PIB chinês do quarto tri vem melhor que o estimado, mas começo de 2022 ainda é desafiador

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Ainda que a economia chinesa tenha desacelerado no segundo semestre do ano, o crescimento de 4% no último trimestre de 2021 em relação ao mesmo período de 2020, anunciado nesta madrugada, foi melhor do que as estimativas de mercado apontavam. No ano, o PIB do país registrou expansão de 8,1%, contra 2,2% em 2020. Pelas aberturas de dados já disponíveis, Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, aponta que a principal surpresa veio do setor terciário. “No caso do setor secundário, ainda não é possível separar os desempenhos de manufatura e construção civil, mas no agregado o resultado veio relativamente fraco”, afirma.

Para 2022, Ribeiro estima que a economia chinesa poderá crescer entre 5% e 5,5%, graças a um carregamento estatístico melhor, em torno de 1,9%. “Mas o primeiro trimestre ainda deverá ser difícil”, afirma. A iniciativa do governo chinês de anunciar cortes em duas taxas referenciais de juros do país – entre elas, a one-year medium-term lending facility, usada como parâmetro para empréstimos ao setor privado –, reforça esse diagnóstico, ao indicar a preocupação do governo em dar mais suporte para a economia, mesmo com os resultados mais positivos do final de 2021. Ribeiro relaciona essa decisão a dois possíveis fatores. O primeiro é a emergência da variante Ômicron, que já foi detectada em Pequim – sede dos Jogos de Inverno a partir de 4 de fevereiro – e deverá implicar medidas de isolamento mais disseminadas até ao menos meados do referido mês. “O segundo elemento são os sinais ruins que chegam do mercado imobiliário. Especialmente dos bancos, que estão segurando um pouco mais o crédito para operações ligadas a esse segmento, ainda que o governo indique manter certo fluxo de dinheiro para o setor”, diz. Ele lembra que a política do governo para controlar os preços no setor tem tido efeito – em dezembro os preços de imóveis retraíram 0,3%, registrando o quarto mês seguido em queda. E que empresas do setor altamente alavancadas começam a concentrar atenções, sendo o foco da vez a construtora Country Garden. “Espera-se que as políticas operadas pelo governo no setor possam ser flexibilizadas, mas não abandonadas”, diz, indicando que a primeira reação nessa indústria deverá vir da construção civil, com o real state demorando um pouco mais.

Além desse corte da taxa de juros, Ribeiro lembra que o governo já havia reduzido os depósitos compulsórios – medida que injeta liquidez no sistema e tende a beneficiar famílias e pequenos negócios – e antecipado a cota de emissão de títulos com propósito especial das municipalidades. “Com isso, deixaram um volume de dinheiro preparado para ser utilizado já no primeiro trimestre, com efeitos no segundo, quando pelo calendário original esse efeito só aconteceria no segundo semestre. Isso também indica que, apesar do viés de alta sugerido pelo resultado do final de 2021, o governo pode identificar um primeiro trimestre mais complicado”, explica.

O economista lembra que a meta do governo para o crescimento da economia chinesa este ano foi definida em novembro, mas ainda não foi divulgada – deverá acontecer formalmente na plenária do partido em março –, e que a calibragem das medidas operadas dependerá desse número. “Se a pretensão é de um crescimento de até 5%, com o ritmo que a economia apresenta agora, não será preciso grande esforço”, diz. O panorama da inflação em dezembro – dando sinais de uma desinflação disseminada, com o índice de preços ao consumidor acumulando 1,5% no ano – dá certo grau de liberdade para medidas de estímulo. Ribeiro lembra, entretanto, que a Ômicron pode levar a uma desorganização adicional nas cadeias de valor, gerando um repique na inflação produzida dentro da China. “Também é preciso observar o comportamento do petróleo, que registrou aceleração de preço nas últimas semanas”, diz, lembrando da influência desse insumo na estrutura de preços ao produtos e em segmentos como transportes, pressionando a inflação ao consumidor. “Por isso, entre os três instrumentos – políticas monetária, fiscal e de crédito – acho que daqui para frente a monetária ficará no fim da fila”, afirma. 

Ribeiro considera que, diante do cenário complexo que espera as principais economias este ano, o conflito China / Estados Unidos ficará em segundo plano para ambas as economias. No caso da agenda ambiental, Ribeiro considera que a China poderá colocá-la em segundo plano no curto prazo caso tenha necessidade de recorrer à “Velha China” para salvar o crescimento. “Para o Brasil, vemos um momento mais favorável para o setor de minério, com um pouco mais de demanda puxada pela infraestrutura, depois do colapso de preços observado no ano passado. Mas nada que se compare ao pico de preços de quando a China acelerou sua retomada”, diz. “No caso das exportações do agro, ainda é um quadro complicado pelas variáveis climáticas, mas ainda parece ser um cenário com um sinal de nível de preço elevado – o que não significa uma nova rodada de aceleração de inflação”, conclui.

 


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