Avaliações distorcidas e riscos para a Previdência?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A despesa do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aquela chamada de previdência dos trabalhadores do setor privado da economia, caiu de 8,7% em proporção do PIB em 2020 para 8% nos dois anos seguintes. A retração criou uma sensação de que a reforma da Previdência, feita em 2019 que, sem dúvida, foi um grande avanço, estaria gerando uma economia bem maior do que aquela estimada quando das discussões e tramitação da reforma.

No final do ano passado, notícias que saíram na imprensa davam conta de que a economia real com a reforma da Previdência estaria quase 80% acima do estimado. O que, de um lado, deu força à ideia de que haveria maior espaço fiscal para aumentar gastos e, de outro, engordou o discurso de que a reforma teria sido muito dura, o que criaria espaços para flexibilizações. Mas será isso verdade?

Três economistas, Marcos Mendes, do Insper, Rogério Nagamine Costanzi, especialista em políticas públicas e gestão governamental, e Otávio Sidone, auditor federal de finanças e controle da STN, em artigo publicado na edição de agosto da revista Conjuntura Econômica, já em circulação, procuram mostrar que o que aconteceu em 2021 e 2022 não é suficiente para se projetar um cenário melhor do que o esperado quando a reforma da Previdência foi aprovada. Além disso, chamam a atenção para o que eles classificam de iniciativas de contrarreformas e concretização de riscos judiciais, que podem ter um peso, ainda não dimensionado, sobre as despesas previdenciárias.

Destaco aqui alguns pontos levantados pelos autores que podem ser melhor compreendidos, com outras questões, no artigo da Conjuntura Econômica, cujo link de acesso está no final desse texto:

• A redução da despesa do RGPS como proporção do PIB em 2021 e 2022 foi muito afetada por um desempenho do PIB acima da média histórica. O PIB cresceu 5% em 2021, recuperando o tombo gerado pela Covid, e 2,9% em 2022. Para o futuro, espera-se crescimento menor.

• A despesa de 2020 é uma base de comparação muito elevada. O choque causado pela pandemia, com redução do PIB, fez a despesa do INSS atingir 8,7% do PIB em 2020, contra 8,4% na média dos dois anos anteriores. Por isso, a queda do gasto de 8,7% do PIB para 8% do PIB, na comparação de 2020 com 2021 e 2022, foi magnificada pelo dado atípico de 2020.

• A mudança na política de correção do salário mínimo tem grande impacto na despesa previdenciária. Desde 2020 ele vinha sendo corrigido apenas pela variação da inflação. A partir de 2023, a correção será pela inflação mais a variação real do PIB de dois anos anteriores.

• O STF possibilitou o uso das contribuições anteriores a julho de 1994 no cálculo do valor dos benefícios previdenciários dos segurados que ingressaram no sistema antes de 26/11/99, quando mais vantajoso em relação ao cálculo que considerava apenas as contribuições a partir de julho de 1994. Conhecida como “revisão da vida toda”[1], essa mudança de cálculo terá impacto significativo no incremento da despesa.

• Cabe destacar alguns retrocessos ou contrarreformas que vêm ocorrendo no âmbito legislativo.  Em primeiro lugar, houve, em 2022, a aprovação de aposentadoria especial para os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias por meio da Emenda Constitucional nº 120, de 5 de maio de 2022. Trata-se de precedente que, do ponto de vista político, tende a se disseminar para outras categorias.

• Recentemente, o Senado Federal aprovou, por unanimidade, projeto de lei complementar que amplia a aposentadoria especial para diversas categorias (PLP 245/2019). O referido projeto, por exemplo, concede direito à aposentadoria especial em atividades de vigilância e guarda municipal. Também garante direito à aposentadoria especial a atividade em que haja exposição à radiação não ionizante oriunda de campos eletromagnéticos de baixa frequência.

• O PLP 108/21, já aprovado no Senado, tramita com força na Câmara, propondo a elevação do limite de receita bruta anual para enquadramento como Microempreendedor Individual (MEI). O valor passaria de R$ 81 mil para R$ 130 mil. O MEI é fonte de déficit crescente para a previdência (déficit atuarial estimado em R$ 435,7 bilhões considerando os MEIs contribuintes em 2018), além de não cumprir adequadamente a função para a qual foi criado, que é a de incluir pessoas pobres no regime previdenciário.

Em suma, os autores afirmam que “não procede a afirmação de que a reforma da Previdência estaria gerando economia muito superior àquela estimada durante a sua tramitação. Os números estão em linha com o que era esperado, e sendo corroídos por contrarreformas, reinterpretações da lei pelo Judiciário, brechas jurídicas e, sobretudo, pela decisão de conceder aumentos reais para o salário mínimo.

A queda da despesa com benefícios previdenciários como proporção do PIB em 2021 e 2022, quando comparada a 2020, reflete questões episódicas, e não uma tendência que se reproduzirá nos anos seguintes”.

Prosseguem enfatizando que “fica claro que o melhor que conseguiremos será um crescimento menos acelerado da despesa. Nada que evite a necessidade de uma nova reforma mais adiante, tendo em vista que a de 2019 não tratou de temas importantes, que precisam ser debatidos com maior profundidade, como adoção de mecanismos de ajuste automático à demografia (bastante utilizados no âmbito da OCDE), o MEI, as aposentadorias especiais concedidas a várias profissões, a diferença de idade de aposentadorias para mulheres (principalmente dado que essas mantiveram uma exigência de menor tempo de contribuição sob a regra permanente), previdência rural, a harmonia entre os benefícios contributivos e não contributivos como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago sem exigir contribuição prévia, entre outras questões relevantes. Também há questões importantes em relação aos Regimes de Previdência dos Servidores Públicos e dos Militares, cabendo destacar a indevida exclusão dos estados e municípios durante a tramitação no Congresso Nacional da EC 103/2019, que cria riscos de regras diferentes entre uma grande quantidade de Entes. Em junho de 2023, 666 municípios dos mais de 2 mil haviam realizado reforma, ou seja, menos de 1/3 do total (cerca de 31% do total)”.

 

Ver a íntegra do artigo. Leia, também, a edição de agosto da revista Conjuntura Econômica.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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