O desafio do desemprego

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

São vários os desafios que o próximo governo terá que enfrentar. Com previsões de que o ano que vem a economia brasileira poderá ter um crescimento pífio – há estimativas abaixo de 1% e, até queda do Produto Interno Bruto (PIB) –, o cenário que se deslumbra é bastante desafiador e nada trivial.

O agravamento da desigualdade impulsionada em grande parte pela pandemia, aumentou a legião de pessoas na miséria. Depois de um longo de redução da miséria, ela voltou a subir. Segundo dados da FGV Social a taxa de miseráveis no Brasil é de 13% da população, ou 27,4 milhões de pessoas que vivem com menos de R$ 261,00 por mês. Os números fazem parte de matéria publicada na Folha de S. Paulo, do dia 4, de autoria de Fernando Canzian.

Com o país não crescendo, não se criam oportunidades de trabalho ou as condições mínimas para absorver o enorme contingente de brasileiros que estão desempregados. Há, também, um grande percentual do que se denomina desalentados. Ou seja: pessoas que estão sem emprego a bastante tempo e desistiram de buscar um trabalho.

A Carta do IBRE que será publicada na revista Conjuntura Econômica deste mês, se debruça sobre esse intrincado problema que deve pautar os debates políticos e econômicos para a próxima eleição presidencial do ano que vem.

Segundo descreve a Carta “poderosos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro ocorreram depois que este já havia sido abalado pela intensa recessão de 2014-2016 e pela lenta recuperação até 2019. Há indicações de que a volta da taxa de desemprego para o padrão anterior ao difícil período iniciado em 2015 pode levar alguns anos, mesmo em cenários de crescimento econômico bastante otimistas. Essa constatação, a que chegaram pesquisadores do FGV IBRE, tem implicações importantes para as eleições de 2022 e para a política econômica a ser conduzida até lá, assim como para o próximo governo a partir de 2023.

A taxa de desemprego do Brasil era bastante baixa na década de 80 e início dos anos 90, com uma média de 5% entre 1981 e 1994. O indicador subiu para uma média de 9,3% entre 1995 e 2014. Com a crise econômica que se seguiu, a taxa de desemprego média entre 2014 e 2019 atingiu 11,4%. Tomando-se o período de 1995 a 2019, a taxa média foi de 9,7%.”

Taxa de desemprego no Brasil
Evolução histórica


Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados da Pnad e da Pnad Contínua.

A Carta destaca, entre outros pontos:

• Com a pandemia a população ocupada caiu quase 15% entre fevereiro e julho de 2020. Em julho, houve uma recuperação, mas ainda estava 4,4% abaixo do nível pré-pandemia;

• Outra consequência foi a queda sem precedentes da população economicamente ativa. Entre fevereiro e julho de 2020, ocorreu um recuo de quase 12% da força de trabalho. De lá para cá, houve gradual recuperação, mas ainda 2,8% abaixo do nível pré-pandemia;

• A queda do emprego no ano passado foi mais intensa entre os trabalhadores informais, atingindo 12,6%, do que entre os formais, com recuo de 4,2%. Quem tinha menos instrução foram os mais punidos: redução de 17,1% dos postos de trabalho para aqueles sem instrução ou com ensino fundamental incompleto

• Para quem tinha fundamental completo e ensino médio incompleto, a perda de postos de trabalho foi de 14,8%. A queda foi menor, de 6,4%, entre aqueles com médio completo e superior incompleto. Entre os brasileiros com superior completo, por outro lado, houve avanço de 5,5% nos empregos em 2020.

• A nível setorial, quem mais perdeu postos de trabalhos em 2020 foram os serviços industriais de utilidade pública, SUIP (-14,1%), a construção civil (-12,5%) e os chamados “outros serviços” (-12,1%).

População ocupada (Fev/2020=100)


Elaboração FGV/IBRE com dados da Pnad Contínua (Série Mensalizada).

 

Força de trabalho (Fev/2020=100)


Elaboração FGV/IBRE com dados da Pnad Contínua (Série Mensalizada).

A Carta também traz à tona outro dado preocupante. “A recuperação do mercado de trabalho no período pós-pandemia, de forma simétrica à piora, tem sido liderada pelo setor informal e pelos empregos de pior qualidade. Em julho de 2021, o emprego formal encontrava-se 4,8% abaixo do período pré-pandemia, e o informal, 5,4% abaixo. Outra consequência particularmente preocupante da pandemia é o aumento dos desempregados de longa duração, isto é, que procuram emprego por dois ou mais anos. Esse contingente já havia dado um grande salto de tamanho em função da recessão de 2014-16 e da lenta retomada que se seguiu, saindo de pouco mais de 1 milhão no último trimestre de 2014 para um nível de 3,3 milhões no primeiro semestre de 2019. O desemprego de longo prazo atingia na última leitura, no segundo trimestre deste ano, 3,8 milhões dos 14,4 milhões de desempregados”.

A projeção da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE é de lenta queda da taxa de desemprego em 2022, devido à desaceleração da retomada econômica de 4,9% este ano para 1,5% no próximo. Assim, a taxa de desocupação fecharia 2021 em 14,1%, e 2022 em 13%. Uma das razões para a baixa velocidade da queda da taxa de desemprego é que a recuperação da PO será acompanhada pela retomada em paralelo da PEA.

De qualquer forma, a queda da taxa de desemprego para níveis próximos da média entre 1995 e 2019, de 9,7%, depende de uma aceleração muito forte da economia brasileira em relação ao padrão de crescimento recente. Segundo as estimativas do Boletim Macro do FGV IBRE, para que a taxa de desemprego caia para 9,8% seria necessário um crescimento anual de 3,5% entre 2023 e 2026, ritmo difícil de imaginar dado o pobre desempenho recente. De forma mais precisa, um ritmo de crescimento de 1,5% ao ano reduziria a taxa de desemprego (com ajuste sazonal) para 11,6% em 2026; de 2,5%, para 10,8%; e de 3,5%, para 9,8%.

Se estiver em linhas gerais correto, as implicações desse exercício são bastante relevantes. Em relação a 2022, um crescimento improvável de 3,5% reduziria o desemprego minimamente, para 12,6%, em relação aos 13% previstos levando em conta a projeção de alta do PIB de 1,5% no ano que vem. Em outras palavras, quaisquer medidas que o atual governo tome para acelerar a economia no ano eleitoral terão efeito muito pequeno no desemprego. Um eventual aumento de popularidade presidencial pelo front da economia, portanto, dependeria de duvidosos efeitos do aumento de transferências sociais ou da ampliação da população ocupada, ainda que sem impacto sensível sobre a quantidade de desocupados.

As projeções do Boletim Macro do FGV IBRE também mostram claros limites sobre o que o próximo ou a próxima presidente poderá fazer em relação a aliviar o mal-estar econômico da população até o final do seu mandato em 2026. A não ser que, de forma muito imprevista, o crescimento suba para nível bem acima do que hoje se julga possível e sustentável, o desemprego permanecerá elevado pela maior parte do próximo mandato.

Isso não quer dizer, porém, que os atuais problemas brasileiros em termos de crescimento econômico e mercado de trabalho devam ser encarados como fatalidade e que o país deva se conformar com esse destino pouco glorioso.

Agradeço ao pesquisador do FGV IBRE, Paulo Peruchetti, pelo fornecimento dos dados para a elaboração dos gráficos.

Ver a íntegra da Carta do IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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