Edição de novembro de 2022

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Nota do Editor

Alguns desafios que esperam Lula e sua equipe

Eleito com uma margem apertada – cerca de 2,1 milhões de votos –, na disputa mais acirrada desde a redemocratização do país em 1985, Lula volta ao governo, aos 77 anos de idade, pela terceira vez.

Diferente de seus dois mandatos anteriores, quando o boom de commodities, especialmente nos primeiros quatro anos, turbinou a economia – nos oito anos de seu governo o PIB teve uma média de crescimento de 4,1% –, o novo presidente assume com um mundo mais hostil, crescendo menos, com uma inflação em alta no planeta, um país polarizado, aumento da fome e da desigualdade, e um cobertor muito curto para aumentar gastos e colocar em prática a sua principal missão: erradicar a fome e a pobreza.

Esta edição de Conjuntura Econômica traz alguns desafios que aguardam Lula e sua equipe.

No campo fiscal, como avaliam Renê Garcia, secretário de Fazenda do Paraná, e Tomaz Leal, assessor econômico da pasta, “apesar dos recentes resultados fiscais positivos para o governo geral, as discussões sobre a sustentabilidade desses resultados e a necessidade de uma revisão estrutural do arcabouço fiscal brasileiro vêm dominando o debate público e de especialistas sobre o tema.

Em meio a esse cenário prospectivo complexo para a economia e a política fiscal brasileira, nos parece importante reforçar a necessidade de um olhar atento também para a situação fiscal de estados e municípios. Nos últimos dois anos esses entes observaram um cenário atípico que contribuiu positivamente para as suas finanças, mas esses resultados também não devem ser encarados como fruto de alguma mudança estrutural.

Entre 2007 e 2020 é possível ver com clareza a tendência de queda do resultado primário relativo ao PIB, com um período de relativa estabilidade entre 2015 e meados de 2020. A partir do final de 2020, um movimento extraordinário eleva de maneira considerável o balanço entre receitas e despesas primárias desses entes, levando o superávit de uma média de 0,1% do PIB entre 2015 e 2019 para 1,4% em abril de 2022. Considerando que não houve nenhum aumento significativo de carga tributária nos últimos anos, nem tampouco avanços reais nos principais setores que compõem a base tributária do ICMS, trata-se de um fenômeno exclusivo de preços impactando a arrecadação nominal: uma questão conjuntural, não estrutural.

Paulo Hartung, presidente do Instituto Ibá e ex-governador do Espírito Santo (2003-10, 2015-18), também se debruça sobre a questão orçamentária e seus impactos sobre o país, em artigo que publicamos nesta edição. Essa preocupação já havia sido exposta em setembro de 2021, na companhia de Marcos Mendes e Fabio Giambiagi, quando escreveu artigo para a Conjuntura Econômica, alertando para o fato de que as emendas parlamentares haviam se tornado um novo mecanismo de captura do Orçamento. No artigo, alertavam que, “além de já termos um nível muito baixo de investimento público, mais da metade das emendas é aplicada de forma pulverizada”.

Para Hartung, “no presidencialismo, abraçado pelos cidadãos brasileiros em dois plebiscitos, o manejo do Orçamento, discutido e aprovado no Congresso, tem na figura do Executivo um agente central”. Mas o desvirtuamento dessa diretriz vem se consolidando, entre outros, com as “emendas obrigatórias” e o chamado “Orçamento secreto”, formado por emendas de relator. Isso tudo com déficits graves de controle e transparência, e sem nenhum compromisso com as políticas e programas nacionais, restando na pulverização dos limitados recursos públicos... Além de concentração de poder e da destinação de recursos públicos de forma nada republicana, submetendo os interesses coletivos a lógicas de interesses particulares e paroquiais de legisladores, essa captura do Orçamento incrementa a debilidade do presidencialismo nacional, engessando uma das principais ferramentas de trabalho do Executivo.

