É pouco provável que a China aceite acordos de forma unilateral como no Trump 1.0, diz Lia Valls em artigo
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Está previsto para este fim de semana, na Suíça, encontro de altos funcionários dos Estados Unidos e da China para negociar as recentes tarifas de importação impostas por ambos países em sua relação comercial, numa escalada cujo pontapé inicial foi dado pelos EUA, e que resultou nas atuais alíquotas de três dígitos.
As reuniões serão lideradas pelo secretário do Tesouro americano Scott Bessent e o vice-priemiro-ministro da China He Lifeng. Declarações do presidente Donald Trump feitas nos últimos dias dão um tom apaziguador à guerra comercial recente, ao afirmar a expectativa de redução das tarifas. O resultado dependerá, entretanto, do que o governo americano entende por “negociações substanciais”, que Trump diz esperar do encontro, e qual será a estratégia da China.
Para Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE, vale a pena apostar em uma China mais resiliente à mesa de negociação do que no primeiro mandato de Trump. Em artigo para a revista Conjuntura Econômica de maio, que será divulgada na próxima semana, Valls lembra que no Trump 1.0 a China se comprometeu comprar mais de US$ 200 bilhões em mercadorias e serviços dos Estados Unidos, “além de firmar compromissos na área de propriedade intelectual, transferência de tecnologia, serviços financeiros e regras cambiais”. O acordo não foi cumprido, lembra, devido da pandemia de Covid-19. Sem o choque sanitário, a estimativa de analistas é de que seria difícil atingi-lo tal como foi selado. “Naquele momento, a estratégia chinesa foi interpretada como busca por uma trégua”, diz.
Desta vez, entretanto, Valls considera que os EUA encontrarão uma China mais fortalecida. “Parece pouco provável que a China aceite esse acordo de forma unilateral, como fez no governo Trump 1.0. Em adição, também é pouco provável que o governo chinês aceite renunciar de suas políticas nos setores de novas tecnologias, ou aceite imposição de regulações de como gerir temas como Inteligência Artificial, proteção de dados, entre outros”, cita a pesquisadora.
É possível que, para os chineses, concessões na área agrícola como as que aconteceram no Trump 1, como o compromisso com a fixação de volumes mínimos de compra de produtos como milho, soja e carne dos EUA, possam soar aceitáveis – o que seria uma má notícia para o Brasil. Também pode ser plausível pensar em alguma concessão para uma cesta definida de manufaturados. Mas a China, que não começou a se planejar para um cenário como o atual ontem, pode ser mais ousada. Como tem destacado Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE (leia mais), “um sem-número de medidas monetárias, creditícias, fiscais e parafiscais já foi posta em marcha, dando suporte à economia e, de alguma forma, preparando o terreno para tempos mais difíceis”. Colchão fiscal não falta ao país, tampouco margem no campo monetário. E, como ressalta Ribeiro, se trata de uma estratégia que não está na manga: já está dada. O que parecia ser apenas uma política de socorro a uma economia cujo crescimento desacelerava já continha em seu pacote de medidas os instrumentos para atuar em caso de que o governo Trump mostrasse suas garras comerciais. Que, por sua vez, foram ampliados já na Plenária do Congresso Nacional do Povo, em março, antes mesmo do Liberation Day e o embate mais direto com a China, em abril. Nesse momento, diz Ribeiro, “houve clara indicação de mais impulsos governamentais nas searas monetária, fiscal e creditícia. Estimular o consumo interno, estabilizar o mercado imobiliário e navegar as incertezas externas são os vetores centrais da estratégia oficial para 2025, complementando as políticas postas em marcha durante 2024”. Ao confirmar a meta esperada para o crescimento do PIB chinês em 2025, de 5%, e o aumento de meta de déficit fiscal para 4%, ficou claro, avalia Ribeiro, que a China não poupará esforços para suportar a economia. “Se a China não atingir a meta, não será por falta de iniciativa do Estado”, afirma. Destaca-se, nesse campo, a lista de medidas de promoção ao consumo doméstico – frente pouco usual nas políticas de estímulo chinesas – mas que, pondera Ribeiro, “ainda carecem de clareza quando a prazos, metas e orçamentos”.
Valls lembra que, para o Brasil, além dos potenciais impactos que a evolução das negociações EUA x China podem trazer no comercial, há também os reflexos geopolíticos, em especial às vésperas da Cúpula dos Brics que será sediada no Rio de Janeiro, sob a presidência brasileira. A pesquisadora analisa tais implicações em seu artigo na Conjuntura de maio.
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