condução da política fiscal será determinante para definir os rumos do país, e a falta de clareza em torno do plano econômico poderá aprofundar a crise de confiança

• Diante desses desafios, o governo entra em 2025 sem rumo explícito, sem agenda estabelecida, sem unidade política e sem uma narrativa capaz de resgatar sua credibilidade. Além disso, enfrenta restrições fiscais severas e uma baixa capacidade de governar sem amplos recursos orçamentários, o que explica o conflito aberto com o Congresso pelo controle das verbas discricionárias. A economia mostra sinais de retração, o Tesouro Nacional paga juros elevados, as projeções do mercado são pessimistas e o governo parece incapaz de reverter as expectativas negativas.

• Algumas oportunidades podem mitigar os impactos da crise e criar condições para uma recuperação econômica. A possibilidade de ajustes fiscais adicionais pode melhorar a credibilidade do país, restaurando a confiança dos investidores e imprimindo maior previsibilidade ao mercado.

• Outro elemento favorável é o dinamismo da construção civil, que segue em expansão e gera empregos diretos e indiretos, estimulando o consumo interno. O avanço da maturação das concessões de infraestrutura também representa uma oportunidade relevante, fortalecendo setores, como transporte e logística, modernizando a malha viária e aumentando a eficiência dos comércios interno e externo.

• Se bem exploradas, tais oportunidades podem permitir que a economia brasileira sustente um crescimento próximo a 2% ao longo de 2025, apoiado pela resiliência do setor privado, que continua inovando e se adaptando às adversidades. O grande desafio do governo será aproveitar essas possibilidades sem comprometer a responsabilidade fiscal e sem recorrer a medidas paliativas que apenas adiem problemas estruturais. Fazer cenários prospectivos exige reconhecer que a incerteza é a única constante. No Brasil, onde a política e a economia frequentemente desafiam previsões lógicas, a imprevisibilidade se torna ainda mais evidente.

• A realidade impõe limites severos à capacidade de transformação do governo. A fragmentação política, a ausência de um projeto estruturado e a fragilidade da base de apoio no Congresso reduzem drasticamente a possibilidade de reformas profundas. A disputa constante pelo controle do Orçamento, a necessidade de equilibrar interesses conflitantes e a falta de uma estratégia límpida tornam improvável qualquer avanço sólido. Nesse contexto, o Brasil parece condenado a um cenário de mediocridade gerencial e reformismo de baixo impacto.

•Assim, o mais provável é que o país continue oscilando entre momentos de alívio e novas crises, sem mudanças estruturais capazes de romper o ciclo de crescimento anêmico e de instabilidade política. O governo seguirá administrando crises, evitando colapsos imediatos, mas sem construir as bases para um desenvolvimento sustentável de longo prazo. A recuperação, quando vier, será mais fruto das circunstâncias do que de um plano bem executado. O Brasil, como tantas vezes em sua história, seguirá em frente mais pela força de sua sociedade e do setor privado do que pela competência de seus governantes.

Leia a íntegra do artigo de Murillo Aragão na edição de fevereiro de Conjuntura Econômica.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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