“Um mundo fragmentado é negativo para os interesses do Brasil”
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Postado por Conjuntura Econômica
Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Os resultados do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) divulgados ontem (21/3) pelo FGV IBRE mostram que a guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia tende a reforçar uma tendência já presente no comércio internacional de aumento dos preços das commodities, mas numa composição de preços desfavorável para o Brasil. No primeiro bimestre do ano, enquanto o preço das commodities exportadas pelo Brasil registrou aumento de 14,3% em relação ao mesmo período de 2021, o preço das commodities importadas variou 51,8%. No caso do grupo de petróleo e derivados, os preços de exportação e importação foram, respectivamente, 41,9% e 79,5% superiores ao ano passado. Apenas na agropecuária essa variação foi favorável ao Brasil: 32,3% para as exportações e 19,4% entre as importações.
A invasão russa começou em 24 de fevereiro, após várias semanas de movimentação militar na fronteira da Ucrânia, e que torna seu impacto ainda pouco visível nos resultados apurados. “A tendência, entretanto, é de que a pauta não mude. Pode-se ter um impacto mais forte sobre os preços, especialmente de energia, e uma mudança no volume exportado do agro, com um aumento de envios à Europa”, afirma Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE. Além do aumento de preço das commodities agrícolas e de petróleo, Lia ressalta que no curto prazo o ponto de atenção se concentra nos fertilizantes, dos quais a Rússia é nosso principal provedor, respondendo por 23,3% das importações brasileiras em 2021. Mas a pesquisadora também alerta para os efeitos de mais longo prazo, já que a guerra tende a acentuar um processo de desaceleração da globalização observada desde a crise financeira global de 2008, e alimentada pelo choque sanitário de Covid-19. Como exemplo, ela cita medidas restritivas às exportações no setor agrícola identificadas pela Organização Mundial de Comércio, visando tanto a segurança alimentar doméstica quanto o controle inflacionário.
Variação (%) nos índices de fluxos comerciais do Brasil: jan-fev 2021/22
Fonte: Secex- Ministério da Economia; Elaboração FGV IBRE; Base Icomex.
Variação (%) dos indicadores das exportações e importações
Fonte: Secex- Ministério da Economia; Elaboração FGV IBRE; Base Icomex.
Para Lia, um dos pontos geopolíticos mais sensíveis é o comportamento da China diante do conflito, para quem, afirma, a guerra será custosa sob qualquer desfecho. “Para o país, o conflito em si é desfavorável, independentemente de seu desfecho”, afirma. Ela lembra que, mesmo incialmente reticente em marcar uma posição contra a Rússia, será difícil ao país manter essa postura caso o conflito se prolongue e as pressões internacionais cresçam para que Xi-Jinping pressione Putin a ceder. “A China ainda está no processo de consolidar sua indústria, e para isso depende também de importação de chips. Além disso, é preciso lembrar que seu projeto da Rota da Seda (Belt and Road Initiative) inclui potencializar comércio e investimentos chineses com a Europa, que hoje é fortemente prejudicada pela investida russa contra a Ucrânia”, diz. “Por outro lado, uma Rússia derrotada tampouco é algo positivo para a China, pois implicaria um fortalecimento de Estados Unidos e Europa que não lhe beneficia.”
Lia ressalta que, para o Brasil, um mundo comercialmente fragmentado tampouco é positivo. Ela lembra que uma China que opte por concentrar-se em sua área de influência no continente asiático não seria positivo, em se tratando do principal parceiro comercial do Brasil. “Nossa área de influência natural são as Américas, mas o mercado dos Estados Unidos não é o que mais nos favorece – em alguns produtos, eles são inclusive nossos concorrentes. Temos certa vocação multilateral em termos de diversificação da pauta comercial. Em um mundo dividido, ficaremos à deriva, tal como nos anos 1980. Uma fragmentação é negativa para nossos interesses” conclui.
Principais exportadores de fertilizantes para o Brasil em 2021, em % de participação
Fonte: Secex - Ministério da Economia.
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