“O maior desafio da energia eólica é o PIB”

Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Elbia Gannoum, há dez anos presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), conversou com os editores da Conjuntura Econômica a poucas horas de embarcar para Glasgow, onde participou da COP26 representando o Global Wind Energy Council (Gwec), do qual é vice-presidente. Levava consigo a bandeira do potencial dos ventos brasileiros, e esperava voltar com avanços sobre a precificação do mercado de carbono, ciente da necessidade de se definir não somente metas globais, mas formas de cumpri-las. De sua experiência na Escócia, destaca a ampliação do papel do setor privado e da sociedade civil nos debates. “Mesmo com a ausência de alguns governos, viu-se que outros setores relevantes da economia estão tocando o barco. A discussão sobre a economia de baixo carbono está forte entre o setor privado, que já entenderam que esse é ‘O’ negócio a ser feito”, diz.

O resultado da Conferência do Clima foi a efetiva regulamentação do mercado de carbono, prevista no Acordo de Paris, com o compromisso dos países desenvolvidos de financiar US$ 100 bilhões por ano até 2025 em iniciativas de mitigação do aquecimento global – valor considerado insuficiente, por parte dos atores, para se alcançar a descarbonização necessária para se conter o aquecimento global. Elbia reconhece que avançar nessa agenda requer uma governança global nada simples. Mas ressalta que, no campo da transição energética, o Brasil tem tudo para liderar essa corrida. “O Brasil é um país rico em recursos renováveis altamente competitivos. E, a despeito de tudo, conta com uma regulação estável para o setor de energia. Sob essa perspectiva, é amigável ao investimento em infraestrutura, é um país de longo prazo”, afirma. Veja, a seguir, os principais trechos dessa conversa – que pode ser lida na íntegra, gratuitamente, aqui.

A geração eólica registrou forte expansão na última década no Brasil. Como o atual cenário de inflação e juros altos, desvalorização da moeda, tensão sobre a gestão fiscal e perspectiva de baixo crescimento afeta as perspectivas do setor?

Em 2020, por causa da pandemia, os leilões regulados foram cancelados, mas mantivemos uma contratação em torno de 3 GW no mercado livre. Em 2021 os leilões voltaram, tivemos 500 MW contatados, e vamos ter um pouco mais de leilões. E o mercado livre continua muito dinâmico. Devemos repetir a casa de 3 GW novamente este ano, e a tendência é de que esse nível de contratação ainda continue por mais dois ou três anos. Assim, no curto prazo, não estamos revisando nossas projeções, pois com esses resultados temos construções contratadas até 2025, quando incluiremos ao menos mais 10 GW de geração, totalizando 31 GW. Isso mostra que a velocidade do crescimento dos próximos dez anos tende a ser maior do que a dos dez anos passados, dada essa inserção forte da eólica no nicho do mercado livre.

Essa perspectiva parece destoar do pessimismo com o qual olhamos as estimativas para a economia brasileira até 2022...

Esse Brasil mais pessimista me ensinou muito, principalmente entre 2014-16, quando vivi uma agonia grande porque tivemos leilões cancelados, devido à retração da atividade. Hoje, me traz muita preocupação o descontrole macroeconômico. Quando começamos a ver a alta da Selic nesse nível, anúncio de que a inflação em um mês (setembro) é a maior em 27 anos, isso tudo traz muita incerteza. Estou acostumada, quando visto meu chapéu de investidora, a lidar com instabilidades políticas – pelas experiências que passamos, como a Lava Jato, aprendemos a precificar isso e já seguimos para a segunda derivada. Só que os fundamentos macroeconômicos de certa forma estavam mantidos, o descontrole foi gerenciado. Na medida em que se perde o controle macro, terei que aprender a lidar com uma situação razoavelmente nova, com a qual nesses 20 anos de carreira, e dez no setor de energia eólica, eu não lidei ainda. Somos dependentes do investimento externo, então nos preocupa o impacto que isso pode trazer na disponibilidade de crédito, no apetite dos investidores internacionais.

Atualmente, há grande interesse na expansão das fronteiras da geração eólica para o offshore. Há limitações para esse tipo de exploração no Brasil?

