“Precisaremos revisitar a agenda de renúncias tributárias em 2023”

Gabriel Barros, economista-chefe RPS Capital

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A semana começou com mais um capítulo da novela orçamentária de 2022, com a publicação no Diário Oficial da União de um veto presidencial de R$ 3,18 bilhões do Orçamento, sob a justificativa de ajustes de verbas destinadas a despesas de pessoal – há a sanção de R$ 1,7 bilhão para reajuste de servidores federais, incialmente prometida pelo presidente à categoria de policiais federais – e encargos sociais. Isso demandará a aprovação, pelo Congresso, de um acréscimo de despesas ao longo do ano. Os valores vetados foram distribuídos em partes iguais entre despesas discricionárias e emendas de comissão.

O processo orçamentário tem sido interpretado por analistas como reflexo da ampliação do controle do Congresso sobre as verbas da União, já que as escolhas realizadas para se fechar o texto têm privilegiado tem privilegiado itens como o chamado orçamento secreto e o fundo eleitoral – este último previsto em R$ 4,96 bilhões em 2022.  De acordo a levantamento publicado pelo estado de S. Paulo com dados do Siga, sistema do Senado que acompanha a execução do orçamento federal, em 2021 foram pagas R$ 25,1 bilhões em emendas orçamentárias – de R$ 33,4 bilhões empenhados para esse fim – das quais R$ 10,43 bi corresponderam ao orçamento secreto. Para este ano, o total previsto para emendas é de R$ 37 bilhões.

Se pelo lado das despesas a percepção sobre a disciplina em torno do ajuste fiscal ficou seriamente comprometida em 2021, e se mantém como um fator de preocupação em 2022, como mostrou a Conjuntura Econômica de janeiro, pelo lado da arrecadação a frustração não foi menor, dada a falta de capacidade do governo em revisão das renúncias tributárias. Como mostrou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, esta começou a ser sentida com a aprovação da Emenda Constitucional 109 (PEC Emergencial), que exigiu a definição de um plano para se reduzir mais da metade do atual nível das isenções tributárias em um prazo de 8 anos, para que estas não superem 2% do PIB, mas cujas exceções à regra colocadas no mesmo texto – livrando políticas como do Simples Nacional – já somam o percentual de preservação permitido, o que representaria cortar todos os demais, independentemente de seu mérito. Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, ex-pesquisador do FGV IBRE, lembra que dentro das exceções estão políticas que já foram identificadas como ineficientes, o que compromete a validade da EC 109 nesse sentido. “A lista de exceções é realmente um problema e revela como os grupos de interesse e rent seeking ainda se apropriam de parcela relevante do orçamento público, não obstante a ineficiência econômica dessas renúncias fiscais”, diz, citando como exemplo os casos da desoneração da cesta básica, “cara e com grande desperdício de recurso público”, e a “deficiente renúncia extraordinária” da Zona Franca de Manaus. “Por estarmos em ano eleitoral e tendo visto a prorrogação de diversas renúncias que deveriam ser revisitadas, acho improvável que tenhamos avanço ainda esse ano e será tema a ser tratado em 2023” diz.

Barros lembra que o volume de renúncias estimado para 2022 continua superando os 4%, chegando a mais de R$ 365 bilhões. Os quais ainda não incluem, ressalta, os R$ 7,4 bilhões estimados para atender à desoneração da folha, medida cuja prorrogação foi sancionada pelo presidente Bolsonaro no final de 2021. A lei 14.288/21 que mantém esse benefício até 2023 beneficia 17 setores, que podem substituir o recolhimento da contribuição previdenciária, de 20% dos salários dos empregados, por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Em relatório da RPS divulgado no último dia 20, Barros relaciona diversos estudos – entre os quais, textos de sua autoria junto ao articulista da Conjuntura Econômica José Roberto Afonso e a diretora da Instituição Fiscal Independente Vilma Pinto, quando esta era pesquisadora do FGV IBRE – que apontam a ineficiência dessa política. A desoneração da folha foi instituída em 2011, com o lançamento do programa Brasil Maior, atendendo quatro setores e com propósito específico de melhorar a competitividade de setores expostos à competição internacional – ainda que sem métricas de monitoramento, lembra Barros . Até 2013, entretanto, já havia se expandido a 56 setores – entre os quais indústrias que vão de papel e celulose a eletrodomésticos, passando posteriormente para a construção civil e comércio varejista –, ampliando significativamente a renúncia fiscal, novamente sem contrapartidas claras. “Desde que foi instituída, em 2011, essa política produziu ônus fiscal superior a R$126 bilhões”, diz Barros. Ainda que atualmente o número de setores beneficiados seja menor, o economista destaca que seu custo ainda é elevado e, mais importante, “continua ineficiente”. O último prazo de validade da desoneração da folha seria 2020, mas naquele ano o Congresso aprovou uma prorrogação até 2021, que chegou a ser vetada pelo presidente, mas com veto derrubado pelo Congresso. Barros reforça a necessidade de se retomar essa agenda a partir de 2023. “A redução do custo com a folha deve ser atacada dentro de uma boa reforma tributária, horizontal”, defende.

 


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