Webinar sobre a nova política industrial: entre recomendações e ceticismo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O webinar sobre a nova política industrial promovido nesta quarta-feira (28/2) pelo IBRE em parceria com a Folha de S. Paulo, moderado por Fernando Canzian, repórter especial da Folha, foi marcado por visões diferentes sobre a Nova Política Brasil (NIB), lançada oficialmente em janeiro pelo governo federal.

Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp, destacou a crescente adoção de políticas de desenvolvimento produtivo. “Depois de muito tempo de adotar como paradigma de que seria possível se desenvolver de forma concorrencial sem ter programa especifico para suas empresas, o mundo ocidental percebeu que a Ásia estava atuando no sentido oposto, que estavam perdendo bonde da história”, afirmou, indicando que a perda de empregos medianos diante da perda de participação da indústria nos EUA e países europeus colaborou para uma polarização no mercado de trabalho com consequências políticas. Para ele, a política brasileira – orientada por seis missões que vão da saúde e defesa à descarbonização e bem-estar nas cidades – foi direcionada a setores importantes, e é positiva ao prever dinheiro novo para o subsídio à inovação.

Para Marconi, o sucesso da NIB dependerá de três fatores principais. O primeiro, de uma política macroeconômica ajustada, com taxa de juros baixa, câmbio competitivo, estrutura tributária adequada. A falta desse elemento, afirmou, contribuiu para a queda de participação e de produtividade da indústria brasileira. “Atualmente, o que vemos são juros altos e investimento público baixo, mesmo com uma regra fiscal que defende um tratamento diferenciado para esse investimento”, pontuou. O segundo elemento é um desenho detalhado de metas e sua relação com instrumentos e avaliação de resultados. “Isso é o que precisamos discutir, para que a política dê certo”, afirmou, defendendo que as principais metas sejam voltadas à ampliação das exportações. “Se estiver claro onde país chegará do ponto de vista de exportações de manufaturados, que é o que leva ao desenvolvimento de qualquer economia, acho que será uma grande meta.” Marconi ainda defendeu uma maior sintonia das instâncias de governo, para que a NIB não seja identificada como uma iniciativa apenas de uma área do Executivo.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, expressou menos otimismo com a NIB, assim como com a nova onda de políticas industriais. “No caso de Estados Unidos e Europa, não acho que haja um reconhecimento de que essas iniciativas vão gerar desenvolvimento”, afirmou atribuindo mais peso ao fator geopolítico. “No caso do Brasil, é preciso notar que a queda de participação da indústria no PIB – nas Contas Nacionais, de 36% em 1935 para 13% em 2022 – se deu mesmo com a presença de inúmeros subsídios, de valor mais alto”, afirmou, indicando ainda a perda de produtividade no setor. Entre 1995 e 2022, a produtividade do trabalhador na indústria transformação brasileira caiu 22%. Como isso ocorreu, mesmo com a presença de políticas de incentivo? “A resposta é que essas não focam em aumentar produtividade, mas proteger os poucos produtivos”, afirmou.

Para Castelar, a repetição de instrumentos de incentivo usados no passado – como conteúdo local e compras governamentais – não é um sinal auspicioso para a NIB. “Por que agora esses mesmos instrumentos darão resultado? Há muitas questões em aberto e motivos para ceticismo”, afirmou. Entre os requisitos que devem ser observados visando a um resultado melhor, Castelar defendeu que a nova política precisa ser desenhada levando em conta o que deu errado no passado. Recomendação que também foi feita por Samuel Pessôa no dia anterior, em outro debate sobre a NIB (leia aqui). “Há estudos que mostram que quando cobrávamos preços absurdos com alta proteção de bens industriais, até meados da década de 1980, aumentamos a pobreza, pois o consumidor tinha que pagar mais para proteger empresas de baixa produtividade. Outro exemplo óbvio é no setor de saúde: se promovemos um programa com orçamento determinado para comprar bens e serviços mais caros, é óbvio que compraremos menos. E se tributamos mais para subsidiar esses itens, geramos mais informalidade, menos crescimento, menos desenvolvimento”, afirmou, ressaltando que toda escolha tem um custo. Ao que somou certa dissonância de políticas, citando a reforma tributária – que busca igualar alíquotas de tributos sobre consumo – e uma política industrial que pretende diferenciar alíquotas para fomentar determinadas atividades.

Marcos Mendes, pesquisador do Insper, soma a essa lista de avaliações necessárias as medidas de incentivo à indústria atualmente vigentes. Levantamento feito pelo pesquisador entre programas relacionados a apoio à manufatura, política de desenvolvimento e inovação aponta 18 iniciativas em vigor – entre elas, voltadas aos setores de medicamento, informática e automação e automotivo –, que envolvem um custo tributário de R$ 41 bilhões no Orçamento de 2024. “Somados aos custos da Zona Franca de Manaus, de R$ 32 bilhões, o valor atualmente aportado já se equipara aos desembolsos anuais previstos com a NIB”, ressalta. “A maioria das medidas hoje vigentes tem duração indeterminada. O mais lógico seria, em primeiro lugar, avaliar o que não funciona dentro desse grupo e redirecionar recursos.”

Outro ponto levantado por Castelar foi um maior detalhamento de como o governo espera alcançar as metas propostas com os instrumentos apresentados. “No caso da mobilidade urbana, por exemplo, a meta é reduzir o tempo de deslocamento das pessoas da casa ao trabalho em 20% até 2033. Mas o que é mais enfatizado nas propostas é aumentar subsídio financeiro para exportação de serviços de engenharia. Em que isso pode ajudar no cumprimento da meta?”, questiona.

No webinar, Mendes, também destacou a falta de dados sobre o custo da NIB. “Fala-se nos R$ 300 bilhões de desembolsos, mas não dos custos com subsídios, aumento de compras governamentais em saúde e defesa, margem de preferência em licitações públicas, fundos garantidores que serão formados e poderão implicar custos se houver inadimplência e gastos tributários”, enumerou. Ainda que o arcabouço fiscal brasileiro hoje imponha restrições ao aumento de despesas, Mendes alertou para a possibilidade de criação de instrumentos que permitam uma expansão por fora. “Emissão de título do BNDES é feita com risco Tesouro, numa proporção que o banco é que definirá. Criou-se um fundo de desenvolvimento dentro da política do setor automotivo que significa dar benefício tributário ao setor. O Fundo Clima está no Orçamento mas não aparece no resultado primário porque é recurso financeiro”, citou.

Em sua exposição, Mendes ainda citou trabalho de coautoria de Dani Rodrik (leia aqui, referência em estudos de política industrial, para reforçar alertas que, defende, deveriam ser observados no encaminhamento da NIB. Entre eles: - não negligenciar o potencial do setor de serviços como alavanca de produtividade, incluindo a elaboração de políticas adequadas para esse setor; - foco em exportação; - e um poder púbico com arbítrio para descontinuar experiências mal sucedidas. “Não é o que vemos na NIB, que incluiu todos os grandes setores na política”, afirmou. Outra recomendação destacada por Mendes foi a de que as experiências internacionais podem ser inspiradoras, mas que o sucesso de cada uma depende das condições de cada lugar. “Não existe copiar o que os outros estão fazendo sem levar em conta nossas diferenças quanto às condições institucionais, nível educacional e mesmo poupança nacional”, destacou, defendendo que a elevação da capacidade de desenvolvimento em geral, e especialmente no Brasil, depende de um elemento basilar, que é garantir instituições capazes de promover boa governança pública, um bom ambiente de negócios, boa educação e respeito a contratos.

Reveja o webinar Nova Política Industrial: erros e acertos.

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