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“Governo deve aproveitar os ventos favoráveis e manter estratégia bem-sucedida”

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O II Seminário de Análise Conjuntural de 2023 - parceria do FGV IBRE com o jornal O Estado de S. Paulo - aconteceu logo após a agência de classificação de riscos S&P Global colocar a cereja na torta de boas notícias para a economia brasileira que saiu do forno nas últimas semanas. A revisão da perspectiva da nota de crédito do Brasil (BB-) de estável para positiva somou-se a um IPCA de maio melhor que o previsto pelo mercado, e a surpresa do PIB do primeiro trimestre do ano, que cresceu 1,9% em relação ao trimestre anterior, puxado pelo agronegócio.

No evento, que contou com moderação de Adriana Fernandes, colunista e repórter especial do Estadão, os pesquisadores do FGV IBRE ressaltaram a notável mudança nos ventos da macroeconomia brasileira. José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, atribuiu o resultado no campo da inflação ao funcionamento da política monetária “a pleno vapor”, entrando no sétimo trimestre de operação de juros reais acima do nível considerado neutro. “O juro real de política monetária atingiu um pico de 8,4% no final do ano passado, hoje está em torno de 7,7%. Isso significa um custo enorme, e é exatamente por isso que precisamos convencer governo e sociedade da importância de se combater a inflação”, afirmou.

Para Senna, também foi importante a atenuação das críticas do governo nesse campo, especialmente quanto ao questionamento da meta de inflação. Isso contribuiu, afirmou, para a queda da inflação implícita em contratos, assim como dos juros pré-fixados. “Em três meses, o risco Brasil caiu de 260 pontos para menos de 190”, citou, lembrando que essa é a principal variável que influencia o comportamento da bolsa e dos juros reais de longo prazo. “Os governantes pararam de falar de mudança de meta, e os números comprovaram que é disso que o Brasil precisa: de tranquilidade e política monetária bem conduzida.”

Senna avaliou que a revisão anunciada pela S&P Global é mais um reforço do diagnóstico de que a manutenção da meta da inflação em 3% a partir de 2024 será a melhor escolha do Conselho Monetário Nacional em sua reunião nos últimos dias de junho. Tal como apresentou em sua análise no Boletim Macro de maio,  Senna defendeu a manutenção desse porcentual, acompanhado do abandono da fixação de ano-calendário como o horizonte de tempo em que a meta tem de ser cumprida - “algo que poderia acontecer a partir de 2026”, completou. “Ficaria decepcionado se o governo não aproveitasse esse momento para reforçar essa direção, que é bem-sucedida e é a única capaz de realmente viabilizar ciclo sustentável de queda de juros e de crescimento da economia, que é o que todos desejam”, disse.

Expectativas de mercado revisadas


Fonte: Focus BCB.

Quanto ao horizonte prudente para o início de corte da Selic, Senna considera que essa ainda é uma decisão condicionada a algumas variáveis - em especial, à manutenção da meta de inflação pelo CMN. “Supondo um cenário em que não muda nada para 2024 e 2025, e em 2026 passe a ser 3% contínuo, não vejo motivo para não se reduzir juro a partir de agosto, porque as coisas ficarão bem melhores - com ambiente para um ciclo continuado de queda de juros e não só dois ou três ajustes, pois isso não resolveria nosso problema”, afirmou. Para Senna, se governo apontar uma mudança consistente nessa direção, a presença de Gabriel Galípolo na diretoria do Banco Central poderá ser positiva, reforçando esse alinhamento.

Silvia Matos coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, também ressaltou as dúvidas do mercado e investidores no início do ano sobre o rumo das políticas do novo governo. “De lá para cá, tivemos alguns avanços, mas também contamos com a resistência do Congresso em reverter reformas aprovadas no passado, como a do marco do Saneamento. Silvia ressaltou que, apesar de a sinalização da agência de risco ser positiva para o país, a distância para o Brasil retomar o grau de investimento ainda é grande. “Nosso crescimento real ainda está projetado abaixo de 2% nos próximos anos, o investimento em 2023 deverá ser menor do que no ano passado, e ainda temos déficit primário adiante”, enumera.

Depois do bom desempenho do PIB no primeiro trimestre, com crescimento de 1,9% em relação ao último trimestre de 2022, Silvia prevê um crescimento negativo da atividade para o segundo trimestre. A colaboração do agro sairá do radar, e as atividades mais sensíveis aos efeitos da política monetária - como no setor de serviços, que no mesmo período do ano passado teve um desempenho destacado - ainda demonstrarão sinais de fraqueza. A Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE já aponta recuo de 1,6% em abril - após acumular ganhos de 2,1% entre fevereiro e março -, puxado pelo setor de transportes (-4,4% no mês), depois de um resultado favorável nos meses anteriores (acúmulo de 7,3% entre fevereiro e março), na esteira do desempenho do agronegócio. “Os investimentos, que já acumulam dois semestres de contração, deverão repetir o sinal negativo no segundo trimestre, devido aos resultados em absorção de máquinas e equipamentos. “Sem investimento, e sem ganhos de produtividade generalizados, será difícil pensar em crescimento sustentável”, afirmou Silvia, reforçando o alerta de que o melhor que o governo tem a fazer é não buscar medidas artificiais de aceleração do crescimento, para colaborar com a atual direção da política monetária. “Sustentabilidade fiscal, previsibilidade macro e sustentação da política econômica são importantes para garantir a qualidade do crescimento.”

