“O Brasil precisa entender melhor o que significa o fracasso das crianças no início da escolarização”

Izolda Cela, secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC)

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

À frente do segundo posto mais importante do Ministério da Educação, Izolda Cela é a entrevistada do mês da Conjuntura Econômica de fevereiro (acesso gratuito aqui). A seguir, os principais trechos desta conversa, da qual se destacou a preocupação de Izolda com a qualidade da alfabetização das crianças brasileiras – bandeira que marca sua atuação desde quando foi secretária de Educação em Sobral (CE).

A chegada sua e do ministro Camilo Santana ao MEC gerou grande expectativa, dado os excelentes resultados que o Ceará obteve com políticas voltadas ao ensino público – a começar por Sobral e o foco na educação básica. Há, entretanto, certa frustração em relação ao primeiro ano de gestão, pois se esperava mais celeridade na definição de políticas. Como a senhora avalia esse período?

Nunca temos essas respostas de forma absoluta. Eu sou, geralmente, uma das que tem uma visão sempre crítica e acho que temos que olhar mais para o que nos desafia. Brinco sempre que eu tendo a “baixar a bola” quando se fala, por exemplo, dos bons resultados do Ceará. Conversava sempre com as redes, com interlocutores diversos, chamando atenção para o fato de os resultados serem bons, relativamente. Ou seja, quando observamos a nossa linha de base, quando nos comparamos com nossos pares. Não é desmerecer o bom trabalho e o notável esforço dos que se dedicam diariamente a isso; mas é só para termos o pé na realidade daquilo que ainda nos desafia muitíssimo para a entrega de uma escola de qualidade para todas e todos.   Então, a minha atitude é de acolher as críticas e pensar sempre, o que podemos fazer mais e melhor?

Com relação ao MEC, temos uma posição sobre a educação básica – e mesmo a educação superior, nossa própria rede, que é uma rede forte, autônoma –, de que não somos executores diretos da política. Estamos em colaboração, nessa intermediação com quem é responsável diretamente pela execução da política, que é responsável pela matrícula, pela gestão direta. Isso é algo muito relevante. Até acho que a gente precisa ter cuidado com o cometimento de muitas propostas, de muitos projetos, porque não se trata só de ter uma ideia para alguém executar, especialmente quando se fala nas redes e o contexto que isso envolve. Olho pela perspectiva de quando fui secretária e na minha relação com o Ministério da Educação. Vivemos em uma boa cooperação com um Ministério proativo, ligado em melhorar a educação. Tivemos políticas muito convergentes, em que nós aproveitamos muito bem a proposição do Ministério e o apoio que eles ofereceram como política nacional. Um exemplo foi o programa Brasil Profissionalizado. Quando veio aquela possibilidade de fomento para essa linha de criação de matrículas de educação profissional articulada ao ensino médio, aproveitamos muito bem a partida de recurso financeiro que seria difícil para o estado garantir sozinho para investimento, e construímos o nosso projeto com um espaço importante de autonomia.

Por outro lado, também percebia algumas situações em que havia uma desconexão entre aquilo que o Ministério propunha e a realidade do momento. Quando o programa do Ministério vinha mais fechado, complicava. Tratava muito isso com o (ministro Henrique) Paim, Romeu (Caputo, secretário da Educação Básica), que nos ajudaram muito na época, dizia que não ia funcionar. Mas o Ministério também tem seus constrangimentos com relação a como fazer a aplicação dos recursos, e a possibilidade de customização muitas vezes é restrita por conta dos controles. Mas meu lema é: quanto menos a gente atrapalhar, melhor. Depois, temos que ver como ajudar.

Como foi sua chegada no Ministério da Educação, quanto à estrutura recebida e os efeitos de uma pandemia?

Começamos já nos comprometendo com aquilo que especialmente nos convoca. Por exemplo, com educação básica, com a construção do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, para ter o foco na alfabetização na idade certa. Este é um capítulo à parte. Enfatizo muito isso porque percebo que o Brasil ainda precisa entender melhor o que significa o fracasso das crianças no início da escolarização. Inclusive, para a produtividade adiante, para o resultado do Pisa. Não vamos ter bons resultados com uma base desarrumada e ineficiente. Outro ponto é o tempo integral. Ao mesmo tempo em que nós trabalhamos o planejamento, também já estávamos ocupados em fazer a configuração desse plano, de forma compartilhada, ouvindo, fazendo os ajustes necessários e possíveis.  E por que o tempo integral ou estendido?

