“Nada será mais importante para a Argentina, no contexto externo, que o apoio do governo Trump para obter dinheiro novo do FMI”, diz Fabio Giambiagi

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Enquanto o mundo espera a largada do governo Trump e suas implicações para a economia mundial, alimentando certo pessimismo quando se trata do impacto às economias emergentes, Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, afirma que para a vizinha Argentina nada será mais importante em 2025, no contexto externo, que o apoio da administração Trump para o país obter “new money” do FMI.

Em conversa para o Blog, Giambiagi destacou os bons resultados que o presidente Javier Milei colheu no primeiro ano de governo, com uma desaceleração da inflação de 211% em 2023 para 117,8% em 2024, e o cumprimento, com folga, da promessa de zerar o déficit primário, com superávit de 1,8% do PIB, e superávit financeiro de 0,3% do PIB. “Os resultados foram claramente melhores do que imaginava um ano atrás. A meta de primário me parecia praticamente inalcançável no começo de 2024 e números como os observados de inflação nos últimos meses, no intervalo de 2 % a 3 %, não eram previstos por ninguém quando o novo governo se iniciou”, afirma.

Giambiagi destacou a habilidade política da equipe de Milei como um dos fatores que colaboraram para esse resultado, apesar da “agressividade retórica” do mandatário. “O governo teria ‘a faca e o queijo na mão’ para ter certa magnanimidade e baixar a bola da tensão política. Isso certamente gera certo grau de desconforto. Com os números sorrindo para o Governo como têm sorrido nos últimos meses, não vejo a razão para sustentar esse clima de belicosidade permanente contra parte muitos políticos, a imprensa e os críticos –  embora deva reconhecer que esse modus operandi parece estar se tornando a forma natural de fazer política no mundo de hoje. O que, pessoalmente, lamento”, afirma.

Até dezembro, o governo Milei havia mantido o mesmo índice de aprovação do início de mandato – pesquisa da consultoria Poliarquía, por exemplo, indica uma aprovação acima de 50%, mesmo sob um contexto de PIB negativo e aumento da extrema pobreza, que superou 50%. Para Giambiagi, compreender tal resultado depende de se ampliar o espectro de análise, lembrando que a taxa de pobreza já estava ascendente no final do governo de Alberto Fernández, que antecedeu Milei. “Da mesma forma que fenômenos como Bolsonaro no Brasil só se explicam pelo contexto muito específico do Brasil em 2018, não há como entender o que está acontecendo na Argentina hoje sem atentar para a realidade específica deixada pelo governo anterior. Fernández deixou a presidência com uma inflação mensal de mais de 10 % ao mês, pobreza em aumento, uma situação macroeconômica insustentável, recessão – e após sua saída ainda enfrentou acusações de corrupção”, descreve.

Para 2025, Giambiagi considera que o maior desafio para Milei no campo político será vencer as eleições legislativas de meio de mandato em outubro, “algo que já enterrou no passado as ambições de mais de um Presidente da República nos casos de insucesso”, ressalta. No campo econômico, diz, será conseguir um bom acordo com o FMI. “A grande aposta será obter o apoio político da administração Trump para conseguir a concessão de "new money" do FMI, de modo a reforçar a sua estratégia cambial. Se conseguir isso, e a não ser que ocorra uma grave crise global, nada será mais importante para a Argentina no contexto internacional”, afirma. “Milei acena com um acordo de livre comércio com os EUA, mas sobre isso tenho mais dúvidas. Primeiro, porque negociar isso fora do Mercosul não é nada trivial. Segundo, porque essas negociações são sempre longas e complicadas. E, terceiro, porque não é claro o que a Argentina poderá pedir aos EUA em troca de concessões na área comercial.”

Em entrevista ao O Estado de S. Paulo publicada neste domingo (link aqui, acesso restrito a assinantes do jornal) Giambiagi destacou que a evolução da inflação a partir da liberação do câmbio será um dos grandes desafios de Milei, posto que em seu primeiro ano seu governo lançou mão de instrumentos heterodoxos para esse controle – com restrições de acesso à moeda americana e o crawling peg, regime de câmbio que permite depreciações cambiais. O pesquisador associado do FGV IBRE afirmou que, quando o câmbio voltar a flutuar, alguma desvalorização será inevitável, mas a questão é quanto disso passará para os preços. Giambiagi ainda ressaltou que demorar muito para tirar o controle do câmbio poderá ser contraproducente para o governo, já que o tempo não para e, quanto mais próximo estiver das eleições de 2027, mais sensível estará o eleitor dos efeitos negativos dessa transição. “Não tenho dúvida de que o governo está enfrentando uma maratona, e não uma corrida de 100 metros. (...) Hoje claramente (a situação) é muito melhor. Se isso será suficiente para que a história seja diferente, veremos”, afirmou ao Estadão.

 


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