Cenário é desfavorável para redução da incerteza e dos juros, afirmam pesquisadores do FGV IBRE em seminário

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No III Seminário de Análise Conjuntural deste ano, promovido na semana passada pelo FGV IBRE em parceria com o Estado de S. Paulo e com moderação de Adriana Fernandes, colunista de repórter especial do jornal, prevaleceram os sinais de cautela diante de vários componentes de instabilidade no horizonte. Se em junho, na segunda edição do seminário, o tom foi de reconhecimento de mudança nos ventos da macroeconomia brasileira (lei aqui) – reforçada pelo então recente anúncio de revisão positiva da perspectiva da nota de crédito do Brasil pela agência S&P Global, desta vez os pesquisadores alertaram sobre a tendência de ampliação da incerteza econômica, em função de um trabalho não concluído de combate à inflação e dos alicerces ainda frágeis para se cumprir a meta de resultado primário para 2024.

No campo da política monetária, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, afirmou que, embora considere correto o início iniciar o ciclo de corte de juros em agosto, com uma redução da Selic em meio ponto percentual, para 13,25% ao ano, ele ressaltou o fato de que foi uma decisão tomada pelo Banco Central sem que houvesse as condições perfeitas para tanto. “A meu ver, foi inevitável que acontecesse. Mas, no momento em que o ciclo de queda foi deflagrado, a projeção oficial para a inflação de 2024 era de 3,4%, ainda fora da meta de 3%”, disse. “Quanto ao fato de o corte ter sido de 50 pontos, considero que foi uma decisão conservadora, não o contrário, pois visou a conter a euforia do mercado e permitir que o BC tenha o mínimo de controle sobre esse ciclo de baixa.”

Para Senna, mais relevante do que discutir o ritmo do corte é saber até onde essa queda poderá chegar. Diante das incertezas que ainda prevalecem no campo fiscal, ele considera as projeções de mercado de uma Selic na casa dos 9% ao ano em 2024 excessivamente otimistas. “Os juros dos títulos de vencimento mais longo – no caso, das NTN-Bs, que refletem melhor o risco – estão na média histórica. Isso significa que os participantes de mercado estão exigindo o que sempre exigiram para comprar títulos públicos, o que não é confortável”, afirma, indicando que sob o atual contexto não considera viável uma queda da Selic abaixo de 10% ao ano.

Entre as economias desenvolvidas, Senna considera que a tendência também será de juros altos por um horizonte mais longo.  “Nos Estados Unidos, o ajuste, se necessário continuar, será muito mais via postergação da queda do que propriamente aumento dos Fed Funds.” Senna ressalta que a busca pelo soft landing, ou pouso suave, não elimina o fato de ser um pouso, com suas implicações para o setor produtivo. Pos isso, para o economista do IBRE, o contexto de alta incerteza vivido pelo mundo desde a eclosão da pandemia eleva a sensibilidade do BC com o manejo dos juros básicos. “Artigo de Raghuram Rajan (ex-presidente do BC indiano) destaca que a opção do  FED ao colocar o soft landing reflete sua preocupação em não provocar a ira dos congressistas, que questionam: depois de se gastar cerca de 23% do PIB para salvar a economia na pandemia, agora vêm o BC para inverter o processo? Daí vem a opção de administrar o momento da queda de juros em lugar de altas adicionais de juros”, afirmou Senna, destacando mensagem na mesma linha de Ben Bernanke, presidente do FED entre 2006 e 2014, no livro Política Monetária no Século 21. “No final do livro, ele comenta sobre qual lição ficou de seu mandato. E ele disse: ‘o Congresso é o seu chefe. Olho vivo no que eles estão pensando’”, destacando o cuidado que o BC deveria ter depois de ter operado tantas intervenções desde a crise financeira de 2008, o que reforçaria a atenção sobre estimular uma recessão logo após a pandemia.

O mundo não tende a ajudar

No evento, Armando Castelar se somou ao diagnóstico de Senna de que a tendência entre os BCs será trabalhar os juros mais em sua extensão de tempo do que no aumento do nível. O pesquisador ponderou, entretanto, que essa estratégia traz implícito o risco de tornar a inflação mais persistente. “É preciso levar em conta a possibilidade de que, ao se estender o ciclo, o risco se espalhe e se torne mais difícil baixar a inflação.”

Para Castelar, esse é um dos fatores que tornam o cenário externo mais desafiador nesta gestão Lula do que nas duas anteriores. Desta vez, afirmou, o mundo ajudará menos para reduzir o impacto de uma política que vise ao aumento do gasto público. “Nos dois mandatos anteriores, o aumento de gasto público foi de 6% além da inflação, na média, e teve como contrapartida uma Selic real de 9%. O que ajudou foi um bom cenário externo, que levou a desvalorização do dólar na faixa de 30% frente a outras moedas, junto à expansão da China, que levou o preço das commodities nas alturas, colaborando para a valorização do real e o controle da inflação.” Hoje, alertou Castelar, o cenário é diferente. “Ainda que o dólar esteja em um patamar alto, mas não muito, não há perspectiva de desvalorização. No caso da China, a torcida do mercado era de que o governo operasse estímulos mais fortes e o país voltasse a crescer mais para contribuir mais para crescimento mundial. Nos últimos meses, entretanto, se consolidou a ideia de que há uma mudança estratégica, e que o  crescimento alto deixou de ser prioridade”, afirmou. (leia mais sobre a conjuntura econômica chinesa na conversa com Livio Ribeiro publicada no Blog na semana passada)

