“Volta do Pronampe e diversificação de operadores pode garantir estabilidade na oferta de crédito a pequenos negócios”

Giovanni Beviláqua, analista de serviços financeiros do Sebrae

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Mesmo sob o choque sanitário e muita incerteza quanto ao ritmo de recuperação diante das restrições provocadas pela Covid-19, no Brasil a concessão de crédito para pequenos negócios – microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões – se manteve estabilizada em 2020 em relação aos anos anteriores, com 21% do total registrado entre pessoas jurídicas (PJ). Isso significou uma fatia de R$ 347,8 bilhões do R$ 1,6 trilhão concedidos a PJs, de acordo ao Banco Central (BC).

Graças ao colchão de liquidez oferecido pelo BC no início da pandemia, e uma ampla oferta de programas de garantia– BNDES FGI, Pronampe, Fampe (do Sebrae) e PEAC maquininhas –, a situação para os pequenos negócios foi bem diferente da vista na recessão de 2014-2016, lembra Giovanni Bevilácqua, analista de serviços financeiros do Sebrae. “De 2015 a 2017, o crédito para esse grupo de empresas registrou forte queda. Foi uma retração da ordem de 30% em três anos”, descreve, lembrando que em 2020 o aumento de concessões foi de 28,8%.  Esse amortecedor de choques também permitiu a operação de juros mais baixos mesmo em um ambiente de alto risco. “Pelo Pronampe, por exemplo, a taxa correspondeu a 5% de juros ao ano, enquanto a média observada para crédito a pequenos negócios era de 30%”, compara Beviláqua, indicando que essa média hoje está em 26,6%.

Concessão de crédito
(R$ milhões)


Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: UCSF – Sebrae NA

 

Taxa média de juros
(% a.a)


Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: UCSF – Sebrae NA

Mesmo que no primeiro trimestre de 2021 as operações de crédito a pequenos negócios tenham voltado ao nível do primeiro tri de 2020 – em parte, devido ao fim dos programas de garantia –, e a perspectiva de contínuas revisões para cima da Selic até o final do ano para conter a pressão inflacionária, o que indicaria condições menos favoráveis para o crédito, Beviláqua considera que esse mercado fechará o ano em estabilidade em relação a 2020. Entre os fatores que compensarão uma conjuntura menos favorável, afirma, está a reedição do Pronampe, que no início do mês teve sancionada a lei que o torna permanente. Para este ano, o governo editou uma medida provisória autorizando o aporte de R$ 5 bilhões ao Fundo Garantidor de Operações (FGO), que poderá gerar empréstimos da ordem de R$ 25 bilhões – levando em conta uma cobertura de 20% das perdas da carteira. Outras mudanças do programa são as condições de juros – antes Selic mais 1,25%; agora, Selic mais até 6% – e o prazo das operações, estendido de 36 para 48 meses.

Beviláqua considera a reedição do programa importante não apenas pelos valores que envolve – no ano passado, movimentou R$ 37 bilhões em crédito para os pequenos negócios, cerca de 10% do total. Outro fator positivo é o programa ter estimulado uma diversificação de ofertantes, ao permitir entre os operadores dessa linha agentes não-bancários – aqueles que só podem oferecer crédito no limite de seu patrimônio –, como cooperativas de crédito e sociedades de crédito direto, que são fintechs. “Esses atores registraram um aumento importante no volume de operações em 2020. E se mantiverem seu crescimento, poderão romper a estagnação da oferta de crédito aos pequenos negócios na casa dos 20%, que é a participação que observamos desde 2012, quando inicia a série histórica”, diz. Ele lembra que esse estímulo faz parte da agenda do BC voltada à melhoria do ambiente de crédito, e que o fortalecimento desses atores colabora para a educação dos tomadores e maior conhecimento sobre estes, permitindo empréstimos em condições mais vantajosas. “São modelos de negócio mais próximos dos clientes, que operam em um sistema que a literatura chama de finanças de proximidade. Conhecendo para quem se está emprestando, a tendência é de se reduzir o risco”, diz.

Concessão de crédito para pequenos negócios
(mei, microempresas e empresas de pequeno porte) – valores em R$


Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Sebrae Nacional.

No Sicoob Central Rio, braço carioca do sistema de cooperativas Sicoob, que reúne mais de 5 milhões de associados com atuação em todos os estados brasileiros, a alta registrada em operações de crédito em 2020 foi de 30%, comando R$ 95,8 milhões em empréstimos. “Em geral, as cooperativas tendem a preencher espaços de mercado nas crises econômicas, e no ano passado não foi diferente”, diz Carlos Soares, diretor operacional do Sicoob Cecremef, uma das oito cooperativas financeiras abertas do Sicoob Rio. Ele conta que em 2020 o Sicoob buscou desenvolver atendimentos customizados para cada segmento afetado pela crise sanitária, através de parcerias com representações como associações comerciais e a federação das indústrias do estado (Firjan).

“Um dos maiores desafios que vemos é o de capacitação do tomador de crédito. Desde o momento de entrega da documentação básica de acesso ao crédito, já surgem dificuldades das mais diversas”, diz Soares. “É um desafio do conjunto da sociedade capacitar empresários, para que tenham uma formação adequada que permita acesso a crédito, bem como conhecimento em gestão financeira para que não comprometa esse pagamento, especialmente em um cenário macro com alta incerteza econômica, que desafia qualquer um”, destaca.

Para 2021, Soares espera manter a mesma tendência de crescimento no volume de operações. Para isso, o Sicoob conta com um amento da carteira de crédito direcionado, graças à parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Rio de Janeiro para operar o programa Crédito Carioca, articulado pela agência de investimentos IvestRio, para atender a empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões. “Começamos com R$ 2 milhões, contratados por 90 empresas, e agora temos mais R$ 8 milhões para ampliar essa oferta”, afirma.

Outra boa notícia para o mercado de crédito a pequenos negócios destacada por Beviláqua é a recente entrada em vigor das novas regulamentações para realização de operações de crédito garantidas por recebíveis de cartão. “Isso permitirá a construção de um histórico importante de operações que não eram captadas pelos bancos, e agora poderá ser disponibilizada para qualquer instituição financeira. É um grande ativo, já que o melhor dinheiro para qualquer empresa é aquele lastreado pelas compras de seu cliente”, diz, lembrando que esse instrumento também possibilitará a operação de juros mais baixos.

A preocupação que fica no horizonte, entretanto, é quanto à evolução da inadimplência, que em 2020 se manteve comportada graças  diversas iniciativas de renegociação e prorrogação de prazos de dívidas financeiras e tributárias. “No início da pandemia, o faturamento dos pequenos negócios chegou a cair 80%, e até o início deste ano essas empresas ainda faturavam 40% menos em média”, afirma. No caso do Pronampe, já foi autorizada a prorrogação da carência de contratos tomados em 2020 de 8 para 11 meses. O governo também trabalha com uma medida chamada Passaporte Tributário, de refinanciamento de dívidas com a Receita. “O fato é que, enquanto não houver uma normalização mais robusta da atividade, especialmente no setor de serviços, a situação de muitos negócios segue preocupante”, conclui.

Taxa de inadimplência
(%)


Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: UCSF – Sebrae NA

 


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