Atividade em 2024 deixa herança positiva para a construção neste ano, apesar do cenário de juros, diz Ana Castelo
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
O surpreendente desempenho do setor da construção no último trimestre de 2024, com expansão de 2,5% em relação ao trimestre anterior – enquanto o agregado da atividade brasileira apresentou sinais de desaceleração, com alta de 0,2% na mesma comparação –, deixou uma herança positiva real para 2025. Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE, ilustra que, graças a esse bom resultado no final do ano passado, o setor já tem um crescimento de 2% garantido para 2025. Além do efeito estatístico, entretanto, o ciclo produtivo característico dessa atividade também tende a garantir um efeito real na produção. “Veremos no decorrer de 2025 a realização das obras que já foram contratadas ao longo do ano passado, o que foi muito bom para construção formal. O mercado imobiliário passou por um boom de lançamento e vendas, alavancado por um forte crescimento do crédito, que no segmento de média e alta renda chegou aos dois dígitos. A infraestrutura também teve crescimento significativo, e as obras que foram contratadas também estarão em execução”, diz.
Em fevereiro, a projeção do Boletim Macro FGV IBRE era de que em 2025 o setor desaceleraria menos do que o agregado da economia, resultando novamente em um PIB maior do que o agregado – em 2024, o setor cresceu 4,3%, contra 3,4% do PIB total. Castelo ressalta que a piora das perspectivas para os juros tende a desafiar a sustentabilidade do dinamismo observado no ano passado, e o segmento que sentirá mais imediatamente o impacto é o do chamado consumo formiga, referente às reformas realizadas pelas famílias, sensível ao cenário de crédito, da renda e do mercado de trabalho. “Na parte formal da construção, das obras realizadas pelas construtoras, incorporadoras, a dependência de financiamento também é importante, mas se trata de um ciclo mais longo.” O mesmo acontece para as obras de infraestrutura, onde se espera que leilões e concessões sofram ajustes em seus projetos, de olho na curva de juros de longo prazo, mas não deixem de acontecer. A projeção da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) é de que em 2024 o investimento no setor tenha alcançado 2,2% do PIB, e pode manter-se em alta em 2025.
Sob a ótica da produção, construção registra o terceiro maior crescimento em 2024 sobre 2023
(%), setores selecionados
Fonte: IBGE.
No setor imobiliário, Castelo destaca que este ano o segmento atendido pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) deverá registrar um protagonismo ainda maior que o observado no ano passado, quando a demanda da faixa de média e alta renda ainda apresentou bons resultados, refletidos na demanda pressionada por recursos da poupança para crédito. De acordo ao Indicador Fipe-Abrainc, de janeiro a novembro de 2024 o segmento de médio e alto padrão registrou aumento de 1,9% em volume de unidades, 20,7% no valor de vendas e 9,9% em unidades lançadas. Já no Minha Casa Minha Vida (MCMV) houve alta de 23% nas unidades comercializadas, 19,2% no valor as vendas e 36,4% nos lançamentos.
Enquanto a economia desacelerou no último trimestre do ano, construção se manteve aquecida
variação % em relação ao trimestre anterior
Fonte: IBGE.
Castelo destaca que o contexto de juros elevados e a tendência de desaceleração da economia brasileira em 2025, além de piorar as condições de crédito para os tomadores – tornando-o mais caro, por um lado, e reduzindo a capacidade de pagamento das famílias em caso de perda de renda – também joga contra a principal fonte de financiamento para o segmento de média e alta renda, que é a caderneta de poupança. “Nos últimos anos, temos visto saques superando os depósitos”, lembra Castelo, apontando que juros elevados tiram competitividade da poupança como forma de investimento, e que uma eventual piora das condições financeiras das famílias também tende a comprometer sua capacidade de poupar. No ano passado, apesar de o saldo entre saques e depósitos ter sido o menor da sequência de resultados negativos observada nos últimos quatro anos, e o volume total aplicado ter registrado alta – chegando a R$ 1,03 trilhão – Castelo ressalta que ainda é um resultado que preocupa, já que ainda se trata da principal fonte de financiamento habitacional, junto ao FGTS.
Captação da Caderneta de Poupança
depósitos menos retiradas, em R$ bilhões
Fonte: Banco Central.
Fonte: ItaúBBA.
No caso do Minha Casa Minha Vida, há um orçamento atestado, garantindo o horizonte de contratações. A pesquisador do IBRE ressalta, entretanto, que medidas do governo para prover liquidez aos consumidores preocupam o mercado. A mais recente é a decisão de liberar saques do FGTS a aderentes ao saque-aniversário que forem demitidos, atingindo uma fonte de recursos vital para o programa de habitação popular, assim como, com o saque, se reduz a capacidade das famílias em lançar mão desse recurso para dar entrada em imóveis.
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