No setor de energia, a política pública que atrai investimentos é uma regulação bem estruturada, diz Elbia Gannoum, da Abeeólica

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, atores da indústria de energia eólica se reuniram no Rio de Janeiro para tratar das perspectivas para o desenvolvimento do segmento offshore, da geração dessa energia renovável em alto-mar. No evento, destacou-se a expectativa quanto à aprovação do marco legal para esse setor – que, após passas pelas duas casas do legislativo, agora tramita de modo terminativo no Senado –, fundamental para a estruturação dos primeiros leilões. De acordo à Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o texto que passa para essa última fase até a aprovação está maduro, mas o setor defenderá a retirada de dois temas: a obrigatoriedade de transmissão, colocando-a sob responsabilidade do investidor, e o planejamento espacial marinho. “Entendemos que essas questões não têm de estar em lei. Na questão da transmissão, por exemplo, o Brasil já mostrou maturidade para planejar e leiloar, portanto pode ser tratada de outra forma”, disse Elbia Gannoum, presidente executiva da Abeeólica, em conversa no dia do Offshore Wind Summit com a Agência EPBR.

Na véspera do feriado da Semana Santa, em entrevista online com o professor da EESP Marcio Holland, Elbia reforçou a importância dessa lei, defendendo que, juntamente outras como a que rege o mercado de carbono e a que regula o hidrogênio verde, criam uma oportunidade única para o Brasil tanto no campo da transição energética quanto da reindustrialização do país. “Talvez seja a primeira vez que o Brasil esteja fazendo algo tão estruturado. E isso é fundamental. Sem os sinais que virão do mercado regulado de carbono, por exemplo, será mais complexo ter uma sinalização adequada de demanda no longo prazo”, afirmou, lembrando que o maior desafio do país se encontra em administrar o potencial abundante no campo das renováveis. “Hoje sobram projetos. Sem essa política mais ampla, não conseguiremos criar uma trilha sustentável.”

No campo regulatório, até aqui, Elbia avaliou o Brasil como uma indústria atrativa ao investimento. “De forma geral, os contratos de contratação são avaliados Triple-A. Mas hoje estamos introduzindo novas formas de produção, tecnologias, e precisamos garantir esses novos aparatos regulatórios para atender essa transformação. O Brasil está diante da maior oportunidade do último século de transformar a economia a partir da transição energética”, reforçou.

Para Elbia, a experiência dos últimos 20 anos do setor eólico no país comprova que, ao menos no campo da eletricidade, um marco regulatório que garanta um sinal consistente de longo prazo e instrumentos adequados de financiamento são as principais políticas que precisam ser garantidas para a atração de investimento. “Embora não devamos usar subsídios, porque pressiona a tarifa, esses mecanismos são importantes indicadores, pois recursos naturais já temos.”

A executiva, que está há 13 anos na Abeeólica, com passagens anteriores pela Câmara de Comercialização de Energia (CCE) e pelo Ministério de Minas e Energia e da Fazenda – tendo feito parte do comitê de gestão da crise elétrica de 2001 –, lembrou na conversa para a FGV que os primeiros projetos de eólica offshore são de 1999, na Dinamarca. Desde então, destacou, a expansão dessa produção se deu por motivações diferentes. “Enquanto nos países europeus ela acontece devido à escassez de território para ampliar a geração onshore e os ganhos de produtividade quando se opta pela geração em alto-mar, a China – que hoje é o maior investidor seja em capacidade instalada quanto em novas instalações em eólica onshore e offshore somadas – o objetivo principal é o domínio da tecnologia”, descreve. Para o Brasil, que ainda não deu o pontapé inicial, Elbia também defende a importância do desenvolvimento tecnológico e industrial. “Quando falamos de potencial eólica onshore, o Brasil conta com cerca de 800 GW, sendo que a capacidade instalada no país hoje, somando todas as fontes, é de 200 GW. Ou seja, só de onshore, temos potencial de abastecer outros quatro ‘Brasis’. E, quando olho o potencial offshore são mais 1000 GW”, ilustra, destacando a importância do bom gerenciamento desse potencial.

O quanto a eólica poderá ganhar em participação na matriz, reconhece, dependerá do quanto o país conseguirá explorar de seu potencial para geração do hidrogênio verde.  “No mundo, 84% das emissões globais de gases do efeito estufa são do setor de energia. No campo da eletricidade, são 24%; o resto é molécula, e daí a importância do hidrogênio verde”, disse, lembrando que a produção de hidrogênio verde pode ser exportada, por exemplo, na forma de amônia.  “Colocando o hidrogênio na equação, a geração eólica pode explodir em termos de crescimento, com seu efeito multiplicador sustentado no longo prazo”, defendeu, lembrando que hoje a produção de turbinas eólicas no Brasil conta com cerca de 80% dos insumos desenvolvidos localmente. Hoje a geração eólica responde por 14% da matriz elétrica brasileira.

Tal como destacado por Joísa Dutra em artigo recente da Conjuntura Econômica (leia aqui), entretanto, é preciso que o Brasil não perca o timing para definir as políticas que articularão esse mercado. No texto, ela destacou que vários países estão nessa mesma corrida para aproveitar as oportunidades trazidas com a agenda de transição energética. “Na avaliação atualizada da McKinsey apresentada na COP 28, o Brasil, que já chegou a ocupar a pole position na competição pelo menor custo de produção do H2 limpo em 2030, caiu para a 10a posição. Entre 2022 e 2023, os custos correspondentes sobem de US$1,6/ kg para cerca de US$ 2,7/kg”, destacou, lembrando que parte dessa elevação se explica por um aumento do custo do investimento que quase dobra desde 2022.

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