Para o ex-governador do Espírito Santo, que promoveu um exitoso saneamento das contas públicas do estado, “no Brasil, o presidencialismo vem se enfraquecendo, tornando o Executivo refém de pressões e engessamentos no rol de funções que lhe são precípuas. A harmonia entre os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é o que permite o caminhar equilibrado numa república democrática. Mas o chão da política verde-amarela vem constituindo uma forma de governo presidencial disforme e sujeita às piores práticas, obstaculizando a razão de ser do Estado e da política, que é o bem-estar e a prosperidade de todos”.

No último dia 31 de outubro, o Banco Central divulgou os dados do resultado primário do setor público consolidado nos últimos 12 meses, até setembro, que fechou com um superávit de 1,93% do PIB, mantendo a trajetória descendente da dívida pública que chegou a 77,1% do PIB, depois de atingir 89% em outubro de 2020, puxada pela pandemia. A Carta do IBRE de maio, já alertava que “esse resultado ainda está contido em um ciclo de melhora de curto prazo que não nos permite prescindir de uma reorganização das contas públicas”, escreveu a editora da revista, Solange Monteiro, no Blog da Conjuntura Econômica.

Em postagem no Blog, Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), e ex-pesquisadora do FGV IBRE, reforça o diagnóstico de que não é possível tomar a totalidade dessa melhora como algo estrutural, apontando elementos preocupantes para o cenário fiscal futuro. Um deles é a perda de arrecadação com as mudanças no ICMS de energia elétrica, combustíveis, transportes e telecomunicações.

Vilma também pontua outras questões: sua preocupação com o Orçamento secreto; como acomodar o aumento do Auxílio Brasil dentro do Orçamento; e a necessidade de se equacionar o nível de despesas.

Em seu discurso após a confirmação de sua vitória pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula afirmou que seu principal foco será acabar com a fome e a desigualdade. Como avalia Nelson Marconi, professor da FGV EAESP, “do ponto de vista conjuntural, a providência premente é a reversão do aumento da pobreza e a redução da insuficiência alimentar, com programas específicos direcionados a essa finalidade, seguidos de programas sociais mais bem focalizados que o Auxílio Brasil”.

A questão da fome, onde, segundo números da insegurança alimentar no Brasil, medidos pelos dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 da Rede Pensann, em 2022 só 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação, um contingente de cerca de 33 milhões de pessoas.

Em 2021, a extrema pobreza no país chegou perto de 10% da população, recuando 14 anos, se aproximando do que foi visto em 2007/2008. Surpreende este resultado, quando observamos a recuperação da economia, já em meados de 2020. O gráfico a seguir mostra que o processo de aumento da extrema pobreza tem sido constante desde 2014, menos com a recuperação da atividade econômica da crise de 2014-2016, turbinada pelo aumento dos gastos sociais, especialmente durante a Covid-19,, conforme estudo dos economistas Ricardo Paes de Barros, conhecido como PB, junto com duas outras pesquisadoras do Insper, Laura Muller Machado e Laura Almeida Ramos de Abreu (ver mais no Blog da Conjuntura A cara da pobreza mudou)

O que foi reforçado por Sílvia Matos, pesquisadora e coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, em encontro realizado no Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás – Economia, Política e Energia – Diálogos Estratégicos – no último dia 27 de outubro –, ao afirmar a árdua “tarefa de equacionar o arranjo da política fiscal – para garantir um caminho sustentável de superávits que controlem o crescimento e a dívida pública –, ao mesmo tempo em que é preciso atender ao aumento da demanda por gastos sociais”. Para Silvia, isso só será possível resgatando o debate técnico para uma reforma do sistema de proteção social brasileiro, já como havia alertado em entrevista à Conjuntura Econômica de outubro. “Uma boa agenda de reformas dependerá de um Executivo forte”, defendeu Silvia, no evento do IBP.

Segundo Marconi, “do ponto de vista estrutural, o país necessita reverter a perda de complexidade ou sofisticação de seu tecido produtivo e a consequente precarização do mercado de trabalho. Nos últimos anos, ganharam espaço ocupações em setores que praticam baixas remunerações e possuem produtividade reduzida, como os chamados outros serviços, alimentação e alojamento e serviços terceirizados. A informalidade também cresceu. A modernização das relações sociais passa pela recuperação da estrutura produtiva nos centros urbanos; basta observarmos como ocorreu este processo no passado em nosso país e mesmo nas demais economias”.

