PIB chinês: “Foi positiva a decisão do governo de estabelecer uma meta mais conservadora para 2023”

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Neste domingo (5/3), o governo chinês anunciou sua meta para o crescimento do PIB do país em 2023: 5%. Esse percentual está abaixo do estabelecido nos últimos anos e aquém do projetado pelo mercado, que foi pego de surpresa com o anúncio, repercutindo negativamente nas bolsas internacionais. Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, sócio da BRCG, está entre as exceções e elogia o posicionamento do governo. “Fiquei satisfeito com o tom do anúncio, sinalizando que o crescimento da China este ano não se dará a qualquer preço”, diz.

Ribeiro, que já apostava em um número mais conservador, enumera uma série de elementos que justificam essa prudência na cúpula do Partido Comunista da China. O primeiro, como sempre ressalta em suas análises (leia aqui) é que ainda é cedo para um balanço mais acurado de qual parcela da desaceleração do crescimento do país observada nos últimos anos se deve apenas ao efeito da crise sanitária e se desvanecerá a partir de agora, com o fim das restrições da política de Covid zero e, espera-se, a redução do contágio. “A direção da atividade não está em discussão: o país crescerá mais. Mas ainda resta descobrir a intensidade dessa retomada”, diz.

China: metas anuais oficiais


Fonte: National People's Congress (NPC) Annual Reports, elaborado por BRCG.

A grande incógnita permanece sendo o consumo, como reconheceu o primeiro-ministro Li Keqiang em seu discurso, no qual citou a demanda insuficiente como um problema para a consolidação de uma base de crescimento estável – da qual também fazem parte a perda de força do comércio global e o que classificou de ‘tentativas externas de reprimir a China’.

Para ilustrar as incógnitas sobre uma mudança mais persistente no comportamento das famílias chinesas, Ribeiro mostra que, desde a pandemia, a tendência a poupar observada entre os chineses superou a necessidade de repor as economias gastas para conter o impacto da crise sanitária no mercado de trabalho – lembrando que, diferentemente do observado nas economias ocidentais, os chineses não contaram com auxílio emergencial do governo, que concentrou suas políticas na ajuda a empresas. De acordo à Urban Depositors Survey, feita pelo banco central chinês, a relação observada entre pessoas que confiam na renda futura e aquelas que dão preferência por poupar recursos, que em 2008 era respectivamente de 60% para 40%, começou a mudar de sinal na pandemia e agora está praticamente invertida, com a maioria dos chineses preferindo poupar. A taxa de poupança das famílias em relação à renda disponível, que de 2013 a 2019 esteve em torno de 29%, passou para 33% na média entre março de 2020 e o final de 2022, chegando a um pico de 37% no último mês observado, de acordo a levantamento da NBS. 

PIB chinês desagregado: carregamento versus incremental, em pontos percentuais


Fonte: BRCG.

Alguns fatores colaboram para a cautela do consumidor chinês, que desde a onda de contágio pela variante ômicron demonstrou ter recalibrado sua confiança na economia para níveis muito abaixo dos observados no início da pandemia. Entre eles, o alto nível de desemprego entre a população mais jovem – de quase 18% entre a população de 17 a 24 anos, contra 5,7% da taxa de desemprego urbano no agregado – que, entre outros fatores, aponta a uma perspectiva negativa para o fundo que garante a aposentadoria dos mais velhos. “No início da pandemia, tampouco havia o choque no mercado imobiliário que se observa hoje, em grande parte induzido pelo governo”, diz Ribeiro, indicando, entretanto, um início de recuperação no nível de vendas, refletido em redução de estoques.  

Também joga contra a perspectiva de um crescimento muito acima dos 5% o fato de que a herança estatística deixada pelo resultado da atividade econômica no final de 2022 é baixo: de 1,3 ponto percentual, o menor ao menos desde 2012 – até a pandemia, aliás, esse carregamento sempre foi maior que 2 pontos percentuais, chegando a 3 pp em 2013. “Diante de todos esses fatores, fica claro que perseguir um crescimento acelerado não viria sem o custo de desequilíbrios”, diz Ribeiro. Isso não significa que o governo deixará de agir para aquecer a economia, mas que o fará de forma moderada. “O déficit fiscal anunciado pelo governo como meta para este ano é de 3% do PIB, acima dos 2,8%do ano passado”, cita Ribeiro.

Taxa de poupança das famílias
(% renda disponível, SA, 2018+100)


Fonte: BRCG e BLS.

E como essa calibragem pode afetar o Brasil? Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE, reforça a recomendação de cautela quanto à possibilidade de um resultado expressivamente melhor para as exportações à China este ano, referida no Boletim Macro Ibre de fevereiro. No primeiro bimestre do ano, as vendas para China, Hong Kong e Macau caíram 4,2%, soando US$ 10,3 bilhões. As maiores quedas se deram nos embarques de soja, petróleo bruto e algodão. A identificação de um caso do mal da vaca louca no Pará levou à suspensão temporária de embarques ao país, o que também deverá se refletir nos resultados da balança. Mais persistente, entretanto, poderá ser o impacto da guerra na Ucrânia, desde quando parte das vendas brasileiras de petróleo à China foram substituídas pelo fornecimento da Rússia. O que, lembra Lia, em parte foi compensado pelo aumento das vendas a outros mercados, como o europeu.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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