“Se próximo governo entender que é preciso potencializar investimento privado e recuperar o público, a infraestrutura vai deslanchar”

Igor Rocha, diretor de Planejamento e Economia da Abdib

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No próximo quinquênio, os investimentos anuais em infraestrutura de transporte e logística podem mais que duplicar em relação ao observado nos últimos anos. Levantamento realizado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), somando o valor investido em 2020 aos potenciais novos investimentos, em 2022 os desembolsos na área podem chegar a R$ 40,6 bilhões e atingir um pico de R$ 59,5 bilhões em 2024. Esse impulso acontece graças aos 115 leilões de concessão realizados entre 2019-21 – que, no levantamento da Abdib, incluem a área de saneamento – e que somaram R$ 125 bilhões em outorgas e expectativa de investimentos de mais de R$ 500 bilhões, conforme registra a edição de 2021 do Livro Azul da Infraestrutura, publicado pela Associação.

Apesar do salto significativo que esses valores representam para o setor, Igor Rocha, diretor de Planejamento e Economia da Abdib, afirma que é preciso filtrar a expectativa favorável sob alguns pontos de vista. O primeiro é de que o levantamento é realizado a partir de consultas às empresas vencedoras de leilões de concessão quanto à sua expectativa de execução desses investimentos. “Quem trabalha com infraestrutura sabe que, no mundo real, várias questões podem atrasar um cronograma, que vão de problemas de financiamento a intercorrências de cunho ambiental ou questionamentos de órgãos de controle”, exemplifica. O segundo ponto levantado por Rocha é que, ainda que configure um avanço, esse montante ainda está aquém do necessário para que o país mitigue os gargalos que entravam seu desenvolvimento. “Saímos de um estoque de infraestrutura em torno de 53% do PIB na década de 1980 para cerca de 36% hoje. Precisaríamos de volume muito mais expressivo para cobrir depreciação e não perder os ativos existentes. Como está, o cenário ainda não se reverte”, diz. No caso do setor de logística e transportes, esse valor ideal corresponderia a 2,26% do PIB ao ano, de acordo aos cálculos da Abdib. Como ilustração, em 2020, os R$ 23 bilhões investidos na área representaram 0,31% do PIB.

Projeção de investimento em transporte e logística
(R$ bilhões)


Fonte: Abdib.

Para se aproximar do montante que o país demanda, Rocha aponta que é preciso vencer certa perspectiva binária que prevalece no planejamento do setor. “No passado, havia o mérito da valorização do investimento público, mas com problemas de racionalidade e governança. Agora temos a atração do privado, desprezando a importância dos demais. Se o próximo governo tiver o mínimo de bom senso para potencializar investimento privado e recuperar o público, a infraestrutura vai deslanchar”, afirma. “A despeito de uma taxa de juros mais alta, que claramente dificulta, facilmente podemos injetar um energético na economia, pois é um setor intensivo em mão de obra”, ressalta. 

Do lado do setor público, Rocha lembra que o desafio será compatibilizar o teto de gastos com um aumento de despesas no setor. “A revisão do teto, entretanto, é uma agenda que já está contratada, independentemente da demanda da infraestrutura”, diz. No campo privado, para garantir a alimentação de uma carteira de projetos atraente, o diretor da Abdib defende potencializar o papel do BNDES como estruturador de projetos, “aproveitando seu corpo técnico e expertise”, e valorizar o papel do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). “O PPI conta com credibilidade junto ao setor privado, o que é muito positivo. Uma boa ideia seria voltar ao seu desenho hierárquico original, que o colocava submetido diretamente à Presidência da República, ressaltando o quanto o governo prioriza essa área”, diz.

Evolução dos investimentos em infraestrutura
(R$ bilhões, a preços de 2020)


Fonte: Abdib.

Nessa lista, Rocha ainda inclui a aprovação de uma série de leis visando à melhora do ambiente regulatório, jurídico e institucional do setor. Entre elas, o PL 7063/17, com mecanismos que promovem a celeridade de concessões, o PL 2646/20, que institui as debêntures de infraestrutura, buscando a atração de investidores institucionais, e o novo marco legal do setor ferroviário. Este último aguardava análise de destaques depois de aprovado na Câmara dia 13/12, e prevê a inclusão do regime ferroviário de autorização dentro dos modelos possíveis de exploração, permitindo a execução de projetos de interesse exclusivo da iniciativa privada. Também, o aprimoramento de instrumentos para o reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão, tema de matéria da Conjuntura Econômica de novembro. “E, de preferência, contar com lideranças que primem por discursos adequados quanto a temas sensíveis como o ambiental, para garantir um ambiente favorável para o investidor internacional, que ainda esteve pouco presente nos leilões realizados até aqui”, afirma Rocha. “Se antes era o grau de investimento que definia se um país estava ou não no radar do investidor, hoje essa análise passa por outros elementos importantes, como a agenda ESG (meio ambiente, sociedade e governança, na sigla em inglês). Posições contrárias a esses princípios jogam contra a atração de investimento externo”, conclui. Rocha ressalta que o trabalho de consolidação das principais informações sobre os projetos de concessões e PPPs de União, estados e municípios brasileiros realizados pela Abdib agora faz parte de uma plataforma com atualização permanente.

 


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