Meta de crescimento da China não será abalada por guerra tarifária, afirma Livio Ribeiro

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A guerra tarifária entre Estados Unidos e China evolui a níveis impensáveis. Após o governo de Donald Trump declarar novo aumento na tarifa de importação de produtos chineses – em uma escalada que começou no início de fevereiro, somando 104% de taxação –, nesta manhã (09/04) a China respondeu com a imposição de tarifas adicionais de 84% sobre importações dos Estados Unidos, que por sua vez retribuíram com novo aumento. Trump declarou que subiria a alíquota para importações chinesas a 125%, e interromperia a implementação das chamadas “tarifas recíprocas” por 90 dias para os países que não retaliaram os EUA – período no que manterá para todos os países a chamada tarifa mínima de 10%, a qual foi aplicada ao Brasil.

Ilustrando o atual momento como dois carros que aceleram em rota de colisão, à espera de que o outro desvie, Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, analisa que a China chega de fato preparado para enfrentar a artilharia do governo americano, com boa margem e manobra. “O governo chinês parece criar um ponto de pressão para a opinião pública sobre Trump”, descreve, destacando a tendência inflacionária desse tarifaço. “Os democratas perderam a eleição por causa do nível de preços no governo de Joe Biden, que subiu e não voltou, mesmo com a economia andando bem. E os chineses sabem disso”, afirma.

Ribeiro considera que, apesar da imprevisibilidade do cenário, do qual faz parte o risco de uma reação tarifária em cadeia, a guerra tarifária não deverá impactar significativamente a perspectiva de crescimento chinês em 2025. A meta oficial divulgada pelo Partido Comunista é de uma expansão da atividade em torno de 5% este ano; a previsão de Ribeiro é de crescimento de 4,9% do PIB. “Com o pacote de estímulo que o governo vem anunciando desde setembro do ano passado, é difícil que algo abale a projeção de crescimento no curto prazo”, diz. O que, complementa o economista, não significa tratar de alocações necessariamente eficientes.

Em texto publicado esta semana no Blog do IBRE (leia aqui), Ribeiro destaca que a meta fiscal para em torno de 4% do PIB – “o que significa uma expansão de 1 ponto percentual, sendo uma dos maiores ajustes da história recente, e o maior depois da pandemia” – deve se aproximar de 10% quando somado o resultado não-orçamentário, ilustrando a disposição do governo em gastar bastante este ano, tendo a promoção do consumo doméstico como “prioridade número 1”.

Ribeiro recorda que, no decorrer dos anúncios desse grande pacote fiscal, muitos analistas se limitaram a interpretar essa diretriz expansiva como indicador do reconhecimento, pelo governo, “da gravidade da crise de confiança que assola a economia chinesa”.  O fato, entretanto, é que o governo tem arsenal suficiente para enfrentar qualquer contingência que demande uma operação de resgate da economia. “Entendemos que as políticas serão calibradas conforme a necessidade, em função das questões enfrentadas no decorrer do ano”, diz, reconhecendo que os desafios internos e externos são relevantes, “e que certas iniciativas centrais à estabilização da economia chinesa, principalmente no que se refere à absorção doméstica (privada), seguem mal calibradas e pouco transparentes”.

Em entrevista ao Infomoney, Ribeiro avaliou que os movimentos dos mercados financeiros, apesar de fortes, não são bons predecessores da tendência de médio e longo prazo. No programa Conexão Globonews, o pesquisador afirmou que ainda é complexo avaliar se a guerra tarifária levará a uma recessão mundial este ano. “O que temos é um ambiente onde a capacidade que temos de projetar futuro é pequena. Isso vai jogar a economia global em recessão? Difícil dizer”, afirmou, lembrando que as características da atual política tarifária diferem das operadas no primeiro mandato de Trump. Além de iniciar o mandato usando tarifas com objetivos migratórios, Ribeiro também destaca a ainda não compreendida racionalidade econômica das alíquotas do anúncio das tarifas “recíprocas” a 180 países, realizado na semana passada.  “Além do onshoring – ou seja, uso das tarifas para atrair a produção industrial para os EUA –, a política de Trump passa pela visão de que déficit comercial americano é resultado de dólar excessivamente forte contra outras moedas do mundo, porque é grande ativo livre de risco. Mudar essa posição partindo do suposto que os EUA precisam de dólar fraco para que o déficit seja menor também e uma premissa contestável”, afirmou.

Ao Jornal da CBN Ribeiro destacou que déficits comerciais também significam “um aumento de possibilidades de consumo frente á capacidade de produção doméstica”, o que tende a gerar preços mais baixos e bem-estar aos consumidores. “Se você perde emprego de um lado, ganha preços mais baixos de outro.” A questão, afirmou, é encontrar um equilíbrio entre ambos.

 


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