Pesquisa mensal de serviços – abril
(% em relação a março)


Fonte: PMS – IBGE.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, defendeu que a permanência desse otimismo dependerá de como o governo definirá sua política. “Até agora, os resultados colhidos foram herança do governo anterior. Apesar do aumento de gasto em 2022, o governo herdou uma situação da dívida bruta com enorme queda. O resultado do agro foi literalmente plantado antes. E os números de inflação também são herança da independência do Banco Central”, disse, o que possibilitou a resistência da autoridade monetária na manutenção de juros altos em pleno  ano eleitoral. “A pergunta, agora, é se algo vai mudar. Nesse sentido, a reunião do CMN daqui duas semanas é importante. Como também a própria sinalização da composição da diretoria do BC”, citou.

Castelar também alertou para o papel do cenário internacional para a evolução da macroeconomia brasileira. Nesse campo, Senna destacou a surpresa na decisão do FED - não exatamente na pausa na alta dos juros básicos dos EUA,-  mas nos dados divulgados de uma estimativa de um PIB mais forte para 2023 (1%), núcleo de inflação também alto para o padrão americano (3,4%) e um nível de desemprego que não sobe como se previa. “Nesse sentido, não pareceu que era momento de pausar; a indicação do BC americano é de mais duas altas, enquanto o mercado esperava mais uma. Mas o otimismo de que os juros passariam a despencar a partir do segundo semestre parece ter saído do radar”, afirmou Castelar. Além da preocupação implícita com a saúde dos bancos regionais mencionada por Senna, outro fator que pode estar por trás dessa posição ainda cautelosa do FED, na visão de Castelar, é a percepção de que o custo da dívida corporativa subirá muito, o que pode levar também a um aumento da inadimplência no mercado de bonds. “Isso estimula a que não se queira acabar com a inflação tão rapidamente, equilibrando a situação para tampouco soar conivente demais.”  No caso de EUA e Europa, Castelar identifica pontos em comum com o Brasil, de uma demanda ainda aquecida no setor de serviços, que é bom para o emprego mas ruim para pa inflação.

Outro destaque do Seminário foi a expectativa para a reforma tributária. “Acho que hoje, antes de tudo, a questão é de qual reforma se trata”, diz Castelar, salientando que ainda não se sabe qual proposta de fato está na mesa, apenas uma lista de princípios, e a ideia de que o mais viável de se aprovar é o modelo que menos alterar o que temos. Hoje, além do debate setorial, há um movimento de governadores que são contra a reforma que está em debate, assim como resistência de prefeitos de grandes capitais como Rio e São Paulo. “Um cenário em que a economia vai bem ajudaria a aprovação da reforma, a lua de mel se estenderia um pouco mais. Há, entretanto, outra questão, de qual a alíquota do IVA. Ainda que o princípio seja se chegar a uma alíquota neutra, sabemos também que há uma preocupação quanto a arrecadação necessária para fechar as contas”, disse.

Silvia, por sua vez, citou a preocupação com o tamanho do fundo de compensação para estados e municípios, indicando a esperança de se chegar a um bom termo. E reforçou a importância da aprovação da reforma dos impostos sobre consumo para a produtividade da economia. “Não consigo imaginar a indústria com resultados melhores, sequer mais crescimento para o país, sem mexer na complexidade da atual estrutura tributária, sem pensar na desoneração do investimento, e em um sistema que estimule as exportações”, afirmou, citando o  livro Anatomia da Produtividade no Brasil (FGV IBRE, 2017), em que o atual secretário Extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, já contribuía para os estudos do IBRE. “No caso da segunda fase da reforma, estamos começando as discussões agora, mas de forma qualificada, técnica, o que é importante”, afirma, citando outra obra de apoio ao debate, Progressividade Tributária e Crescimento Econômico, organizada por Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, com apoio da Samambaia Filantropias. “Esse não é um debate fácil, mas estou convencida de que caminhará para uma solução mais eficaz especialmente se for acompanhado das iniciativas relacionadas à avaliação de gasto público lideradas pelo Ministério de Orçamento e Planejamento, que também precisam avançar”, afirmou.

Reveja o II Seminário de Análise Conjuntural FGV IBRE/O Estado de S.Paulo.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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