Um problema da nova política industrial é ter olhado mais para fora do que para dentro, afirma Samuel Pessôa em evento

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Uma das inovações trazidas pela Nova Indústria Brasil (NIB), lançada oficialmente este ano pelo governo federal, é a orientação a partir de missões – ou seja, o direcionamento dos incentivos conforme o cumprimento de metas em seis grupos, dos quais fazem parte a saúde, o bem-estar nas cidades e a descarbonização, coordenada com a bioeconomia e a segurança energética. Ainda que siga uma tendência internacional acentuada especialmente após a pandemia, Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, aponta que a estrutura do NIB parece pecar por não contemplar uma visão crítica dos erros de políticas industriais brasileiras anteriores. “A impressão que tenho é que esse esforço recente olha mais para fora do que para dentro”, afirmou nesta terça-feira (27/2), em evento na Casa Livres, na capital paulista. Na ocasião, Pessôa reforçou a defesa publicada na Carta do IBRE de janeiro (confira aqui), de que um bom começo para uma nova política seria ter uma análise detalhada dos problemas passados, que servisse como base para a geração de protocolos que norteassem a nova intervenção governamental no setor produtivo.

Na avaliação de Pessôa, uma das características negativas observada nas experiências brasileiras, para a qual não se vislumbra um esforço de solução, é a falta de capacidade de desfazer uma política assim que se identifique sua ineficácia. Essa é uma das características do sucesso da Coreia do Sul, ilustra – além do fato de ser um país com excelente educação, altamente poupador e onde as pessoas trabalham muito, elementos que independentemente de qualquer política já ampliam a competitividade do país. “O estado desenvolvimentista asiático tem como característica estar próximo do setor privado – inclusive para conhecer tecnicamente as demandas das empresas para construir suas políticas – sem ser capturado por eles”, destaca. “No Brasil, ao contrário, medidas de incentivo tendem a virar direito adquirido”, afirma, citando como exemplo a manutenção da desoneração da folha para os 17 setores atualmente contemplados – política que começou em 2012 e sobre a qual há estudos que apontam que não fez efeito na geração de empregos. “Isso me leva a achar que a NIB não vai funcionar”, diz.

Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual ex-secretário do Tesouro, reforçou essa preocupação, apontando que a NIB ainda carece de uma metodologia de avaliação do sucesso de uma política, “que possa ser acompanhada por toda a sociedade”, e que também indique os critérios de saída no caso de que não seja bem-sucedida. “Incentivar o desenvolvimento de empresas não é por si um exemplo de sucesso. É preciso avaliar o custo de capital, o custo de oportunidade, se o benefício social será maior que o privado”, afirma. Ele reconhece que a literatura ainda não aborda fórmulas de como replicar a institucionalidade ideal para evitar disfuncionalidades na relação estado-setor privado, mas ressalta que há modelos de políticas “mais leves”, voltadas para a inovação, que são menos custosas do ponto de vista fiscal e que podem ser mais bem-aplicadas. “No Brasil já temos iniciativas nessa linha. Fundos como o Criatec, operado pelo BNDES, são um exemplo”, afirma. “Nesse tipo de política, o incentivo se dá focado em inovação para descobertas. Depois que ela acontece, o governo sai de cena, pois daí em diante é algo que já pode ser replicado. Isso não se faz com crédito subsidiado”, diz.

No evento, Almeida afirmou que, diferentemente do que acontece em países asiáticos, o estado de bem estar social escolhido pelo Brasil não permite a adoção de políticas industriais custosas. “A única forma de fazê-lo é aumentando endividamento”, lembra, destacando o período 2008-14, quando o empréstimo total do Tesouro a bancos públicos saltou de R$ 60 bilhões para R$ 574 bilhões. Ele destaca, entretanto, que a possibilidade de o governo repetir a experiência desse período na mesma magnitude é baixa. “Na época, quando se anunciou um programa de R$ 100 bilhões, o Tesouro podia emitir esse valor e enviar a bancos públicos, que deixavam na carteira e vendiam títulos para fazer política de incentivo, a taxas menores que o custo de captação”, descreve, lembrando que esses montantes demoravam para entrar na contabilidade pública – o que hoje infringiria a Lei de Responsabilidade Fiscal.  “Quando o governo lança um programa de subsídio sinalizando ao banco público emprestar a juros menores que seu custo de captação, essa equalização agora tem que entrar no orçamento do ano. Para repetir a política do passado, seria necessário mudar uma série de leis, colocando em risco o próprio esforço de realizar o ajuste fiscal e reduzir a dívida pública”, destaca. Mansueto também lembra que, naquele momento, o Brasil contava com grau de investimento de três agências de risco e uma dívida bruta de 50% do PIB, em trajetória de queda. “Hoje a situação é outra, e todos estão olhando para o fiscal. Qualquer ação do governo que leve a um aumento de endividamento seria muito mais monitorada”, diz. Ele também destaca o fato de vários mecanismos constantes da NIB já existirem, minimizando o impacto esperado.

Independentemente do nível de incentivos, entretanto, Pessôa e Almeida defenderam a necessidade de maior cuidado com as políticas contempladas, lembrando que, além do impacto fiscal, elas pesam também na produtividade da economia brasileira. “Os mecanismos de proteção criados para o setor produtivo brasileiro permitem que em um mesmo setor convivam empresas de produtividade similar a seus pares internacionais e outras de baixíssima produtividade. Diferentemente do que acontecem em países como os Estados Unidos, aqui permitimos que o pouco competitivo sobreviva” destaca Pessôa.

Quer conhecer mais análises sobre a NIB? Hoje (28), a partir das 10h, acompanhe no canal do Youtube da FGV o webinar “A Nova Política Industrial: erros e acertos”, com Armando Castelar (FGV IBRE), Marcos Mendes (Insper) e Nelson Marconi (FGV Eaesp).

 


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