“Uma boa agenda de reformas dependerá de um Executivo forte”, afirma Silvia Matos, em evento do IBP

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Quando assumir o país em janeiro de 2023, o presidente Lula, eleito neste domingo (30/10), terá uma lista de tarefas que demandará muito trabalho junto ao Congresso. Com as eleições deste ano, a formação da casa legislativa está mais conservadora – o que poderá significar mais resistência a propostas do Executivo, mas não necessariamente mais aderentes a reformas liberais, lembrou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, na segunda edição da série Economia, Política e Energia – Diálogos Estratégicos, promovida pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). “Congressos conservadores não necessariamente são mais reformistas, assim como a aprovação de gastos ineficientes nos últimos anos teve apoio tanto da direita quanto da esquerda, como mostra estudo de Marcos Mendes, que analisa emendas parlamentares. Dos dois lados houve apoio para políticas equivocadas. Daí a necessidade de um Executivo forte”, afirma.

Entre os desafios para 2023 debatidos no evento está um Brasil – e um mundo – onde a inflação tende a ser mais resistente. Um dos motivos, apontado pelo pesquisador associado do FGV IBRE Livio Ribeiro, sócio da BRCG, é uma economia chinesa menos dinâmica, que em momentos anteriores exportou deflação para o mundo. “Até 2018, além de contribuir para a recuperação do crescimento mundial, a China também exportava inflação baixa de bens, exportava deflação. Tanto do ponto de vista de insumos produtivos, bens finais, o mundo se beneficiou muito. Mas com as desorganizações nas cadeias produtivas, que iniciaram na guerra comercial EUA-China, e se seguiram com pandemia,  esses preços já não serão os mesmos”, afirmou. No campo doméstico, Silvia indicou que a forte aceleração do setor de serviços tende a provocar uma alta de preços mais difícil de combater. “Se compararmos o desempenho dos setores da economia em agosto de 2022 – último dado disponível – em relação ao pré-pandemia, vemos o varejo 0,6% abaixo do nível de fevereiro de 2020, a indústria de transformação 3% abaixo, e os serviços, 10% acima. E continuam subindo, com os dados para setembro firmes e fortes”, diz. Silvia lembra que essa é uma boa notícia para o mercado de trabalho, já que o setor abrange muitos segmentos intensivos em mão de obra, alimentando um ciclo virtuoso para a geração de emprego. Mas, com o ônus de uma inflação mais persistente. “No tocante à atividade em si, esse não será um boom recorrente, pois não conseguiremos repetir o efeito da reabertura da  economia a todo momento”, diz. Da mesma forma que não deverá ser recorrente, aponta, as dinâmicas internacionais – como o efeito inicial da guerra na Ucrânia – que beneficiaram o preço das commodities exportadas pelo país.

Outro ponto ressaltado por Silvia no encontro com executivos do setor de óleo e gás é a tarefa de equacionar o arranjo da política fiscal – para garantir um caminho sustentável de superávits que controlem o crescimento da dívida pública – ao mesmo tempo em que é preciso atender ao aumento da demanda por gastos sociais. A pesquisadora do IBRE defende que isso só será possível resgatando o debate técnico para uma reforma do sistema de proteção social brasileiro, tal como havia alertado em entrevista à Conjuntura Econômica de outubro (leia a entrevista),  de maneira a garantir um gasto mais eficiente. “Ainda que seja uma despesa necessária e meritória, temos gastado também com políticas que não necessariamente são justas do ponto de vista social e eficientes do ponto de vista econômico. Por exemplo, não há estudos que justifiquem por que o Auxílio Brasil precisava ser ampliado em R$ 200, se deveria ser mais ou menos”, exemplifica. Ela defende que há alternativas para se estender a proteção social sem aumentar o gasto na mesma proporção – retomando revisões como a do abono salarial e do seguro-desemprego –, mas que qualquer alteração assim implicará ganhadores e perdedores. “O Estado brasileiro tem fragilidade institucional, e infelizmente, junto a mais gastos meritórios acaba-se ampliando o espaço para outros gastos ineficientes também”, diz. Silvia relembra que no final de 2020, quando era preciso pensar a transição da pandemia à normalidade, sabia-se que o impacto da crise sanitária permaneceria para muitas famílias de baixa renda, especialmente os informais. “Hoje vemos uma boa evolução do mercado de trabalho, mas a informalidade ainda é de 40%. São trabalhadores que não têm qualquer tipo de seguro, o que do ponto de vista social é injusto”, afirma, destacando a proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que aprimoraria o Bolsa Família ao incluir na política uma atenção a esse grupo, e cujo conteúdo foi parcialmente incluído nas propostas de governo na candidata Simone Tebet, que apoiou Lula no segundo turno. “Entretanto, como disse, essa é uma discussão que implica reorganizar o sistema com base em dos técnicos, dos quais os políticos muitas vezes não gostam, porque perdem o poder da caneta.”

A coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE expressou otimismo com a possibilidade de aprovação de uma reforma tributária dos impostos indiretos, com base nas propostas da PEC 45 e PEC 110. “Tal como na reforma da Previdência, que era uma mudança difícil, mas foi conquistada depois de muito diálogo entre Congresso e sociedade, essas são reformas que também têm sido debatidas há alguns anos, com apoio de estados e municípios”, diz. Para ela, se aprovada logo, será um gol de placa do presidente, dado o efeito que uma correção do sistema tributário poderá gerar para a eficiência da economia, podendo ampliar o crescimento potencial do país. “Hoje as empresas se organizam não  para serem mais eficientes, mas para pagarem menos imposto. Há vários estudos que apontam que, ao alocar recursos de forma ineficiente, cresceremos pouco de forma consistente. O crescimento potencial do Brasil depende do crescimento da produtividade. E, no caso da reforma dos impostos de renda, é preciso pensar em taxar lucros e dividendos, mas reduzindo a taxação das empresas”, afirma.

No campo internacional, Livio Ribeiro alerta que os ventos serão de proa, com o mundo vivendo um ciclo inflacionário também persistente, trazendo implicações negativas para a dinâmica de crescimento. “Depois de limpar essa profusão de choques – que infelizmente ainda não acabaram –, vemos que é baixa a possibilidade de pouso suave da economia global”. Por outro lado, ele lembra que a agenda de descarbonização que hoje é imperativa no mundo – ainda que tenha de passar por uma revisão devido aos problemas de segurança energética observados na Europa derivado da guerra na Ucrânia –, pode ser uma oportunidade importante para o país tomar uma posição de liderança. “Mas uma coisa é ter boas condições iniciais, e outra é fazer bom uso dessa vantagem”, alerta. Fator corroborado por Fernanda Delgado, diretora executiva corporativa do IBP. “Das várias transições energéticas que a humanidade já realizou, a que temos agora é de cunho socioambiental, e não, num primeiro momento, de eficiência econômica”, afirmou, lembrando que reorganizar a matriz energética global permanecerá na pauta durante a gestão de Lula, ainda que sob um contexto mais desafiador. “É sempre mais fácil ter uma agenda pró-reforma quando o preço é favorável. O debate energético tem sido revisto, mas essa dinâmica não se esgotou”, afirma Ribeiro.

Veja o webinar do IBP.

 


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