A conta vai chegar?
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Em sua coluna Ponto de Vista de setembro na revista Conjuntura Econômica, Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, ao partir da comprovação de que a economia brasileira cresce liderada pela demanda – o PIB, no caso a produção, cresceu 3,3% no segundo trimestre de 2024 ante o segundo trimestre de 2023, enquanto o crescimento da demanda doméstica foi de nada menos do que 4,7% - enfatiza que a economia brasileira está testando os limites de sua capacidade produtiva. O artigo também foi publicado na coluna de Pessôa na Folha de S. Paulo.
É bom lembrar que o PIB este ano vem crescendo bem acima das previsões. No segundo trimestre avançou 1,4% sobre o primeiro, quando a média de mercado, a mais otimista, apontava 1,1% de expansão. Devemos fechar o ano com um crescimento de 3%, ou um pouco acima disso, se nada de anormal ocorrer.
Segundo o Boletim Macro FGV IBRE de setembro, a atividade econômica deve dar uma freada neste terceiro trimestre, crescendo ao redor de 0,1% sobre o trimestre anterior.
Leia: Alguns destaques do Boletim Macro FGV IBRE.
Para Pessôa, o crescimento muito maior do que o previsto “pode ter sido influenciado pelo esforço de reconstrução do Rio Grande do Sul. Mas os gastos têm crescido muito, mesmo descontando a despesa extra de reconstrução. O gasto público primário nominal cresceu, no acumulado de janeiro a junho de 2024, 15% ante igual período de 2023. Isto depois de já ter crescido 10% em 2023 ante 2022 para o acumulado de janeiro a junho. A questão é que não parece haver qualquer preocupação do governo com a agenda de controle dos gastos”. No relatório sobre receita e despesas divulgado no último dia 20, a contenção de gastos que deveria ser de R$ 15 bilhões, anunciada em julho, caiu para R$ 13,5 bilhões, o que aumentou as incertezas em relação às contas públicas.
Em sua avaliação, o quadro é bem mais complicado, pois a economia está rodando a plena carga. “Ou seja, o déficit primário que teremos no final do ano será menor, pois a posição no ciclo econômico é altamente favorável. As receitas estão muito elevadas em função da posição cíclica da economia”.
Ao lembrar que nos regimes anteriores do governo do PT ocorreu o mesmo, com a economia sendo puxada pela demanda até o seu limite, o que acaba criando distorções e desequilíbrios que vão se avolumando. “Uma hora a conta chega e vivenciaremos, em algum momento, um forte ajuste econômico”.
Para embasar seu raciocínio, Pessôa lança mão de dados, no caso a evolução das exportações líquidas como proporção do PIB, que tem mostrado um desequilíbrio macroeconômico, segundo ele. Os dados foram acumulados em quatro trimestres e foram obtidos da série do PIB a preços constantes de 1995.
Ao analisar os dados, Pessôa mostra “que no quarto trimestre de 2005 havia superávit das exportações líquidas de 4,3% do PIB e, no quarto trimestre de 2013, tínhamos déficit de 3,9%, uma virada de 8,2 pontos percentuais. De fato, se entre 2006 e 2013 o crescimento da economia foi de 37%, o crescimento da absorção doméstica foi de 48%! Simplesmente a demanda não gerou uma resposta da oferta doméstica na mesma intensidade. Os desequilíbrios criados em algum momento viriam a cobrar seu preço. Olhando os últimos dados do gráfico, talvez estejamos iniciando uma dinâmica equivalente. No quarto trimestre de 2023 as exportações líquidas apontavam 1,49% do PIB, e nos quatro trimestres terminados no segundo trimestre de 2024 se reduziram 0,44pp para 1,05% do PIB”. É o que mostra o gráfico abaixo.
Exportações líquidas (% PIB)
Fontes: IBGE, Secex e Icomex.
“O problema é que, quando a demanda cresce além da oferta, a oferta internacional, isto é, as importações, não consegue fechar todo o buraco. Parte da demanda doméstica é de serviços, que em geral não são passíveis de serem transacionados internacionalmente. O excesso de demanda por serviços se transforma em inflação, a menos que o câmbio se valorize muito. De fato, entre o final de 2005 e o final de 2013, a inflação de preços livres subiu de 4,3% para 7,3%. Certamente teremos agora pressões inflacionárias à frente”, diz Pessôa.
Veja: Voo cego, de galinha, ou sustentável?
Leia na íntegra o artigo de Samuel Pessôa na revista Conjuntura Econômica de setembro.
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