Evolução do PIB e da porcentagem da população abaixo da linha de extrema pobreza


Fonte: IBGE. Elaboração própria dos pesquisadores do Insper.

Marconi acredita se “o governo não estabelecer essa preocupação como central, isso é, a recuperação da indústria e dos setores produtivos que crescem juntamente com ela, teremos um cenário em que se observará o interior do país bastante desenvolvido, cujos benefícios se reverterão para uma parcela diminuta da população, e uma imensa massa de subocupados nas cidades que formarão um caldo de insatisfação e desagregação social, configurando um contingente de pessoas descrentes nas políticas públicas que buscarão soluções fora do cenário político tradicional e da democracia”.

Com o nível recorde de 68,4 milhões de pessoas inadimplentes em setembro deste ano, de acordo com os dados do Serasa Experian, o superendividamento das famílias brasileiras virou tema de primeira linha no atual embate eleitoral. Esse é outro grande desafio. Propostas já foram colocadas na mesa, como a renegociação dessas dívidas – quem propôs primeiro foi Ciro Gomes –, o que foi encampado pelo novo presidente eleito.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico do último dia 2, Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV IBRE, ressalta que “frente ao quadro de elevada inadimplência no mercado de crédito, o presidente Lula começará seu governo já tendo que propor respostas para esse grande imbróglio. As políticas a serem apresentadas devem contemplar dois aspectos em especial. Primeiramente, é importante incentivar os tomadores de crédito a honrar seus compromissos. Caso contrário será criado um ambiente de estímulo ao calote de dívidas, que, sem a menor dúvida, será extremamente nocivo ao bom funcionamento do mercado. Em segundo lugar, para contornar, ou pelo menos reduzir, o problema, é provável que subsídios venham a ser concedidos. Isso certamente complicará ainda mais o quadro já bastante difícil das contas públicas”.

No Ponto de Vista, Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, revisita coluna publicada na edição de abril de 2021, onde o título resume a grande indagação do que será o terceiro mandato: Com que roupa Lula vai? Como diz na coluna, “após a vitória eleitoral as movimentações ocorrem. A grande questão é sabermos com que roupa Lula irá se apresentar. Há pelo menos três fantasias. O Lula de 89, “contra tudo isso que está aí”, o Lulinha “paz e amor” da Carta ao Povo Brasileiro de 2002, e o Lula do segundo mandato, muito mais intervencionista.

Mas há uma outra penca de problemas que, seguramente, esquecerei de alguns. Os dados sobre os níveis de vacinação em crianças no Brasil são alarmantes. Em 2021, as taxas de cobertura voltaram ao patamar de 1987, pior nível em três décadas. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o Ministério da Saúde, a média de cobertura vacinal caiu de 97% em 2015 para 75%, em 2020. Dados do Fundo nas Nações Unidas para a Infância (Unicef), coletados em março deste ano, apontam que três em cada dez crianças brasileiras não receberam vacinas necessárias para protegê-las.

Em seu discurso após confirmação de vitória, Lula se comprometeu a ampliar e melhorar o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela imunização dos brasileiros.

Na educação, a pandemia aumentou o atraso no aprendizado das crianças, especialmente das camadas mais pobres, ampliando o fosso entre crianças ricas e pobres. Um quarto das escolas públicas não tem acesso à internet, conforme o Censo Escolar 2020. Mesmo com instituições de ensino ligadas a redes Wifi, 70% dos professores em áreas urbanas têm dificuldades em usar tecnologia devido à baixa velocidade da internet, segundo Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informações e comunicação nas escolas brasileiras, de 2019, do Comitê Gestor na Internet no Brasil.

Levantamento da Fundação Lemann feito com cerca de 27 mil escolas públicas, usando dados do Censo e um medidor de velocidade, o Simet, apontou que apenas 5.425 instituições de ensino dispõem de banda larga em velocidade adequada. Para chegar a essa conclusão, divulgada em agosto, os pesquisadores usaram o critério do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que define a velocidade de acordo com o tamanho da escola.