Castelar reforçou o diagnóstico de que, graças à sorte de herdar do governo anterior uma dívida bruta pública em queda, o governo terá espaço para um aumento de gasto público sem a deflagração de uma crise fiscal. “Mas o grau de incerteza que isso implica não é trivial. Há incerteza sobre os números que balizam as projeções oficiais, bem como sobre as fontes de receita. Veja o caso do Carf: espera-se que se consiga recuperar de R$ 50 bilhões a R$ 80 bilhões. Mas será que as empresas não entrarão na Justiça?   Será possível contar com esses valores entrando no caixa rapidamente?”, questionou. Outro ponto de atenção levantado por Castelar é uma possível alteração na  linha de atuação do BC com a mudança na composição do Comitê de Política Monetária (Copom). “Será que com isso o componente político entrará na definição da taxa de juros?”, questionou, alentando a ideia de que, mantido o cenário atual, o que se espera é aumento da incerteza.

Qualidade do crescimento

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, ressaltou no evento online que tampouco o crescimento do PIB acima das expectativas de mercado representa bons sinais para o futuro. “Em 2023, o resultado do PIB estará apoiado predominantemente no desempenho do agronegócio – seguido da indústria extrativa, que tem conseguido se recuperar, especialmente com os resultados do pré-sal – e seus reflexos em outras atividades como da indústria alimentícia, transportes e tecnologia da informação”, destacou.

Outro ponto de preocupação sinalizado por Silvia vem do campo da demanda, com a aceleração do consumo das famílias (0,9% no segundo trimestre) e do governo (0,7% no mesmo período), enquanto os investimentos fecharam a primeira metade do ano com queda no primeiro trimestre e estabilidade no segundo. “O nível do investimento no segundo tri de 2023 fechou 4,5% abaixo do terceiro tri do ano passado”, ilustrou. No caso do consumo das famílias, Silvia afirmou esperar alguma desaceleração na segunda metade do ano, lembrando que a manutenção de uma demanda doméstica aquecida pode ser um sinal ruim para o combate à inflação. No campo do investimento, a pesquisadora destacou que apenas a construção civil registrou bom desempenho na absorção de bens de capital na primeira metade do ano, e que somando o resultado de todas as atividades “a absorção de máquinas e equipamentos registra queda no segundo trimestre em termos interanuais”, com expectativa de que em agosto essa retração tenha chegado a 10%.

Silvia ressalta que não há como pensar em ampliação da capacidade de crescimento do país sem investimento em capacidade produtiva, e que um dos fatores que inibem esse investimento são os juros de longo prazo altos. “Do jeito que está, quem mais sofre é quem pode gerar mais PIB potencial para o país”, alertou, reforçando que um crescimento apoiado apenas no aumento do consumo das famílias tem como resultado inflação persistente e juros altos por mais tempo. “E aí corremos o risco de repetir um círculo vicioso que já conhecemos bem de, diante de inflação e juros altos, surgirem pressões por programas de subsídios e isenções para o investimentos, que acabam colaborando para esse desequilíbrio.”

Para colocar o país no trilho do crescimento sem gerar desequilíbrios, Silvia defende que o único caminho é com ganhos de produtividade – algo que ainda não tem acontecido na economia brasileira. Ele lembra que, de acordo aos estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, o aumento da produtividade do trabalho observado no primeiro trimestre do ano (leia aqui) se deu em função do desempenho do agronegócio. “Quando se exclui o agro, a produtividade do trabalho contrai em relação ao quarto trimestre de 2022”, afirma, reforçando que esse não foi um ganho disseminado. Silvia lembra que a reforma tributária pode trazer efeitos positivos para a produtividade agregada da economia, mas alerta para o cuidado que o campo fiscal ainda demanda. Para 2024, ela prevê que o resultado primário seja de déficit próximo a 1% do PIB, enquanto a meta do governo é de zerar esse déficit já no ano que vem. “Criamos um desafio fiscal grande porque não há novas medidas para mais gastos sem contrapartidas garantidas do lado da receita. Além disso, no relacionamento do Executivo com o Congresso também se criou a possibilidade de mais gastos. Para reduzir a dívida pública, é preciso recuperar os resultados superavitários e juros mais baixos de rolagem da dívida. Mas não vemos isso no radar”, disse.

Silvia destacou o risco da opção de equilíbrio via aumento da carga tributária. “Em 2021, nossa carga tributária estava quase 2 pontos porcentuais abaixo da média da OCDE e 13 pontos porcentuais acima da média dos países da América Latina. O que queremos? Alcançar a média da OCDE com ineficiência?”, questionou. A pesquisadora destacou, entretanto, a importância do trabalho capitaneado pelo Ministério do Planejamento de reforçar o monitoramento e avaliação de políticas públicas (leia mais aqui), lembrando que há um amplo espaço para se melhorar a eficiência nos gatos públicos.

Reveja o III Seminário de Análise Conjuntural 2023.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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