Para termos a possibilidade de ter mais qualidade. Não é mais do mesmo, não é apenas tempo estendido. Temos as evidências de que é preciso qualificar mais as aprendizagens, o currículo, aquilo que acontece tanto do ponto de vista dos conhecimentos acadêmicos, como também do ponto de vista de uma visão de formação mais integral dessa moçada.
Isso envolve saúde mental, convivência, ciência, arte, cultura, coisas que uma criança e um jovem precisam ter no seu repertório formativo. Além da conectividade, ponto que também foi trazido como algo importante e necessário da se avançar.

No caso do Novo Ensino Médio, sua implementação foi suspensa no ano passado, para que houvesse uma rediscussão das bases, e a votação da nova proposta foi adiada para este ano. Qual sua expectativa quanto a um novo momento de efetivação desse modelo, depois de uma tentativa inicial que causou frustração inclusive entre os alunos?

Vimos, a partir da abertura da consulta pública, que houve uma participação ampla – cerca de 130 mil participantes, entre jovens e professores. Também recebemos, recentemente, uma pesquisa feita pela Unesco, que ainda divulgaremos mais detalhadamente, que corrobora que houve um problema muito significativo com relação à implementação daquilo que estava proposto. Uma coisa é o desenho, supostamente arrumado, com objetivos que em tese são muito defensáveis e até desejadas pelos jovens. Todos defendem a importância de uma visão mais clara dos conteúdos. Outra coisa que é praticamente consenso é o desejo dos jovens pela educação profissional articulada ao ensino médio. Todo mundo também defende a importância de ter mais tempo na escola, para qualificar mais o currículo e para que os professores possam ter uma melhor condição de trabalho. Quando o professor tem uma carga horária dedicada a uma escola só, faz muita diferença. Ele tem a oportunidade de criar mais vínculo com os estudantes, criar aquele ecossistema pedagógico de compartilhar os desafios de pensar sobre a gestão das aprendizagens. Tudo isso acontece em um ambiente favorável, em que as pessoas possam ter a disponibilidade de tempo. Mas o que que aconteceu? Uma implementação açodada, que levou a um aprofundamento de desigualdades entre redes e, dentro de uma rede, entre escolas.

O Brasil é muito diverso. Quando você pensa em escola de ensino médio, você tem um leque amplo de tipos de especificidades. Mais de 50% dos municípios brasileiros têm somente uma escola de ensino médio. Então, pensar por exemplo na oferta de itinerários formativos variados é possível para algumas, mas para a grande maioria não é.

Uma das manifestações dos jovens que acompanham mais fortemente esse processo é precisamente quanto à desigualdade de condições e de oferta E um dos receios quanto a esse aprofundamento de desigualdade é seu reflexo no Enem, posto que aqueles com a melhor das condições de implementação do novo modelo de ensino médio teria melhores condições de se preparar para o Enem.

Então, o PL (que agora tramita no Congresso) fez mudanças naquilo que era mais sensível, recuperando o tempo de formação geral básica, com um horizonte para se promover a diversificação. Ou seja, vamos fazê-lo com mais prudência e mais participação, na medida em que os processos de capacitação de preparação para o novo modelo estejam mais assimilados, mais reais dentro da escola.
Por enquanto, o foco é recuperar esse tempo da formação geral básica, e promover algumas travas importantes com relação, por exemplo, à utilização da educação a distância. Colocá-la em um devido lugar, como complementar, e resguardando o tempo necessário para a oferta da formação profissional. Isso é algo que preocupava alguns estados, que queriam expandir a oferta de educação profissional em cursos de 1 mil a 1,2 mil horas, o que divergiria com o tempo da formação geral básica. Então, colocamos que é possível fazer excepcionalidades, de forma progressiva, com a rede ali se comprometendo, com conforto, de fazer a reposição disso.

Tudo isso foi acertado e apresentado para o Congresso Nacional, que tem a sua competência de acatar, ouvir e fazer também suas ponderações. No primeiro momento, o relator quis trazer o modelo antigo de volta, houve um impasse, e o ministro buscou reunir as bancadas, as lideranças para explicar a proposta. Aqui, não temos particularmente apegos pessoais. O processo foi muito mais de colocar aquilo que se aprendeu. É na escuta das redes que podemos pensar em melhorias e em desenhos que tragam mais qualidade a uma política de ensino médio. E um projeto de lei não encerra todas as questões. Temos a tarefa da construção que é mais do que simplesmente um documento, mas um compromisso voltado para a melhoria do ensino médio com um ritmo mais vigoroso, superando grandes entraves que ainda temos. E isso exige o compromisso de todos. Estamos na expectativa do reinício dos trabalhos no Congresso, para a tramitação do projeto de lei, na expectativa de que seja acatado.

 

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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