Ampliar produtividade brasileira demanda não só reformas, mas evitar contrarreformas, apontam especialistas do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Desde o início da pandemia, os indicadores de produtividade brasileiros registraram um comportamento atípico. Pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, que acompanharam esse fenômeno de perto, mostram que a taxa de crescimento da produtividade agregada medida com base nas horas efetivamente trabalhadas, por exemplo, cresceu 20,5% no segundo trimestre de 2020 em relação ao mesmo período anterior, passando a marcar resultados negativos a partir de então até o final de 2021, e em parte de 2022. Mais do que fruto de adoção tecnológica para manter a atividade girando diante da necessidade de isolamento social, os pesquisadores indicavam que esse salto inicial se deveu ao efeito composição, com a saída de muitos trabalhadores informais – menos produtivos – do mercado de trabalho, que gradualmente voltaram à ativa e passaram a levar a variação da produtividade novamente para baixo.

Com os resultados da produtividade do trabalho do terceiro trimestre – divulgados na semana passada no Seminário de Produtividade e Mercado de Trabalho, parceria do FGV IBRE com o jornal Valor Econômico  e moderação de Sergio Lamucci, editor-executivo e colunista do Valor –, os especialistas do IBRE já indicam que, passados os efeitos atípicos provocados pela Covid-19, a produtividade no Brasil voltou à tendência descendente observada no período pré-pandemia, de 2017 a 2019, e em um nível ainda abaixo do observado em 2019.Tanto a produtividade do trabalho quando a produtividade total dos fatores (PTF, que leva em conta também a produtividade do capital) estão, respectivamente, 0,1% e 3,2% abaixo do nível pré-pandemia, quando calculadas pelas horas efetivamente trabalhadas. Um mau sinal, alertam, posto que impulsionar o crescimento do país depende cada vez mais de se elevar a produtividade da economia.  

"Vamos esperar o resultado do quarto trimestre, mas já está claro que teremos queda da produtividade do trabalho este ano", diz Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE. A queda da produtividade esperada para 2022 se dá, explica Veloso, devido à forte recuperação do emprego e das horas trabalhadas, muito acima da evolução do PIB para este ano. Se o emprego cresce mais que o PIB, o resultado desse descompasso é queda de produtividade. Veloso indica que a tendência é de que esse resultado se repita em 2023. "Ainda que as projeções para a expansão da atividade econômica sejam menores do que as de 2022 – abaixo de 1% –, e que certamente não repetiremos o aumento da ocupação, nem das horas trabalhadas observadas este ano, estes últimos ainda deverão crescer mais que o PIB", afirma.

Taxa de crescimento da produtividade agregada com base
nas diferentes medidas do fator trabalho

(por hora habitualmente trabalhada, por hora efetivamente trabalhada e por pessoal
ocupado – em % em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

No evento, Veloso apontou que o crescimento da produtividade no Brasil depende em geral da conjunção de três fatores: estabilidade macroeconômica, reformas que visem à melhora do ambiente de negócios e da eficiência da economia como um todo, e crescimento da economia mundial. "Se observarmos o panorama do início dos anos 2000, quando tivemos bom desempenho da produtividade, esses três fatores confluíram em um cenário virtuoso para o crescimento", lembra. "Quando se avaliam dados do começo do século, esse foi o único período em que houve crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) acima de 1,5% durante alguns anos", acrescenta Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV IBRE. "Nesse período, ainda tínhamos algum efeito do bônus demográfico (como é conhecido o período em que a população em idade ativa cresce mais que a população geral, que no Brasil se esgotou em 2018), melhora do emprego e estabilização de reformas, o que gerou um círculo virtuoso de crescimento econômico", descreve. "Por outro lado, se o empresário acha que o crescimento será um voo de galinha, reduz investimentos, contratações, gerando outro ciclo, que temos vivido desde o aumento da incerteza no país, com tendência ao baixo crescimento."

Veloso observa que, nos últimos anos, apesar de o Brasil ter registrado uma série de reformas positivas – entre elas, no mercado de crédito, a criação da TLP e a aprovação de novos marcos regulatórios em setores como saneamento, gás e ferroviário – a incerteza no campo macro minou a capacidade dos empresários de se beneficiar dessas mudanças para projetar a demanda futura e fazer seus planos de investimentos. "Desde a recessão de 2014-16, provocada por desajustes macroeconômicos, vivemos consequências sérias e persistentes. Não tínhamos nos recuperado plenamente quando chegou a pandemia. E voltamos a discutir questões fiscais, sustentabilidade da dívida, temas que há alguns anos pareciam equacionados e voltaram à agenda. É difícil que reformas frutifiquem em um ambiente desses", diz.

Para endereçar o país em  um caminho de aumento de produtividade, os pesquisadores do FGV IBRE afirmam que as prioridades do novo governo devem ser definir um arcabouço fiscal que aponte à sustentabilidade da dívida pública e a fazer a reforma tributária. "Neste último campo, a inclusão de Bernard Appy na equipe de governo é um sinal positivo", diz Veloso, lembrando que o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) é mentor de uma das propostas de reforma dos impostos sobre consumo já amadurecidas no Congresso, a PEC 45. "Será uma grande vitória aprovar essa reforma tributária logo no início do novo governo. E há outros temas na agenda tributária para os quais a presença de Appy pode ser positiva, como a busca de uma redução de encargos previdenciários sobre trabalhadores de baixos salários", diz. A ideia é reduzir encargos de folha na faixa do salário-mínimo, para reduzir custos na contratação de trabalhadores que em geral têm baixa escolaridade e são menos produtivos.

