O que o perfil das importações brasileiras pode dizer sobre nossos desafios geoeconômicos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em tempos conturbados para as relações econômicas internacionais graças à imprevisibilidade da política comercial de Trump, estudos que ajudem a olhar a influência dos principais parceiros comerciais do Brasil nos negócios do país são bem-vindos para traçar estratégias de ação. Dessa lista faz parte o texto de discussão de Renato Baumann, do Ipea, publicado em janeiro, que analisa como o peso dos principais fornecedores de bens de produção pode influenciar a estrutura produtiva brasileira.

O estudo parte da análise das trocas comerciais de dois períodos: um imediatamente antes da pandemia, traçando uma média entre 2018 e 2019, comparando com a média entre 2021 e 2023, para três principais grupos: o Brics original, com Rússia, Índia, China e África do Sul; os novos integrantes do Brics – com exceção da Indonésia, incorporada depois da elaboração do estudo – e Estados Unidos e União Europeia. A análise leva em conta tanto exportações quanto importações brasileiras, e também apresenta o resultado para as trocas gerais. O foco, entretanto, é colocado nos bens de produção. A ideia é que, quanto mais elevado o peso de determinado mercado de destino nesse campo, mais sensível será a produção brasileira em relação àquela economia.

Como o Brasil não é forte competidor internacional no segmento de bens de produção, sem presença relevante além do mercado latino-americano, entretanto – na comparação realizada, inclusive, há perda de participação tanto no agregado do Brics (membros originais e novos) quanto para Estados Unidos e União Europeia), os principais resultados se concentram do lado das importações.

Importações brasileiras de bens de produção de parceiros selecionados


Fonte: Renato Baumann, com dados da UN Comtrade, 2024.

O total dos países analisados por Baumann representa quase 70% das importações de bens de produção do Brasil. Nos períodos analisados, o Brics ampliado registrou aumento de 5,4 pontos percentuais na participação das importações, chegando a 35,1%, metade do total. A maior fatia é dos Brics originais (33,8%), que tem a China como locomotiva. Estados Unidos e União Europeia, por sua vez, perderam 2,3 pontos percentuais de participação, para 34,7%.

Baumann indica que boa parte da explicação para esse diferencial de desempenho pode estar relacionada ás condições de oferta, posto que o aumento de demanda de produtos dos Brics aconteceu com uma variação menor dos preços médios comparando à observada para a média das importações de origem americana e europeia. No caso do segmento de máquinas e equipamentos de  transporte, por exemplo, enquanto a variação do preço médio das importações do Brics original foi negativa (-24,4, medida em US$ por quilo), as da União Europeia e Estados Unidos aumentou US$ 13,3 por quilo.

Importação brasileira de bens de produção:
variação em quantidade e preço entre os dois períodos estudados (2018/19 e 2021/23)


Fonte: Renato Baumann, com dados do I=UM Comtrade, 2024.

Em outra etapa de análise, para identificar os segmentos em que essa mudança de fornecedor internacional foi mais sentida, Baumann selecionou os setores nos quais o percentual acumulado de importações de bens de produção provenientes dos grupos selecionados superou os 50% do total importado por setor em cada período. A partir desse critério, o pesquisador identificou 33 setores no primeiro período e 28 no segundo, dos quais resultaram 26 setores que cumpriram o critério em ambos os períodos. Desses, apenas dois não registraram aumento de participação dos Brics como origem das importações: outros equipamentos de transporte, com redução, e alimentação, que não registrou variação. Já par Estados Unidos e União Europeia, registrou-se queda em 22 setores.

Baumann destaca que esse mapeamento a um dígito dá pistas, mas ainda não é conclusivo. “É importante aprofundar essa análise no nível setorial e de produto, para saber efetivamente o que está por trás de cada variação. É dumping ou competitividade chinesa? São empresas estatais? Só assim poderemos identificar qual política adequada para cada caso”, diz.  

Baumann ressalta que esse diagnóstico reafirma a delicadeza da situação brasileira – bem como de outros países do Cone Sul – diante da atual conjuntura geopolítica. “Vemos a participação de bens de produção dos Brics crescendo; ao mesmo tempo, o estoque de investimento direto estrangeiro ainda é predominantemente europeu; e há vários interesses envolvendo os Estados Unidos que justificam a importância de preservar essa relação”, descreve. O especialista do Ipea ressalta, entretanto, que a escolha de fornecimento de bens de produção de um ou outro bloco muitas vezes envolve padrões tecnológicos que são definidores dos bens finais, “o que pode complicar um retorno à aquisição de produtos americanos ou europeus”, já que a China também desenvolver seus próprios standards. “Abre-se uma caixa de Pandora de temas, importantes. Se hoje, dos 70% dos bens de produção importados hoje pelo Brasil, metade vem dos BRICS e metade Estados Unidos e União Europeia, devemos fazer o dever de casa de analisar as potenciais implicações que isso pode trazer.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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