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Desafios para zerar o déficit

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Primeiro, o ministro Fernando Haddad se comprometeu de que iria zerar o déficit primário do governo – que é o saldo entre despesas e arrecadação tributária do governo, sem contar os juros da dívida e a correção monetária – no próximo ano quando da elaboração do novo arcabouço fiscal. Há cerca de duas semanas, o presidente Lula veio a público dizer que não haveria possibilidade de zerar o déficit e que ele poderia ser de 0,5% do PIB.

Confusão geral. Se passou a mensagem de que o governo não estava empenhado em equilibrar a suas contas, ou seja, comprometido em pavimentar o caminho para resolver a questão fiscal do país, que se arrasta já há alguns anos. Sem que haja responsabilidade fiscal, como todos sabem, não há crescimento: há fuga de investidores, o risco Brasil sobe, a inflação engorda, os juros sobem, o real se desvaloriza, entre outros fatores.

Após instalada a confusão, intensas negociações ocorreram. Ontem (16/11), o governo decidiu não mudar a meta fiscal, mantendo o que o ministro Haddad vem defendendo.

Pelo que ficou noticiado, o governo Lula (PT) não deve mudar a meta fiscal para 2024 neste ano, em uma vitória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Correntes dentro do governo defendiam uma emenda a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para que a meta fosse alterada no ano que vem. O que é uma vitória do ministro da Fazenda que tem se empenhando a fundo para tentar zerar o déficit primário e equilibras as contas públicas.

Agora, a questão é de que forma isso será conseguido, já que há muitas dúvidas quanto à capacidade do governo de aumentar as receitas para compensar os elevados aumentos de gastos que foram incluídos no novo arcabouço fiscal. Em setembro, a arrecadação federal teve uma queda real de 0,34%, a quarta consecutiva no ano, com R$ 174,3 bilhões.

Apesar da quarta queda, houve uma desaceleração no ritmo: em junho a arrecadação federal havia encolhido 3,37%, 4,20% em julho e 4,14% em agosto. De janeiro a setembro a arrecadação, já ajustada pela inflação do período, caiu 0,78% em relação ao mesmo período de 2022.

A Carta do IBRE, publicada na edição de novembro da revista Conjuntura Econômica, mostra que o aumento da vinculação de despesas à receita torna mais difícil o desafio fiscal que o ministro Haddad persegue.

Em sua introdução, a Carta ressalta que “o governo havia se comprometido a zerar o resultado primário em 2024, por meio de um ajuste fiscal a ser realizado basicamente pelo lado da receita. Por conta disso, a arrecadação bruta da União em 2024 teria que ser reforçada em cerca de R$ 169 bilhões, a serem obtidos por um amplo pacote de medidas, das quais apenas uma parte já foi aprovada. Mesmo com esse objetivo em jogo – o que nunca pareceu simples, como discutido na Carta do Ibre de outubro/23 –, o cumprimento de metas de primário tão arrojadas até o fim deste mandato presidencial (zero em 2024, +0,5% do PIB em 2025, e +1% em 2026, com intervalo de tolerância de +/- 0,25 p.p.) exige contingenciamento relevante de despesas nos começos de todos esses anos. Isso porque, mesmo que as medidas necessárias pelo lado das receitas sejam aprovadas e implementadas, sua materialização não é instantânea e suas magnitudes carregam alguma dose de incerteza”.

O Boletim Macro FGV IBRE de outubro também se debruça sobre esse calcanhar de Aquiles, ou seja, a questão fiscal.

Segundo o Boletim, “como esperado, o déficit primário do setor público consolidado vem aumentando. No acumulado de 12 meses, atingiu 0,7% do PIB em agosto, sendo 0,7% no governo central e zero nos estados, municípios e estatais. O déficit nominal, na mesma métrica, e excluindo swaps, foi de 7,7% para 7,9% do PIB, com as despesas de juros tendo subido de 7,0% do PIB em julho para 7,2% em agosto. Tanto a dívida bruta como a líquida aumentaram, atingindo 74,4% e 59,9% do PIB, respectivamente. Não antecipamos melhora significativa à frente, prevendo déficit primário de 1,3% este ano e de 1,0% em 2024. Uma Selic mais alta do que antes previsto vai, por sua vez, pressionar ainda mais as despesas com juros.

O diagnóstico parece claro, mas isso não tem facilitado viabilizar uma solução. A PEC da Transição gerou aumento significativo dos gastos públicos, com destaque para uma elevação da ordem de 1% do PIB no programa Bolsa Família. Como é um gasto recorrente, pela Lei de Responsabilidade Fiscal seria necessário encontrar novas fontes de receitas recorrentes para financiar esse aumento perene de gastos. Mas isso não ocorreu”.

Também enfatiza que “o novo arcabouço fiscal coloca limites para a expansão dos gastos, mas também impõe um piso para o crescimento real das despesas de 0,6% ao ano. Além disso, inclui uma trajetória muito ambiciosa do resultado primário, que depende fundamentalmente de forte aumento de receitas.

Assim, parece haver excesso de otimismo por parte do governo sobre sua capacidade de obter receitas envolvendo a redução de desonerações, do litígio fiscal e de brechas legais para iniciativas de planejamento tributário.

Como esperado, a questão da credibilidade do arcabouço se intensifica e tudo aponta para elevado déficit no próximo ano. Não há saídas fáceis para problemas difíceis. Temos que entregar resultado fiscal, ou seja, voltar a gerar superávit primário para permitir uma redução mais consistente da taxa de juros real e estabilizar a dívida pública. Por enquanto, estamos muito distantes desse cenário”.

Acesse, gratuitamente, a revista Conjuntura Econômica de novembro.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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