“Parte importante da baixa cobertura de creches no Brasil pode ser resolvida pela ação do poder público”

Janaína Feijó, pesquisadora do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Há alguns dias, Janaína Feijó, pesquisadora do (FGVIBRE), foi destaque em matéria do jornal Valor Econômico ao demonstrar a relação da baixa oferta de creches e pré-escola com a empregabilidade feminina (link para a matéria, acesso restrito a assinantes do jornal). O estudo que serviu de base para a reportagem, feito a partir de dados do Inep, do DataSUS, do Censo Demográfico e da PNAD Contínua, mostra que a maior parcela das mães fora da força de trabalho tem seus filhos de 0 a 5 anos de idade fora da escola. Daquelas com filhos entre 0 a 1 ano sem creche, 53,8% estão fora da força de trabalho; das que têm filhos entre 2 e 3 anos, 50,7% não estão empregadas nem buscam emprego. Já o percentual das mães com filhos entre 4 e 5 anos que estão fora da força de trabalho é de 55,3%.

Janaína diz que é difícil cravar uma relação de causalidade, especialmente quando se trata de crianças durante o primeiro ano de vida. “Por questões culturais, muitas mães consideram os bebês nessa faixa etária ainda muito dependentes, e preferem mantê-los aos seus próprios cuidados ou da família”, diz. Há, também, uma condicionalidade que pode ser dada pelo próprio mercado de trabalho local. “O menor dinamismo econômico em algumas regiões do Norte e Nordeste, por exemplo, onde as taxas de cobertura de creches e pré-escolas são menores, pode estar por trás de uma procura menor por parte das mães”, afirma.

Proporção de crianças que não frequentavam a escola - Brasil - 2016 a 2022


Fonte: Elaboração da autora com base nos microdados do suplemento educacional da PNAD Contínua.

A pesquisadora ressalta, entretanto, que já existem evidências suficientes de que a não-matrícula das crianças nessas faixas de idade tende a ser negativa para ambos os envolvidos, mãe e filho. No caso das mães, por limitar seu desenvolvimento profissional e sua capacidade de gerar renda para a família. E, para os filhos, por correrem o risco de não terem seu desenvolvimento cognitivo adequadamente exercitado nessa etapa da vida que é definidora de suas potencialidades quando adulto.

Janaína lembra que o Plano Nacional de Educação previa como meta a universalização da pré-escola (crianças de 4 a 5 anos) e a atenção de no mínimo 50% das crianças de 0 a 3 anos nas creches em 2016. Até hoje, entretanto, essas metas não foram alcançadas. No caso da cobertura de creches, ainda que se exclua o grupo de crianças de 0 a 1 ano, onde a resistência às matrículas também joga contra o cumprimento da meta, chega-se a 44,6% em 2022. No caso das crianças em idade pré-escolar, o percentual que frequenta a escola ainda está 8,5% aquém da universalização, somando 91,5%. Isso não significa que a política foi absolutamente pouco eficaz, lembra a pesquisadora, dados os avanços observados. Na pré-escola, a cobertura em 2012 era de 55% do total de crianças entre 4 a 5 anos; nas creches, a média do país mal chegava aos 13%. “Há muita heterogeneidade regional por trás desse valor nacional, que precisa ser devidamente estudada para se atacar corretamente os gargalos, com políticas públicas adequadas”, defende.

G1 - Proporção de crianças entre zero e três anos de idade matriculadas em Creches (Taxa líquida de matrículas em Creches) - %

 

G2 - Proporção de crianças entre zero e três anos de idade matriculadas em Creches (Taxa líquida de matrículas em Creches)  2022 - %


Fonte: Ministério da Educação (MEC)/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)/Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed).

Levando em conta os motivos que as famílias apontam como restritivos à ida de suas crianças para a escola, de acordo à PNAD Contínua, Janaína aponta que de fato há um amplo espaço para o poder público atuar na mitigação dessas diferenças. “Se somarmos as respostas que apontam a falta de escolas ou creches ou a distância até elas, a falta de vaga nessas instituições e negativas de matrícula por parte dessas escolas devido a questões de idade, chegamos a 44% dos problemas, se acordo aos pais consultados”, diz. Esse conjunto de fatores só perde para o quesito “opção dos pais ou responsáveis”, que consideram a criança muito nova e preferem tê-las em casa – outro fator, diz Janaína, que também precisa ser mais bem-estudado. “Se estudos comprovam que crianças que frequentam a escola têm mais capacidade de atingir o seu potencial, não incentivar essa inserção é colaborar para retroalimentar uma desigualdade social”, diz, lembrando que, especialmente entre famílias de mais baixa renda, com menos referências, informações e até condições para estimular seus filhos, estes tendem a acumular menos capital humano. “Isso reforça a transmissão intergeracional de desigualdade social”, afirma.

Motivos apontados para as crianças de 0 a 5 anos não estarem estudando (2022, Brasil)


Fonte: Elaboração da autora com base nos microdados do suplemento de educação da PNAD Contínua.

Janaína reforça que, em cidades com economias menos dinâmicas, a tendência é de uma demanda menor de creches e pré-escolas por parte da sociedade. “Essa pressão menor, em geral, se casa com uma capacidade também menor do poder público em investir na promoção desse ensino”, completa. Tal como apontado por Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação a Conjuntura de novembro, a maior parte das obras públicas paradas referentes à educação básica estão em municípios de pequeno porte, onde a capacidade estatal é mais frágil, e concretizá-las implica investir em uma governança mais efetiva Levantamento realizado pela Fundação Maria |Cecilia Souto Vidigal aponta que, de 15.211 obras com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) até dezembro de 2020, 3.343 foram identificadas como paralisadas, das quais 2.747 possuem dados mais completos de valores envolvidos. Destas, apenas 2,4%, ou 68, segundo estimativas da Fundação, tinham possibilidade de serem concluídas em até 3,5 anos. Com o Novo PAC, há perspectivas de se acelerar esse processo, mas Janaína ressalta que também nesse caso é preciso estudar adequadamente cada caso. “Há obras que estão paralisadas desde 2014. São dez anos em que a realidade de determinada região pode ter mudado”, diz. Além de lembrar a necessidade de se cuidar de outras frentes necessárias para garantir uma cobertura de qualidade para essas crianças, como a oferta e formação adequadas de professores.

Composição das crianças por condição das mães no mercado de trabalho (2022, Brasil)


Fonte: FGV IBRE.

 


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