Melhorar a educação é o primeiro passo para se formar mão de obra de qualidade. E isso é fundamental para aumentar a produtividade da economia brasileira, que engatinha.

Segundo o Observatório da Produtividade Regis Bonelli, “embora a produtividade tenha crescido no segundo trimestre de 2020 em todas as métricas, e no terceiro trimestre de acordo com as medidas por pessoal ocupado e horas habituais, houve queda na margem em todos os indicadores no quarto trimestre de 2020. Em 2021, houve queda na margem em todas as medidas”.

E segue: “em 2022, os resultados também não têm sido animadores. Em particular, as quedas na margem têm persistido ao longo deste ano. Enquanto na produtividade por hora efetivamente trabalhada, o recuo no segundo trimestre foi de 0,3%, nas métricas que consideram o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas o recuo foi de 1,1% e 1,7%, respectivamente. Este resultados indicam que a elevação da produtividade em 2020 foi temporária, tendo sido revertida ao longo de 2021 e cujo processo tem se mantido em 2022”.

A análise do Observatório concluiu: “sendo assim, passada a fase mais aguda da pandemia, a mudança da composição setorial, aliada à retomada das ocupações informais e de trabalhadores menos escolarizados, resultou em uma redução da produtividade, trazendo-a de volta à tendência de queda observada no período pré-pandemia”.

Acesse o arquivo completo aqui.

A questão climática é outro caminho a ser reconstruído, depois de um período de ações erráticas na área, extremamente sensível a vários países, até então parceiros do Brasil. As frequentes notícias de aumento de desmatamento na Amazônia e em outras regiões do país levaram à suspensão do envio de recursos de fundos focados na questão ambiental e climática. O primeiro passo para restaurar a confiança e atrair investimentos será dado ainda este mês, no Egito, quando Lula deve participar da COP27, a Cúpula das Nações Unidas para o Clima. Dia 31, Espen Barth Eide, ministro do Clima e Ambiente da Noruega, anunciou que seu país voltará a financiar fundo da Amazônia. Os recursos seriam da ordem de US$ 483 milhões.

Outro front de combate será a inflação que, embora tenha dado uma trégua nos últimos meses, as previsões são de uma resiliência no ano que vem. As medidas adotadas pelo atual governo, de redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, do IPI, entre outras medidas, baixaram a inflação, tivemos cerca de 3meses com deflação.

Segundo o Boletim Macro FGV IBRE de outubro, “mundo afora, e nas economias desenvolvidas em especial, a inflação continua persistentemente alta. A despeito da desaceleração na demanda global por bens, os núcleos de inflação seguem em patamares muito elevados. Isso tem levado os bancos centrais, com destaque para o Fed, a insistirem na promessa de perseguir uma política de aperto monetário, o que tende a gerar uma recessão em 2023, além de razoável volatilidade nos mercados financeiros”.

Ainda de acordo com o Boletim, “o ciclo de taxas negativas do IPCA terminou. Entre julho e setembro, o índice oficial recuou 1,3%. Essa sequência de quedas não ocorreu por efeito generalizado, mas sim pela redução do ICMS de preços administrados. Para o próximo trimestre, a tendência parece um pouco diferente. Segundo o Monitor da Inflação, o IPCA poderá subir em outubro, influenciado pela aceleração dos preços administrados e por nova pressão inflacionária que se forma entre os alimentos. Até o final do mês, há espaço para quedas menos intensas dos preços dos combustíveis e o IPC-S poderá fechar outubro com variação média de 0,6%, tendência que deverá ser seguida pelo IPCA”. Se não for freada a tendência de alta, o Banco Central pode lançar mão de novas altas nas taxas de juros, com impactos negativos sobre o consumo.

Nas páginas da revista, e no Blog da Conjuntura Econômica, continuaremos a estimular o debate propositivo, em favor de uma gestão exitosa, em equilíbrio com os demais poderes, para o avanço de políticas públicas de qualidade que visem à prosperidade socioeconômica do Brasil.

 

Claudio Conceição

 


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