Nova política industrial: foco nos meios, mas fins são genéricos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O governo federal lançou nesta segunda-feira (22/1) a Nova Indústria Brasil, política industrial com horizonte de 10 anos que prevê R$ 300 bilhões em financiamentos até 2026, com a qual se espera reverter a desindustrialização observada no país. Dividida em seis eixos de atuação, a política causou reações iniciais negativas, tanto de pesquisadores quanto do mercado, em dia que o real desvalorizou 1,24% diante do dólar e o Ibovespa registrou queda de 0,81%. “O mercado em geral tende a receber qualquer discussão sobre política industrial com preconceito. Mas é preciso reconhecer que a NIB alimenta incertezas quanto ao impacto fiscal que as medidas apresentadas podem ter, sob um contexto fiscal já desafiador para o país”, avalia Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE. Borges considera que o anúncio foi genérico, deixando dúvidas quanto desses R$ 300 bi vão gerar impacto fiscal a partir, por exemplo, da operação de juros abaixo do praticado no mercado, gerando uma conta de equalização a ser bancada pelo Tesouro.

“Pode-se esperar algum custo fiscal, mas não fica claro que o benefício que se busca com essa política seja maior que o custo. E aí o mercado olha para o mais palpável, que no caso são as experiências de governos anteriores do PT, com várias iniciativas que deram errado”, afirma, indicando outro ponto no qual a política, em sua avaliação, é pouco clara: as metas a serem alcançadas.  Ainda que o desenho da NIB siga tendências contemporâneas de estar orientado a missões – indicando objetivos que não são restritos à indústria em si, mas em atender a demandas sociais – não há menção, diz Borges, quanto a projeções de aumento de produtividade ou incremento do PIB. “O foco está nos meios, mas os fins são genéricos”, resume. O pesquisador, que participou das discussões para a Carta do IBRE de janeiro, que foi referência de análise do economista Claudio Adilson Gonçalez sobre a NIB publicada ontem pelo Estadão (acesso somente para assinantes do jornal), lembra que uma das mensagens da Carta é a importância de se aprender com erros do passado, sendo um deles a falta de métricas quantitativas de monitoramento. “Sem isso, é difícil avaliar se determinada política está conseguindo performar de acordo à meta estabelecida e, caso isso não aconteça, abandoná-la ou reformatá-la”, diz.

Distribuição dos R$ 300 bilhões em financiamento até 2026


Fonte: Governo Federal.

Um dos principais alertas dos analistas, entretanto, é o foco da NIB na substituição de importações. Na primeira missão, por exemplo, focada em cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais, a política prevê segmentos nos quais o país já demonstra capacidade de desenvolvimento, como em biofertilizantes, mas também incentivos para o nicho de produção de máquinas agrícolas, em que já existem grandes produtores mundiais. Outro exemplo é o do eixo de transformação digital da indústria, que prevê incentivos para a digitalização da indústria nacional, mas também recursos não-reembolsáveis para a fabricação de semicondutores no país. Ao Blog da jornalista Miriam Leitão, no jornal O Globo, Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, apontou que “conteúdo local é uma política que não só onera as contas públicas, como faz com que se fique totalmente desconectado das cadeias globais de valor”, destacando que o Brasil é um dos países menos conectados às cadeias globais de valor. “Se for produzir aqui dentro não pode fazer só um pedaço, tem que fazer tudo. Dessa forma não se está interagindo com as empresas mais modernas, com a tecnologia, você vira um cluster separado do resto do mundo o que é muito ruim, porque a tecnologia é global”.

Missões nortedoras da Nova Indústria Brasil (NIB)


Fonte: Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026 – Governo Federal.

Borges destaca como pontos positivos da NIB a ampliação do Brasil Mais Produtivo, focado na melhora de gestão de pequenas indústrias. De acordo a Aloisio Mercadante, presidente do BNDES, a meta é atender presencialmente cerca de 93 mil micro, pequenas e médias empresas industriais, chegando a 200 mil quando somado o módulo de atenção digital. “Foi um programa lançado no governo de Dilma Rousseff, que demonstrou ganhos de produtividade de mais de 50% com baixo investimento, basicamente com capacitação e consultoria de gestão”, lembra, destacando que o programa teve continuação no governo Bolsonaro, chamado então de Brasil+. O pesquisador também apontou como positivo o foco nas oportunidades relacionadas à transição energética e a bioeconomia (sobre o tema, reveja matérias da Conjuntura de janeiro e setembro). “Há medidas que entraram no pacote da política que não se tratam exatamente de política industrial, mas que colaboram para o ambiente de negócios – as quais, para os economistas mais ortodoxos, seriam suficientes para estimular a indústria – que de qualquer forma são positivas. Mas ainda faltam métricas para se garantir que a política será aprimorada, quando e se necessário”, diz. “Afinal, o sucesso de uma política não está no governo saber escolher os setores que vão dar certo, mas saber reconhecer quando se fracassou e corrigir o rumo.”

 


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