“Pandemia pode interromper cinco décadas de evolução da participação das mulheres no mercado de trabalho”

Laisa Rachter, pesquisadora do FGV IBRE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Se a pandemia tem castigado o mercado de trabalho brasileiro, que antes mesmo do choque sanitário já dava sinais de fraqueza, essa experiência tem sido ainda mais crítica para as mulheres. Essas profissionais, que viram as tarefas domésticas aumentarem com o isolamento, o que inclui o acompanhamento mais intenso das atividades escolares dos filhos, não apenas foram afetadas pelo desemprego como foram a que mais saíram da força de trabalho.  De acordo à PNAD Contínua, das 13 milhões de pessoas que saíram da força de trabalho no período mais crítico da pandemia – no segundo trimestre de 2020, em relação ao segundo trimestre de 2019 –60% eram mulheres.

Laísa Rachter, pesquisadora do FGV IBRE, demonstra preocupação sobre a persistência desses efeitos quando a situação sanitária se estabilizar e a atividade econômica for normalizada. “Corremos o risco de interromper esse grande processo de inserção mulheres no mercado de trabalho que observamos nos últimos 50 anos”, diz, lembrando que o fechamento de escolas e de parcela do comércio e dos serviços tem se estendido no Brasil, devido ao descontrole do contágio. Esse é um dos principais alertas que Laisa quer deixar no webinar A Inserção das Mulheres no Mercado de Trabalho, que acontecerá na próxima quinta-feira (22), promovido pelo FGV IBRE em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, do qual também participarão a pesquisadora do Ipea Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa e a professora da FGV EPGE Cecília Machado.

Laisa aponta que, entre 1970 e 2020, a proporção de mulheres entre as pessoas ocupadas cresceu de 19,8% para 41,7%. Quando se observam ocupações de alta qualificação, esse salto foi ainda maior. Tomando as cinco ocupações com maior salário da economia, essa participação saiu de 8,36% para 53,6%. Em recente artigo publicado no Blog do IBRE a pesquisadora lembra que o aumento da presença da mulher no mercado de trabalho também tem sido relacionado ao aumento da produtividade da economia. Estudo realizado nos Estados Unidos indica que ao menos 20% do crescimento da produtividade do trabalho (produto por trabalhador) observada entre 1970 e 2010 naquele país pode ser atribuída à entrada de mulheres em profissões mais qualificadas, bem como a um aumento da diversidade étnico-racial.

O elemento que ainda não evoluiu no mesmo ritmo, aponta a pesquisadora, é a redução da diferença salarial entre homens e mulheres, que se mantém alta e é mais gritante em cargos de maior qualificação – onde os salários relativos das mulheres em relação aos homens cresceram pouco: de 56% para 67% entre 1970 e 2020. Laisa aponta que as diferenças salariais entre homens e mulheres ocupantes de um mesmo cargo tendem a se intensificar com a idade. “Entre mulheres e homens com ensino superior de 20 a 29 anos, em início de carreira, essa diferença é de 11%, quando para os profissionais acima de 45 anos ela sobe para 38%”, conta. Comparando profissionais apenas em cargos de dirigentes, essa diferença evolui, respectivamente de 22% para 52%. Esse fenômeno, que na literatura é conhecido como teto de vidro, é associado a vários fatores, como a cultura organizacional de empresas, que majoritariamente é baseada em normas e critérios de avaliação masculinos. “O elemento mais importante, entretanto, ainda é a maternidade”, diz Laisa. Além do sofrer atraso em seu processo de especialização, fruto do tempo dedicado aos filhos, o fato de as mulheres ganharem menos e terem de acumular a jornada de trabalho doméstico muitas vezes levam à conclusão de que vale mais à pena mantê-las em casa. “A economia do cuidado é cara, o que faz com que muitas famílias decidam que contratar apoio para manter a mãe trabalhando não compensa”, diz.


Fonte: PNADC (2020q2).

Um paradoxo da pandemia é que a popularização do home office, modalidade que teoricamente poderia beneficiar mulheres em seus primeiros anos de maternidade, desta vez não significou um diferencial positivo para profissionais com filhos. “Antes da pandemia, esse modelo de trabalho, possível em algumas atividades, era relacionado à promoção de maior flexibilidade laboral”, lembra Laisa. Neste último ano, entretanto, a interrupção das atividades nas instituições de ensino –  levantamento da Unesco aponta que o período de fechamento de escolas no Brasil (40 semanas) foi praticamente o dobro da média mundial, com 22 semanas – intensificou o trabalho das mulheres em casa. Além do trabalho remunerado, em geral estas tiveram que acompanhar seus filhos em aulas remotas, além de cuidar das demais atividades domésticas. “O contexto do isolamento social foi tão adverso que elas acabaram sendo prejudicadas”, diz. Passada a pandemia, a pesquisadora não descarta que a infraestrutura criada pelas empresas para manter suas atividades via teletrabalho beneficie as mulheres de forma mais ampla do que se via antes do choque sanitário. “Há chances de que um novo ambiente tenha sido criado para isso, que ainda não existe, mas pode acontecer no futuro”, conclui.

Isso não exclui, ressalta, a necessidade de se avançar em outras políticas que facilitem a volta de mães ao mercado de trabalho, sendo uma das principais a ampliação da oferta de creches. Levantamento de Laisa aponta que, ainda que tenha triplicado nos últimos 15 anos, a cobertura de creches no Brasil – calculada pela razão entre o número de matrículas e a população correspondente à faixa etária de 0 a 3 anos – continua sendo baixa, abarcando apenas 29,8% dessas crianças. Matéria da revista Conjuntura Econômica de agosto de 2018 (pág. 48) cita estudo da economista italiana Daniela Del Boca para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que aponta que creches públicas não apenas estimulam a volta de mães ao mercado de trabalho como podem colaborar para o desenvolvimento cognitivo das crianças, especialmente em famílias de menor poder aquisitivo. Um dos exemplos citados é uma análise do impacto da oferta de assistência pré-escolar em sete países europeus – Bélgica, Holanda, Itália, Espanha, França, Dinamarca e Reino Unido –, que mostrou que, em profissionais menos qualificadas, a probabilidade de estar empregada quando essa oferta existe aumentou 14 pontos percentuais (p.p.), de 53% para 67%. No caso de profissionais mais qualificadas, o aumento foi de 7 p.p., de 79% para 86%. “Outro tema importante a ser debatido é o desenho de licença maternidade aplicado no Brasil, que reforça estereótipos de que a mulher é a responsável pelo cuidado do filho”, diz, citando casos de países em que essa licença é compartilhada com o pai, equilibrando o período de afastamento da mulher do trabalho. “No Brasil, 40% das mulheres estão fora do mercado de trabalho um ano depois de terem tirado licença maternidade”, ressalta, indicando que esse percentual pode ilustrar a necessidade de aprimoramento de tal política, para que a experiência da maternidade não se torne um impedimento para que as mulheres avancem em sua trajetória profissional.

Baixa cobertura de creches dificulta retorno ao trabalho das mulheres após a maternidade (em %)


Fonte: Elaborado por Laísa Rachter com dados do Inep e IBGE. OBS: A taxa de cobertura em creches é calculada pela razão entre o número de matrículas e a população correspondente à faixa etária de zero e três anos. 

 


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