Saneamento e mudanças climáticas: duas agendas urgentes

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A urgência das agendas de saneamento e de mudanças climáticas foi destaque em seminário da série Diálogos Estratégicos, promovido ontem (16/7) pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) na sede da Cedae, no Rio de Janeiro. Compreender os impactos do saneamento no meio ambiente e identificar os serviços de água e esgoto como indispensáveis para cidades mais sustentáveis e promotoras de bem-estar é um passo essencial, que deve estar refletido também nas políticas macroeconômicas, defenderam os participantes.

Rayne Ferreti, oficial do Brasil e Cone-Sul da ONU Habitat, destacou que o tema saneamento já estava inserido em uma das oito grandes metas do milênio estabelecidas pela ONU em 2000 – conhecidas como Objetivos do Milênio (ODM) –, quando o aumento da temperatura da Terra sequer havia ganhado destaque. “O Brasil foi um caso positivo, conseguiu internalizar e avançar em muitas metas dessa agenda, mas a de saneamento foi uma das que não foram cumpridas”, lembra.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituiu as metas do milênio a partir de 2015, refletiu um mundo mais complexo: o número de grandes objetivos acordados pelos 193 países membros das Nações Unidas mais que duplicou em relação à agenda anterior, para 17.  Os ODS passaram a incluir, entre outros, mudanças climáticas (ODS 13) – visando à necessidade de se reforçar a resiliência e capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima; integrar medidas de mudança do clima nas políticas e planejamentos nacionais e estratégias; e melhorar a educação e conscientização da sociedade – e um específico para água e saneamento (ODS 6). “Vale lembrar que água e saneamento são considerados direitos humanos desde 2012, quando foram aprovados na Assembleia Geral.” Ferreti ressalta que a principal causa de mortalidade infantil no mundo continua sendo a diarreia, doença frequentemente associada à veiculação hídrica.

Ferreti também destacou a necessidade de se pensar os ODS de forma integrada – “avançar em um ajuda a superar os outros” –, destacando esse desafio no âmbito das cidades. Uma urbanização desordenada e espraiada, ilustra, desafiam a prestação de serviços como saneamento e transporte público.  “No caso brasileiro, nas últimas décadas avançamos em políticas setoriais importantes como mobilidade, saneamento e resíduos sólidos. Mas ainda falta uma política nacional de desenvolvimento urbano (PNDU), para que esses temas sejam pensados de forma integrada”, defendeu, indicando que a com retomada do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades pelo atual governo o tema voltou a ser apreciado, e a expectativa é de que a PNDU seja votada até meados de 2025. “Garantir um olhar territorial para que o saneamento não seja pensado de forma limitada, colabora para uma cidade mais harmônica e ambientalmente sustentável.”

A oficial da ONU considera importante que o saneamento ganhe holofotes entre os temas da COP 30, lembrando que Belém, que sediará o evento, é um exemplo do descaso com que o tema foi tratado por muitas décadas no Brasil.

Sergio Gonçalves, secretário-executivo da Aesbe, destacou no evento que a Associação pretende desenvolver um documento que marcará sua participação no evento – o termo de referência para a confecção desse texto está disponível no site da Aesbe (veja aqui). “Pelo mapeamento que fizemos, a água permeia vários temas importantes da COP, como segurança hídrica e segurança alimentar, mas não é tratada como saneamento, como abastecimento de água, como coleta de esgoto, como manejo de resíduos sólidos ou drenagem”, ilustra. “Assim, tivemos a determinação de nosso colegiado de que deveríamos entrar com uma pauta mais contundente sobre a necessidade de universalização.”

Aguinaldo Ballon, presidente da Cedae, destacou no evento os desafios que as mudanças climáticas já impõem na operação das companhias de saneamento, ao intensificar as variações de temperatura, as secas e as chuvas. “Quando há excesso de chuvas, por exemplo, demandamos um investimento maior em monitoramento e processos que evitem que essa proliferação impossibilite o tratamento e a distribuição de água.” Ballon afirmou que a Cedae tem investido em melhorias em quatro estações de tratamento – uma delas já entregue – para, entre outros, ajudar a mitigar situações de excesso de turbidez, outro problema causado pelo excesso de chuvas que pode prejudicar o tratamento de água.

Tal como destacou no encontro anterior, Ballon destacou que a concessão de parte das atividades da Cedae, que hoje opera diretamente apenas a captação, tratamento e fornecimento de água às concessionárias, permitiu à companhia ganhar fôlego financeiro para esss investimentos. “Antes tínhamos carências na condução dos sistemas de tratamento de água, e também da proteção dos mananciais. Hoje, passamos a ter um foco na sustentabilidade”, afirma. “Mesmo não sendo os únicos usuários dos ecossistemas onde estamos, somos dependentes deles, e precisamos atuar para preservá-los.” Entre as iniciativas de reflorestamento da Cedae em andamento está a do corredor Tinguá-Bocaina, cuja meta é recuperar 30 mil hectares até 2050.

Desafios macroeconômicos

Em sua apresentação, Ballon defendeu que o compromisso com a universalização do saneamento depende também de um compromisso das políticas macro. “Não considerar o saneamento estratégico, ao coloca-lo num tratamento tributário igual a outras atividades menos estratégicas me parece desalinhado com o que pretendemos para o desenvolvimento da sociedade”, afirmou, referindo-se à reforma tributária. Gonçalves, da Aesbe, lembrou que o teto da carga tributária atual das companhias de saneamento está em 9,25%. Ainda que na regulamentação consiga-se uma trava  para que a alíquota do IVA dual não ultrapasse 26,5%, é um salto considerável, aponta. “Quem acabará pagando essa conta é a população, pois mesmo o subsídio cruzado também tem o seu limite econômico, caso contrário afugentará o usuário.”

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, destacou no evento que, para alguns setores como o agropecuário, há oportunidades claras de correção na política de incentivos, em prol de uma ação ambientalmente mais alinhada. “Sabemos que no Brasil o principal desafio na redução de emissões de gases do efeito estudo está no uso e ocupação do solo, ou seja, em atividades como a pecuária, onde ações ineficientes envolvem desmatamento. Mas a regulação do mercado de carbono pode ajudar a corrigir incentivos, com a possibilidade de retorno financeiro para manter a floreta em pé, a partir da comercialização de créditos de carbono.”

No caso do saneamento, reconhece, o desafio é maior, “pois o setor privado sozinho não conseguirá atender toda a demanda por investimento”, diz, “além da necessidade de tarifas subsidiadas para regiões carentes”, completa, citando sinais na direção contrária tanto na reforma tributária quanto no PAC, “pelos baixos valores alocados ao saneamento”.

“Política pública são escolhas e prioridades. Infelizmente, temos dificuldades: parte do orçamento público são gastos obrigatórios; há outra parte capturada. Os valores destinados a emendas parlamentares já chegam a R$ 50 bilhões”, cita, citando os problemas de planejamento e monitoramento dessa alocação. “Isso faz com que nosso debate se limite em buscar soluções fiscais para o curto prazo, deixando temas importantes de lado.” Para Matos, é fundamental perseverar na revisão de gastos para que o orçamento público fosse voltado a políticas de maios impacto, como é o caso do saneamento.

“Pelo fato de não conseguirmos encontrar uma solução fiscal, temos que manter juro elevado, que por sua vez também prejudica o investimento”, diz, destacando que, sem sinais consistentes da eficiência da política fiscal em encaminhar a sustentabilidade da dívida pública, “não conseguiremos ter debate minimamente organizado das políticas públicas porque teremos que ficar apagando incêndio, sem espaço para pensar as grandes questões do Brasil”.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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