Não temos limites tecnológicos, nem de financiamento para fazer offshore. Só não o fizemos ainda por questão de competitividade. Veja, diferentemente do resto do mundo, o problema a se resolver no Brasil não está na escassez do recurso, e sim a abundância do recurso renovável. O Brasil tem eólica, solar, hidrelétrica, PH, biomassa, e essas fontes se tornaram muito competitivas nos últimos dez anos. Então, ao fazer a gestão da abundância, o planejador vai tomar a decisão lógica do preço, postergando a escolha das fontes menos competitivas. E por que o offshore é o tema do momento? Porque vários países, especialmente os europeus – Inglaterra, Dinamarca, Holanda –  investiram fortemente nessa tecnologia, e com isso o custo tem caído drasticamente. Como também tem ocorrido com a geração solar. Nessa curva de decréscimo de custo, a eólica offshore está chegando num patamar próximo do nível do de uma termelétrica competitiva, em torno de R$ 350 por unidade de energia. A partir do momento em que o offshore se aproxima do preço da termelétrica, ele já é razoável para o Brasil.

Vale ressaltar que, embora o offshore utilize turbinas parecidas com as da geração onshore, estamos falando de recursos distintos do ponto de vista elétrico, regimes de produção diferentes. Isso, inclusive, as tornam fontes complementares para diversificar a matriz com mais renováveis. Com qual fonte a offshore concorre efetivamente? Com a termelétrica.  Os defensores de termelétrica ressaltam que esta garante uma geração flat que traz segurança. Porém, quando eu coloco offshore combinada com várias eólicas onshore, que estão em regiões distintas, no Nordeste e no Sul, elas se complementam, eliminando a necessidade do uso da termelétrica. E aí eu resolvo duas questões: a termelétrica é poluente, e preciso de uma matriz cada vez mais limpa. E ela é caríssima. Neste momento em que estamos vendo uma crise energética global, e o Brasil precisando de térmicas porque no passado não se fez um planejamento adequado – considerando que era difícil prever que sofreríamos todos esses efeitos das mudanças climáticas – , estamos tendo que pagar muito caro pelo combustível. Para o offshore no Brasil, o que precisamos é de regulamentação, cujo projeto o ministro Bento de Albuquerque, de Minas e Energia, sinalizou que lançaria ainda em novembro.

Capacidade de geração eólica instalada e número de parques por estado


Fonte: Abeeólica.

Estudo da Consultoria GO Associados para a Abeeólica indica que municípios que receberam investimentos em geração eólica registraram aumento real do PIB de 21,15% entre 1999-2017 na comparação com os que não receberam, e que o Índice de Desenvolvimento Humano nesses lugares aumentou 20% entre 2000 e 2010. De que forma esses ganhos acontecem, e como potencializar essa capacidade?

Veja, o relacionamento de um parque eólico com uma região dura pelo menos 25 anos. Começa com a identificação de áreas que contam com bom vento. Então, o potencial empreendedor chega ao proprietário de um terreno, em geral são pequenas propriedades, afirmando seu interesse em arrendar a terra para colocar uma torre de medição. Essa torre fica ali por cerca de três anos, período no qual o dono da terra recebe um valor fixo. Quando o projeto é aprovado e se instala o parque, faz-se um contrato de 25 anos e o pagamento passa a ser um valor relativo à geração.  A partir daí, esse proprietário – que vive no interior da Bahia, do Piauí, do Rio Grande do Norte, muitas vezes beneficiário do Bolsa Família –, tem em média dois ou três aerogeradores instalados em suas terras, e passa a receber cerca de R$ 2 mil mensais por aerogerador. Imagine para uma família de cinco filhos, dependente de transferência do governo, o salto na renda que é. Por outro lado, esse investimento também se reflete na arrecadação municipal. Um parque eólico de 30 MW, por exemplo, demanda um investimento em torno de R$ 400 milhões e vai recolher ISS. Em regiões com muitos parques, como em Parazinho, São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, é perceptível a mudança econômica. Além disso, os parques eólicos, quando chegam na região, costumam fazer melhorias em postos de saúde, escolas, com projetos de educação, de agricultura.

Como podemos melhorar isso? Tenho estudado bastante o assunto, até por essa questão de trazer a transformação energética para o conceito ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Considero que a forma de fazê-lo é pensar mais nos investimentos em energia renovável como a eólica, a solar, sob essa lógica de desenvolvimento econômico.

Matriz elétrica brasileira


Fonte: Siga / Aneel.

 


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