Em Foco

Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

No próximo dia 7 de março teremos o I Seminário de Análise Conjuntural do ano, que o FGV IBRE promove a cada trimestre. A cada evento surgem ou desaparecem fatos que podem mudar o curso da atividade econômica. No final do ano passado havia a expectativa de que os bancos centrais, em especial o FED, o banco central norte-americano, poderiam respirar mais aliviados: não teriam mais que elevar as taxas de juros e seria possível, já neste primeiro semestre, iniciar um processo de corte nos juros.

Os mais otimistas acreditavam em um pouso suave das economias mais desenvolvidas: os custos da desinflação seriam tênues em termos da atividade econômica e do mercado de trabalho. Isso não apenas para a economia dos Estados Unidos, como para a nossa e de boa parte do mundo.

Mas o que aconteceu? As previsões não se confirmaram, como mostra o Boletim Macro FGV IBRE de fevereiro, já em circulação, que foi destaque na edição da última terça-feira (20), do jornal Valor Econômico (acesse a matéria restrita a assinantes).

O FED, em sua primeira reunião realizada em janeiro, deixou claro que há necessidade de mais dados e informações para se ter a confiança de que a inflação está trilhando, de forma sustentável, o caminho para a meta de 2%. O que se tem visto pelos dados de alta frequência é uma atividade econômica crescendo de forma acelerada e um mercado de trabalho aquecido, acima do que se previa. É importante lembrar que, embora a inflação por lá esteja desacelerando, as medidas de núcleo de inflação teimam em se manter elevadas.

“ A inflação de janeiro (CPI) foi de 0,3%, acima da expectativa de 0,2%, com destaque para a elevação da medida de núcleo, que subiu para 0,4%, acima do consenso e do dado de dezembro, ambos de 0,3%. Em especial, a inflação de serviços continua resiliente, indicando que as pressões inflacionárias permanecem. Esse diagnóstico ficou mais evidente com a divulgação do índice de preços ao produtor, que subiu 0,3% em janeiro ante dezembro, resultado repetido pelo núcleo do indicador, que exclui os voláteis itens de energia e alimentos. Ambos resultados ficaram acima das previsões de alta de 0,1%”, relatam Armando Castelar e Silvia Matos no texto de apresentação do Boletim.  

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, vem alertando sobre essa onda de otimismo que tomou conta do mercado. Como havia apontado no IV Seminário de Análise Conjuntural em meados de dezembro, o melhor que o FED poderia fazer era manifestar descontentamento com o excesso de otimismo, indicando que as condições financeiras teriam que ficar apertadas em caráter minimamente permanente por algum tempo, bem como o crescimento da economia se manter abaixo do potencial por algum período, o que implicaria um horizonte mais longo de corte de juros. Esse Blog tratou do tema no dia 31 de janeiro, a chamada “superquarta”, quando FED e o banco central daqui fizeram reuniões para anunciar se cortariam ou não os juros.

Releia: José Júlio Senna alerta para os riscos de otimismo excessivo quanto aos rumos da política monetária.

Esse quadro de incerteza quanto à política monetária não é uma dor de cabeça só para o FED. Por aqui, a inflação de serviços de janeiro, excluindo as passagens aéreas, acelerou em relação a dezembro de 2023.

“Mesmo com grandes avanços em termos de desaceleração da inflação, ainda estamos distantes da meta de 3%. O mercado de trabalho tem surpreendido, a política fiscal continua expansionista e os riscos relacionados à sustentabilidade fiscal cobram o seu preço”, diz o texto do Boletim.

E o alerta de mais cautela é reforçado na seção sobre Política Monetária do Boletim, onde Senna salienta que “o exame cuidadoso das estatísticas de inflação mostra que, a despeito da melhora geral do quadro inflacionário, ainda se faz necessário manter o aperto monetário por um bom tempo. As dificuldades para levar a inflação para a meta e mantê-la em tal patamar não se limitam a isso. O fato de as expectativas de inflação não terem convergido para a meta torna especialmente difícil a tarefa do Banco Central. Quando as expectativas superam o objetivo oficial, exige-se mais dos outros determinantes da inflação. Em particular, exige-se mais da própria política monetária, ou seja, os juros reais têm de ficar acima do que seria necessário caso houvesse adequada ancoragem das expectativas”. 