Abertura econômica e medidas visando ao aumento da eficiência do Estado também foram citadas pelos especialistas como fundamentais para se pavimentar um caminho mais virtuoso para a produtividade. "Ainda que as perspectivas para a economia mundial sejam de desaceleração, não significa que não possamos nos beneficiar de uma agenda de abertura. O acordo Mercosul União Europeia é um exemplo; a entrada na OCDE também é um passo positivo nesse sentido, não só porque vai abrir novos mercados, mas por ajudar na convergência regulatória, inclusive nos forçando a ter instituições mais compatíveis com as que geram crescimento", cita Veloso. No caso de uma reforma administrativa, os pesquisadores citam que, além da questão fiscal, é preciso focar em meidadas que visem a produtividade da máquina púvblica. "Um Estado mais eficiente também vai ajudar o fiscal adiante. Pois, se ajuda o setor público a funcionar de forma mais efetiva e barata, reduz a necessidade de ajuste para a solvência da dívida", completa Barbosa.

Veloso e Barbosa ressaltaram, entretanto, que tão importante quanto avançar em reformas é ser efetivo em brecar contrarreformas. Veloso cita como exemplo a proposta de reforma da Lei das Estatais que tramita no Congresso, que também inclui mudanças regulatórias no campo das agências regulatórias. "Se concretizada a mudança inicialmente proposta, será um retrocesso enorme. Não só pela alteração em si, mas pela fragilização de nossa institucionalidade", diz. Veloso também cita as discussões em torno da TLP – que adequou os juros cobrados nas operações do BNDES aos juros de mercado. "Essa medida foi importante para abrir espaço para o setor privado aumentar participação no mercado de crédito, no mercado de capitais. Voltar ao sistema antigo de crédito subsidiado seria negativo para a produtividade. Quando se oferece benefício tributário ou creditício para determinados setores ou empresas, isso dificulta o crescimento das mais produtivas, que podem ter de concorrer com outras menos competitivas que recebem subsídios", afirma, indicando que um dos problemas para o crescimento do país é o excesso de segmentação nos sistemas de crédito e tributário, abrindo margem a favorecimentos nem sempre meritórios. Veloso também citou exemplos de medidas aprovadas nos últimos anos, como a da aprovação da privatização da Eletrobras "positiva em si, por abrir espaço para ganhos de eficiência no setor, mas cuja aprovação implicou a inclusão de medidas que vão na direção oposta", diz, citando a obrigatoriedade de instalação de termelétricas em regiões onde não há gás, tampouco previsão de aumento de demanda de energia.

Evolução da produtividade por hora efetivamente trabalhada e
tendência observada no período pré-pandemia

(primeiro trimestre de 2017 até o quarto trimestre de 2019)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Ainda no campo do risco de contrarreformas, Barbosa citou a importância de se preservar a reforma trabalhista – especialmente a terceirização e o direito do negociado sobre o legislado. "São mudanças fundamentais. A primeira, por permitir que empresas possam se concentrar nas atividades em que são mais eficientes. Já o negociado sobre o legislado muda a forma de ajuste das empresas. Antes, em geral todo ajuste que havia no mercado de trabalho se dava via demissão, o que desestimulava o investimento do empresário no empregado e vice-versa. Com a possibilidade de se fazer esse ajuste via salário, horas trabalhadas, cria-se a possibilidade de se manter os funcionários, incentivando, entre outros, o investimento em sua capacitação", diz. Para Barbosa, a resiliência dos empregos formais durante a pandemia foi um exemplo dessa vantagem, a partir do programa do governo de manutenção do emprego e renda (BEM), que previa redução proporcional de jornada e salário e suspensão temporária do contrato.

Barbosa também defende cuidado nas propostas para fortalecer a proteção de trabalhadores da economia digital, lembrando que "o resultado de se forçar a formalização nos moldes da CLT desse grupo será o fim da prestação de serviços como motoristas por aplicativo". Os pesquisadores também apontaram a necessidade de se compreender melhor a dinâmica do aumento dos trabalhadores por conta própria no Brasil para saber quais políticas poderão colaborar para o seu bem estar – tarefa, inclusive, que é foco da nova Sondagem do Mercado de Trabalho do FGV IBRE. "O número de trabalhadores por conta própria com CNPJ está quase 32% acima do número antes da pandemia, refletindo uma mudança importante na  dinâmica do trabalho autônomo. Isso pode ter relação com a reforma trabalhista, a terceirização – o que pode significar um efeito positivo para a produtividade", diz Veloso. "Por outro lado, se for primordialmente um fenômeno de pejotização em busca de se pagar menos impostos, é negativo, pois empresas maiores em geral, quando focadas em sua atividade-fim, tendem a ser mais produtivas", afirma.

Reveja o Seminário de Produtividade e Mercado de Trabalho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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