O Brasil e os impactos da guerra

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A guerra na Ucrânia, que entra em seu 28º dia, tornou o cenário econômico para o Brasil mais desafiador, como já vinha sendo antecipado em edições anteriores do Boletim Macro FGV IBRE. Apesar dos impactos que a guerra está trazendo, com a disparada dos preços dos combustíveis e das commodities, e a grave ameaça no fornecimento de fertilizantes, o que pode impactar a próxima safra, os analistas do Boletim acenam com possíveis boas notícias.

“No caso do Brasil e de outros países da América Latina, o fato de essas economias serem exportadoras líquidas de commodities e, ao mesmo tempo, terem relações comerciais limitadas com a Rússia, atenua o choque externo. Isso possivelmente vai ajudar a que as moedas da região se valorizem frente ao dólar. Concomitantemente, os bancos centrais já estavam em movimento de aperto monetário na região, contribuindo para a valorização das moedas e limitando os efeitos secundários do choque de preços das commodities”. 

Outro fator positivo para os países da região, mencionado no Boletim deste mês, já em circulação, “é o ganho que a valorização das commodities traz para as finanças públicas. Em particular, no caso do Brasil, mesmo com fundamentos fiscais frágeis, esse choque ajuda a postergar a necessidade de um ajuste nas contas públicas, cuja urgência já se reduzira um pouco com a melhora dos resultados primário e nominal e a queda da razão dívida pública/PIB desde 2021”.

Mas se os efeitos sobre o crescimento brasileiro e mundial podem até ser atenuados, o impacto inflacionário já é latente e, mesmo com alguma mitigação, é difícil se imaginar muito alívio neste e no próximo ano.

“A Rússia é um dos principais produtores e exportadores de commodities, incluindo petróleo, gás natural, trigo, milho e fertilizantes. E, com a guerra, os governos ocidentais impuseram sanções que contribuíram para reduzir ainda mais a oferta desses produtos e para elevar seus preços. O preço do barril do petróleo tipo Brent, por exemplo, atingiu um pico de US$ 139 no dia 7 de março, pois a Rússia responde por cerca de 10% da produção e do comércio globais do produto (...). Apesar do recuo desse preço para um nível em torno de US$ 100 por barril em meados de março, a expectativa é de que o barril não recue tanto assim, pois o balanço global de petróleo permanece apertado no curto prazo, pressionado pela forte demanda, de um lado, e pelas restrições de oferta, de outro, devido aos motivos conjunturais, mas, também, pelas tendências estruturais de descarbonização. Agora é torcer para que as notícias que tivemos nos últimos dias, de um possível cessar-fogo na Ucrânia, se confirmem, o que pode aliviar o impacto negativo do conflito nas perspectivas de crescimento mundial, em especial na Europa”.

No mercado de commodities agrícolas, os preços também subiram muito, pois a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 20% das exportações globais de milho e por quase 30% das de trigo. Além disso, os ataques recentes ocorrem em importantes áreas de cultivo na Ucrânia.

Além desse imbróglio todo, para complicar ainda mais a situação “a China, após os indicadores de atividade mostrarem bom resultado no primeiro bimestre, experimentou um surto de casos de Covid-19, o que levou a grandes lockdowns, trazendo novos desafios para a retomada da atividade econômica no país nos próximos meses. O governo chinês irá adotar políticas de estímulo econômico para que o crescimento fique em linha com a meta definida, de 5,5% este ano. Até por isso, sem dúvida, no curto prazo, a preocupação é com o impacto inflacionário mundial desse quadro, pois as medidas de restrição nas regiões afetadas devem reduzir a produção industrial e aumentar ainda mais os gargalos logísticos globais”, ressalta o Boletim.

Veja alguns destaques do Boletim Macro FGV IBRE de março

• Índices de confiança

Os índices de confiança que, em fevereiro, haviam seguido caminhos diferentes, sinalizam convergir de forma negativa diante da prévia de março. A guerra entre Rússia e Ucrânia traz componente adicional de incerteza para a economia, elevando o risco de aumento de inflação e aprofundamento do desarranjo da cadeia de suprimentos, com possível impacto direto em setores importantes.

Confiança de consumidores e empresários
(Com ajuste sazonal, em pontos)


Fonte: FGV IBRE.

• Inflação

A guerra da Rússia contra a Ucrânia, que turva o futuro de curto prazo do preço do petróleo, pode agravar as pressões inflacionárias nos próximos meses. A magnitude dos reajustes do diesel, do GLP e da gasolina fará a inflação avançar 0,7 ponto percentual a mais nos próximos meses. No entanto, esses não serão os únicos impactos a serem registrados na inflação. 

Trajetória dos preços de derivados do petróleo no IPA/FGV


Fonte: IPA/FGV.

 

Trajetória dos preços de alimentos no IPA/FGV que estão sofrendo interferência nos preços dada a guerra


Fonte: IPA/FGV.

• Fiscal

O foco é a alta no preço dos combustíveis e seu impacto tanto sobre as receitas quanto sobre os esforços anti-inflacionários do governo. Ainda que a cotação internacional do petróleo tenha recuado, após bater recorde em 14 anos com as tensões na guerra na Ucrânia, espera-se que a aceleração inflacionária aqui e lá fora seja mais duradoura. A receita extra resultante tende a servir como amortecedor primário de políticas de expansão fiscal.

• Política Monetária

O Fed e outros bancos centrais seguramente não contavam com o surgimento de nova fonte de pressão sobre os preços. Mas foi exatamente isso o que a invasão da Ucrânia trouxe. Com isso, posições “atrás da curva” se acentuaram sobremaneira. Contudo, como a guerra produz elevação das incertezas, o Fed (e demais BCs) têm de persistir na cautela – afinal, a guerra pode ser interrompida a qualquer momento, evento esse que de imediato derrubaria preços internacionais importantes.

 

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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