Com esse pano de fundo, o que podemos esperar para a economia brasileira em 2024?  Não há dúvidas de que o começo deste ano está saindo bem melhor que o de 2023, quando se estimava um crescimento do PIB da ordem de 1%, na média. Além de ter mais cautela e não entrar na euforia que às vezes acomete o mercado, há uma série de incertezas e riscos que precisam ser acompanhados.

O primeiro deles, já mencionado em outros textos que escrevi neste espaço, é a eleição nos Estados Unidos que pode, dependendo de quem irá ocupar a Casa Branca, acirrar disputas geopolíticas com impactos no comércio mundial e na economia da China. Há, também, apreensão de que se Trump for eleito ocorra mudanças na forma de operação da OTAN, já que o candidato republicano sinalizou, algumas vezes, que, se eleito, poderá não apoiar alguns aliados, o que pode trazer desdobramentos em relação à guerra da Rússia e Ucrânia.

O segundo, que o Boletim enfatiza, é a questão fiscal nos Estados Unidos, já que o déficit público consolidado pulou de 5,4% em 2022 para 6,5% do PIB no ano passado. Como lembram Silvia e Castelar, “isso ajuda a explicar a resiliência da atividade econômica e do mercado de trabalho americanos e, com o aumento expressivo do custo de financiamento da dívida pública, a deterioração fiscal tende a se acentuar”.

Pelo que se tem visto até agora, nem Biden nem Trump parecem preocupados em enfrentar essa questão, mesmo com as projeções mais otimistas apontando para uma forte expansão do endividamento público dos EUA nos próximos anos.

Mas as preocupações não param por aí. Há a crise de imóveis por lá com o aumento da inadimplência e rebate no sistema financeiro, especialmente junto aos bancos médios, “um problema que pode se agravar se a inflação não cair tão rápido como se espera, limitando a capacidade do FED de relaxar a política monetária. E há incertezas relevantes sobre como o governo chinês irá lidar com a crise imobiliária no país”, alerta o Boletim.

Apesar dos problemas, o cenário é de taxas mais baixas de juros nos Estados Unidos e na Europa este ano, desde que não ocorra algo que esteja fora do radar. É bom lembrar que tivemos a pandemia. Depois, quando parecia que as coisas iam para os eixos, a Rússia invadiu a Ucrânia. E se intensificaram as tensões no Oriente Médio. Vamos ver se nada mais acontece.

Para os economistas do Boletim, “aqui no Brasil, em especial, o processo de afrouxamento monetário continua. Como a inflação de 2024 deve ficar em torno de 3,7%, segundo previsões do FGV IBRE, a taxa de juros deve seguir em terreno contracionista. Adicionalmente, após um ano marcado pela desaceleração do crédito bancário e o aumento da inadimplência, tanto de pessoas físicas como jurídicas, espera-se recuperação apenas gradual do mercado de crédito, com reflexos mais intensos sobre a atividade apenas no segundo semestre. Esse quadro irá contribuir para a aceleração da atividade ao longo do ano, impulsionada também pelas eleições e a política fiscal, que continua expansionista, mesmo que com arrefecimento em relação ao ano passado. A contribuição negativa da agropecuária e o menor crescimento da indústria extrativa, em comparação a 2023, devem manter a atividade mais fraca no início do ano”.

Mas o principal gargalo continua sendo as contas públicas. Fechamos o ano com um déficit primário de 2,3% do PIB e a estimativa do Boletim é que o déficit primário feche este ano em 0,8% do PIB.

“Mesmo com melhor arrecadação no curto prazo, em grande medida fruto das novas medidas para aumentar as receitas públicas, avaliamos que o impacto será limitado, pois algumas medidas geram efeitos apenas temporários na arrecadação. E, como é um ano de eleição municipal, a pressão por mais gastos continua. Há um risco de pressão por alteração da meta fiscal e podemos experimentar novas rodadas de incerteza fiscal. Será muito difícil zerar o déficit este ano e gerar um superávit de 0,5% do PIB em 2025, pois a pressão por mais gastos continua firme e forte, não devendo diminuir ao longo dos próximos anos. Com isso, a dívida pública continua subindo e deve atingir 77% do PIB este ano, após ficar em 74% do PIB em 2023”, escrevem Silvia e Castelar.

Todas essas questões serão debatidas no I Seminário de Análise Conjuntural 2024, no dia 7 de março. Inscreva-se.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir