Números do Carnaval: conhecer para valorizar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Apesar de ser um dos eventos brasileiros mais populares no mundo todo, o Carnaval move uma cadeia de atividades cuja amplitude e impacto econômico ainda estão em processo de reconhecimento. Na capital do Rio de Janeiro, recente levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Simplificação e Inovação, chamado Carnaval de Dados trata dessa tarefa. O documento indica que a festa movimenta R$ 4 bilhões na economia carioca e envolve ao menos 45 mil profissionais entre servidores públicos, trabalhadores credenciados para o Sambódromo e ambulantes licenciados para atender nos blocos de Carnaval. Nesta conversa para o Blog, Marcel Grillo Balassiano, subsecretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação, que começou a estudar o Carnaval carioca quando ainda era pesquisador associado do FGV IBRE, ressalta a importância de se conhecer melhor essa indústria para pensar programas que promovam sua produtividade, bem como políticas de apoio em momentos como o da pandemia.

Uma das características que economistas costumam apontar sobre o Carnaval do Rio é de que ele é ruim para a arrecadação, em especial a do Imposto Sobre Serviços (ISS). No estudo, a Prefeitura contrapõe essa idea. Como? 

Veja, em grandes números, o ISS do Rio gira em torno de R$ 5 bilhões ao ano. Desse valor, entretanto, somente o setor financeiro tem peso de quase 20%. Ou seja, cerca de R$ 100 milhões ao mês, enquanto o ISS do turismo gira em torno de R$ 15 milhões. Se a receita de impostos do primeiro é prejudicada em feriados em geral, só para tomar esse exemplo, o mês em que há Carnaval registra aumento de arrecadação de 23% de ISS de turismo em relação aos demais meses. Daí a importância de se qualificar a análise. Esse cálculo foi realizado tirando uma média entre 2011 e 2019, pois se fôssemos incluir 2020 - ano em que houve Carnaval, mas cujas medidas de isolamento observadas a partir de março impactaram severamente o setor de turismo, a diferença seria ainda maior.

A evolução do faturamento do Carnaval tem variado bastante. Por quê?

Nos últimos anos, o principal fator foi o crescimento muito forte do faturamento do Carnaval nos anos em que houve Copa do Mundo e Olimpíadas. Isso fez com que a comparação dessa variação, quando feita em relação ao ano anterior, se alterasse bastante.

Arrecadação de ISS de serviços relativos a hospedagem, turismo, lazer e artistas
média de cada mês, 2011-19, em R$ milhões


Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro.

 

Movimentação econômica com o Carnaval
(taxa reais de variação, %, em relação ao ano anterior)


Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro.

De que forma pretendem usar esse levantamento?

A ideia é atualizá-lo anualmente e tê-lo como base para auxiliar o planejamento de políticas públicas. O que já está acontecendo. Com o levantamento do registro dos quase 10 mil trabalhadores licenciados para trabalhar nos blocos, que é feito anualmente graças ao apoio da cervejaria patrocinadora do carnaval de rua, este ano pudemos oferecer um auxílio de R$ 500 para esse grupo, que foi impactado pelo cancelamento oficial do carnaval de rua.  Esse foi o primeiro grupo do qual conseguimos levantar nome, CPF, sexo, idade e endereço.  A ideia é estender esse mapeamento para os demais trabalhadores, seja dos blocos, seja das escolas de samba. Levantamento realizado pelos pesquisadores Cristina Couri (diretora executiva do Coreto - Coletivo de Blocos Organizados da Cidade do Rio de Janeiro) e Gabriel Bicharra (Unirio) identifica ao menos 9 mil trabalhadores de bloco cuja atividade se estende pelo ano inteiro, com atividades como ensaios e oficinas de dança e de instrumentos. No caso das escolas de samba, cada dia de desfile do Grupo Especial no Sambódromo envolve cerca 20 mil trabalhadores credenciados, entre servidores de órgãos públicos (4,4 mil), imprensa (1,5 mil) e prestadores de serviços (13,1 mil). Mas ainda há o trabalho de artesãos, ferreiros, entre outras atividades relacionadas às escolas de samba que também dura o ano todo, e desses ainda não temos registro. Um levantamento desses dados nos ajudará a ter um melhor conhecimento da cadeia produtiva do Carnaval como um todo, e a desenvolver políticas para ajudar essa indústria.

Antes do desfile das escolas de samba deste ano, prorrogado para 21 de abril, vocês pretendem lançar o primeiro inventário de emissões de gases do efeito estufa do Carnaval, referente a 2020. Como esse estudo foi feito e qual seu objetivo?

Esse é o primeiro passo para, no futuro, tornar o Carnaval um evento carbono zero, como é feito em grandes eventos privados como a Fórmula-1 e o Rock in Rio. Para isso, contamos com o apoio de uma empresa de Cingapura, a Air Carbon, que hoje já é responsável por transacionar cerca de 10% do mercado voluntário mundial de créditos de carbono, e conseguimos trazê-la para o Rio.

Por ser voluntário, esse ainda é um mercado pequeno em termos de volume financeiro. Mas consideramos importante estabelecer as bases para que, quando seja regulado, estejamos prontos para explorá-lo. Esse inventário é um projeto que conversa com um programa maior lançado pela Prefeitura no ano passado, que é o Bolsa Verde Rio, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Simplificação e Inovação, com o objetivo de transformar o Rio de Janeiro na capital de investimentos verdes. Entre os pilares desse projeto estão a atração de empresas como a Air Carbon, para ter sua sede no Rio, e um braço educacional sobre finanças verdes. Esse é um projeto que cabe bem ao Rio, que tem sua imagem relacionada à sustentabilidade ambiental desde muito tempo, com a Rio 92, ou Eco 92. Também foi a primeira cidade da América Latina a ter seu inventário de emissões de gases do efeito estufa, entre tantos outros elementos que relacionam a cidade a esse tema. Lembro-me que no livro Rio de Janeiro: um estado em transição? (Editora FGV, 2012) Armando Castelar, pesquisador do FGV IBRE já apontava que um potencial para o desenvolvimento do setor financeiro fluminense era apostar em nichos. E o ambiental, sem dúvida, está entre os quais o Rio conta com vantagens para explorar.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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