Potencial de crescimento brasileiro também depende de um quadro político mais estável, avaliam especialistas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A consistência dos planos econômicos dos principais candidatos à Presidência é fator de preocupação dos mercados, especialmente em um contexto no qual é preciso restabelecer a âncora fiscal brasileira sem deixar de lado a demanda por mais proteção social. Mas a estabilidade do quadro político também é variável importante na hora de se estimar o crescimento econômico potencial do Brasil nos próximos anos, apontam especialistas reunidos ontem (30/8) em webinar promovido pela FGV EESP, moderado pelo professor da casa Fernando Limongi.

No evento, Rafael Cortez, sócio-diretor da Tendências Consultoria, destacou que no Brasil essa estabilidade foi perdida há oito anos, com a soma de episódios que vão da colocação em dúvida do resultado eleitoral em 2014, impeachment da presidente em 2016 ao mais recente questionamento do sistema eleitoral pelo atual governo. “Esperava-se uma recuperação do mundo de 2013 a partir das eleições de 2018, mas essa reconstrução do quadro político não foi endereçada na atual gestão”, afirma Cortez. Ele ressalta que a partir de 2013 observou-se uma elevação tanto dos indicadores de incerteza da economia brasileira quanto do prêmio de risco medido pelo CDS e desde então ambos os indicadores rodam acima do observado pré-2013. “No caso do CDS, o Brasil passou a ter uma taxa particular dele, descolada do restante dos países latino-americanos”, afirma. Somando ao comportamento das contas públicas, com as sequentes medidas para a promoção de gastos fora do teto, cria-se um cenário instável, descreve Cortez, “em que nossa elite política já não consegue mais minimizar esses ruídos. E a resolução terá que vir dentro de um sistema polarizado”.

Cortez também avaliou a condição brasileira com base nos estudos sobre a armadilha da renda média – ou seja, que barram a entrada de um país em desenvolvimento no clube das economias ricas. “A literatura sobre o tema, em linhas gerais, mostra que as economias que caíram nessa armadilha têm em comum problemas de capital humano, de investimento em P&D, e de não resolver a desigualdade de renda e a informalidade, que afetam a taxa de crescimento, pois a economia fica estagnada”, enumera. “Se olharmos hoje a agenda do Executivo no campo da educação – comum a essas variáveis mencionadas – hoje o destaque é o projeto para regularizar o ensino domiciliar. Não parece estar na fronteira do debate sobre o ensino”, diz. “Temos um aumento da desigualdade, bem como da informalidade. A soma desses fatores sugere que teremos um problema importante a ser resolvido adiante.”

Para Cortez, essa tarefa passa por recuperar o fortalecimento dos poderes de agenda do Executivo. “Desde o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a Presidência tem demonstrado enfraquecimento nesse campo, o que pode se relacionar a um desempenho subótimo no plano econômico.” Nesse caso, ambos os candidatos mais bem-posicionados nas pesquisas trazem riscos, segundo Cortez. “No caso de Bolsonaro, a tendência é de que busque maior autonomia, o que traria uma relação mais tensa com o Centrão. Já Lula poderia correr o risco de ter uma gestão Bolsonaro às avessas, de costurar uma coalizão antibolsonarista”, diz.

O bolso e a fé

Para os especialistas, o resultado das eleições dependerá das motivações que falarão mais forte ao eleitor na hora do voto – tal como foi a “caça aos marajás” na eleição de Fernando Collor em 1989, ou o combate à inflação com Fernando Henrique Cardoso em 1994. “Cada eleitor tem várias identidades, como de raça, renda, costumes. Será preciso identificar qual falará mais alto”, descreve Victor Araújo, doutor em Ciência Política pela Universidade de Zurich.

Na vertente econômica, Felipe Nunes, diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria, ressaltou o comportamento do eleitor em relação ao aumento do Auxílio Brasil, indicando que a reação positiva a Bolsonaro entre os que recebem o benefício foi maior até o início do recebimento da transferência, nos meses de junho e julho, com ligeira queda de popularidade do presidente na pesquisa de agosto (a análise não inclui o resultado da pesquisa divulgada hoje, 31/8). “O efeito foi maior durante as expectativas de melhora, pois na segunda rodada de agosto houve inflexão na intenção de voto em Bolsonaro. Buscamos identificar o motivo, e vimos que não era por falta de conhecimento: 81% sabiam do aumento do Auxílio, e 42% identificavam o presidente como responsável pela redução do preço dos combustíveis, que colaborou para a redução da inflação. Mas 62% identificavam que o objetivo das medidas econômicas do governo era para ajudar a eleição, provavelmente ao reconhecer que o aumento do Auxílio duraria até dezembro”, diz.

No caso do voto evangélico, Victor Araújo, autor do livro A Religião Distrai os Pobres?, lembrou que esse grupo já representa mais de 1/3 do eleitorado brasileiro e que até 2006 era um grupo aderente ao voto no PT – nesse ano, o partido arrebatou 55,47% dos votos dos neopentecostais, por exemplo. “Desde então, entretanto, a tentativa dos governos petistas de avançar em agendas progressistas colidiu com a agenda de costumes dos evangélicos”, afirmou, citando como exemplos o PLC 122/06 Lei Anti-homofobia e a Lei 12.285/2013, que prevê a distribuição de pílula do dia seguinte para vítimas de violência sexual, identificada pelos evangélicos como promotora do aborto. Essa narrativa de guerra cultural, diz, reativou a mobilização de evangélicos contra partidos de esquerda, e é o ponto que o candidato do PT precisará neutralizar.

Para os especialistas, a chave estará em identificar qual a narrativa mais sensível para o eleitor hoje. E para quem, dentro de um cenário de alta polarização também afetiva, o eleitor estará disposto a dar uma segunda chance. Seja qual for o resultado, entretanto, sem uma agenda em prol do equilíbrio macroeconômico o próximo presidente terá um país com menos crescimento, alerta Cortez, e os conflitos econômicos presentes na identidade de cada eleitor, hoje atenuados por medidas temporárias, podem tomar outras proporções adiante.

 


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