Pesquisadores do FGV IBRE comentam desafios econômicos da Argentina, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais

Lia Valls e Fabio Giambiagi

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

As próximas semanas serão de muitas promessas para os argentinos. Até 19 de novembro, o atual ministro da Economia Sergio Massa e o libertário Javier Milei terão que convencer os mais de 60% de eleitores que não os escolheram no primeiro turno de que são o melhor caminho para recuperar o país. Quando sair o resultado final, o escrutínio sobre o candidato eleito tampouco deverá se arrefecer. Com uma inflação que nos 12 meses encerrados em setembro superava 138%, moeda fortemente desvalorizada e uma sociedade mais pobre e insatisfeita, é difícil prever qual prazo a população argentina dará para que o novo mandatário apresente um plano convincente para colocar a economia argentina nos trilhos.

Para a surpreendente dianteira de Massa no primeiro turno parece ter contado uma importante campanha para alimentar o medo do eleitorado sobre Milei, além do uso de medidas econômicas envolvendo recursos que o governo não dispõe, diante de um déficit público que já é alto. “No jargão jornalístico argentino, usa-se a expressão ‘Plan Platita’ para se referir a planos flagrantemente eleitoreiros que deixam mais dinheiro na mão das pessoas nas proximidades das eleições”, cita Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, recordando que o mesmo aconteceu em 2022 no Brasil, com as iniciativas do presidente Jair Bolsonaro para baratear o preço da gasolina e aumentar o Auxílio Brasil. “Em termos macroeconômicos, na Argentina isso implicou um aumento fora do radar há dois meses, da ordem de 1% do PIB, o que leva a uma situação em perspectiva para 2024 ainda pior que a já existente”, diz. Giambiagi cita como elemento marcante desse pacote de bondades a elevação do limite mínimo de isenção do Imposto de Renda “para o equivalente a mais de R$ 20 mil, algo inacreditável quando comparamos com o Brasil, onde esse piso é de menos de R$ 3 mil”. O economista aponta que esse conjunto de medidas pode gerar uma situação enormemente conflitiva para as futuras negociações com o FMI. “Massa fechou um acordo com o Fundo em uma sexta-feira e na segunda-feira seguinte anunciou medidas que dinamitavam todo o acordo, com o que gerou uma herança muito pior para 2024 e levou a irritação dos funcionários do Fundo com o país a um clímax”, diz. “Quando as negociações forem retomadas, elas terão um nível de desconfiança inicial similar ao que existiria hoje numa eventual reunião entre russos e ucranianos.” O economista ressalta que, com duas guerras importantes no mundo (Ucrânia e Gaza), a paciência das grandes potências para “ouvir as lamúrias” do país que insiste em dar dores de cabeça tampouco será das maiores. “O fim desses conflitos ajudaria, por exemplo, a que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pudesse dar alguma atenção ao país.”

Até agora, os planos anunciados por cada candidato para acabar com a inflação ainda são difusos. Miley aponta à dolarização – que reduz a autonomia do país em gerir a macroeconomia – e corte de gastos públicos, enquanto Massa promete equilibrar uma política de gastos de marca peronista com medidas de ajuste. No último artigo de uma série de quatro publicados no jornal O Estado de S. Paulo (link aqui, acesso restrito a assinantes) Giambiagi destaca a importância de uma política antiinflacionária radical, que demanda tempo e um componente de ataque à inércia de preços que permita essa “aterrissagem forçada”. “No caso de Massa vencer, duvido muito que ele não tente alguma forma de ancoragem cambial, daqui a um ano ou ano e meio, após ter definido um novo "sendero (trilha) fiscal", afirma. “Mas ele terá, inevitavelmente, que fazer um ajuste, porque sem isso o FMI sequer sentará para conversar. O grau de irritação com o país é tão grande que tem gente disposta a deixar que a Argentina caia em default com o Fundo, privilégio que em geral só cabe a países como a Somália e outros em circunstâncias similares. Evidentemente, não será um ajuste como o que Javier Milei faria, mas continuar com a ‘farra fiscal’ atual é simplesmente impensável”, diz Giambiagi.

Para Lia Valls, pesquisadora do FGV IBRE, essa delicada situação do país, altamente dependente de financiamento externo, é um motivo importante pelo qual o novo presidente argentino não poderá desprezar a relação com o Brasil. “O descrédito que a Argentina sofre hoje nas instâncias internacionais faz com que ela demande apoio”, diz Lia, lembrando que o Brasil conta com diretor no board do FMI e conta com credibilidade junto ao Fundo. “O voto do Brasil é importante para o país, pelo que, para Milei, declarar-se contra o país e seu governo não será bom para a Argentina, caso ele vença”, afirma. Lia considera que tampouco os eleitores de Milei apoiam os posicionamentos mais radicais expressos pelo candidato até o primeiro turno. “A meu ver, o que esses eleitores buscaram ao escolher Milei foi mais um voto de reação do que uma expressão de apoio às medidas anunciadas pelo candidato, como a dolarização.”

Para as relações comerciais com o Brasil, Lia não prevê um 2024 positivo. Este ano, apesar de no acumulado de janeiro a setembro as exportações ao país terem registrado crescimento de 15,5%, gerando um superávit de US$ 4,59 bilhões, muito desse resultado se deveu ao expressivo aumento das exportações de soja para compensar o impacto da seca no país vizinho. De janeiro a setembro, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex /Mdic) apontam que os envios de soja cresceram 968% em relação ao mesmo período de 2022, ampliando a participação do produto no total das exportações de 1,52% em 2022 para 14,13% este ano. Já as vendas de automóveis de passageiros caíram 7,46% no acumulado de janeiro a setembro, reduzindo sua participação no total dos envios em 2 pontos percentuais, de 10,39% em 2022 para 8,32% este ano. Somente em setembro, essa queda foi de 52%, enquanto o conjunto das exportações retraiu 16%. Lia recorda ainda as manifestações recorrentes de exportadores à Argentina reclamando de atrasos de mais de 90 dias nos pagamentos, devido entre outros às barreiras impostas pelo governo à obtenção de dólares pelas empresas, devido ao baixo nível de reservas do país. “Essa ajuda da soja acabará no ano que vem, quando se espera a recuperação da produção argentina, pelo que podemos esperar uma queda maior das exportações ao país”, afirma.  

 


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