No I Seminário de Análise Conjuntural, do FGV IBRE em parceria com o Estadão, pesquisadores enfatizam as incertezas em torno do combate à inflação e o ajuste fiscal

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Sinais mais consistentes em torno do ajuste fiscal e prioridade da política monetária no combate à inflação foram destaques do debate no I Seminário de Análise Conjuntural de 2023, evento do FGV IBRE promovido em parceria com o Estado de S. Paulo, moderado por Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do Estadão. No evento, promovido dia 9/3, os pesquisadores do IBRE ressaltaram o ambiente de incertezas alimentado pela posição do governo em torno da política de juros operada pelo BC no controle à inflação e as dúvidas quanto à disciplina fiscal que se poderá esperar da regra que substituirá o teto, que pode ser anunciada ainda esta semana.

No campo internacional, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, destacou a conjuntura americana, onde a persistência do comportamento do mercado de ser mais otimista do que o FED gostaria. “A história não muda: o mercado financeiro continua superestimando a velocidade de queda da inflação e as pretensões do FED, que tem feito todos os alertas necessários dos problemas que  um afrouxamento monetário antes da hora podem trazer”, afirmou. “No começo do ano, vimos a  bolsa subindo, juros caindo e o dólar se enfraquecendo, como o BC americano não queria que acontecesse. Até que chegaram dados do mercado de trabalho indicando uma geração de emprego forte, o relatório de inflação tampouco foi bom. Com isso, o FED deu nova canelada no mercado, e agora pode ser que o juro vá a um nível mais alto que o previsto e o ritmo de 50 pontos podem voltar a acontecer”, descreveu, reforçando que os dados macroeconômicos ainda não corroboram a melhora de cenário na qual os agentes financeiros ainda tendem a acreditar.

Senna ressaltou que a melhora da inflação superestimada pelo mercado se concentra em bens duráveis, cuja queda de preços está mais relacionada à saída do choque da pandemia do que à ação da política monetária. “Os núcleos de inflação continuam pressionados, os serviços também, em estreita relação com os números do mercado de trabalho”, disse, apontando que ainda será preciso levar as condições financeiras ao território contracionista, gerando recessão. “A moral da história é que a inflação ainda vai demorar para cair, o custo desse combate será mais severo, e consequentemente teremos reflexos negativos aqui também”, afirmou Senna.

No campo doméstico, Senna destacou o cabo de guerra formado entre governo e BC em torno do atual nível da Selic. “Desde o primeiro minuto o ministro Fernando Haddad falou em coordenação da política fiscal com a monetária, mas parece ter ficado claro, já na apresentação do primeiro pacote fiscal em janeiro, de que o que esperam era é um movimento cooperativo do BC de redução da taxa de juros”, afirmou, listando as dificuldades para que isso se opere. “Além do panorama de juros nos EUA, aqui o ajuste fiscal ainda é uma promessa. O mercado financeiro ainda não tem uma visão otimista sobre o futuro, com expectativas de inflação em alta e acima da meta, além do fato de a tendência da evolução da inflação este ano ser em U, em razão das intervenções diretas no sistema de preços promovidas por ações conjuntas do Executivo e do Legislativo (veja mais aqui). Não parece que haja muita coisa para o BC fazer senão não afrouxar a política monetária sem um bom motivo”, concluiu.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, também sinalizou que não haverá atalhos para o Brasil retomar uma trilha de crescimento sustentado, ressaltando a importância do combate à inflação e o ajuste fiscal que, espera, seja indicado com o anúncio da proposta de nova regra que substituirá o teto de gastos. “Decidimos gastar 1 ponto percentual do PIB a mais com o Bolsa Família de forma permanente, e agora temos de achar uma receita para compensar essa despesa, com mais receita ou reduzindo gastos”, afirmou, ressaltando a importância de sinalização da volta do resultado primário ao terreno positivo. “Para dar sustentabilidade à dívida pública, seria importante já ter superávit em 2024. Mas ainda não identificamos uma condução econômica que leve a isso”, afirmou, indicando apontando certo conflito de discursos entre medidas de sustentabilidade e “certo saudosismo por políticas econômicas que não deram certo no passado e hoje penalizam o crescimento do país”.

No evento, Silvia também traçou um balanço da economia brasileira em 2022 e o frágil equilíbrio do crescimento do PIB para este ano, apoiado no resultado do agronegócio em especial neste primeiro trimestre, com serviços e consumo das famílias, fortes dinamizadores da economia em 2022 - ambos com crescimento acimado do PIB no agregado - registrando resultado negativo este ano. (Leia mais sobre as projeções para a atividade na coluna Em Foco.

Silvia reforçou a importância de se terminar a tarefa de combate à inflação para não comprometer as condições macro para os próximos anos. Ela lembra que o aperto provocado pelo aumento da taxas de juros têm agravado a condição das famílias endividadas. “Hoje, na média, 30% da renda mensal das famílias estão comprometidos com pagamento de dívida - principal e juros. Nessa situação, o que resta a elas é ir rolando seus compromissos com linhas emergenciais, mais caras”, lembrou. Silvia defende que o atual quadro de incertezas prejudica duplamente a economia: não colabora para a eficácia da política monetária em reduzir a inflação mais rapidamente, e desancora as expectativas dos agentes econômicos, o que estimula empresas a aplicar reajustes maiores de preços do que operariam diante de um horizonte mais claro, realimentando o quadro inflacionário.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, também ressaltou a necessidade de o governo começar a dar sinais mais consistentes de sua política econômica. “Vamos chegar nos 100 primeiros dias de governo ainda sem muita clareza”, afirmou, apontando ceticismo quanto à proposta de novo arcabouço fiscal, que pode ser divulgada ainda esta semana. “Há declarações que misturam controle de gastos com políticas de avaliação, e ainda não vejo algo que amarre”, afirmou, referindo-se ao controle de despesas. Por outro lado, Castelar ressaltou que o novo governo herdou um nível de dívida bruta inferior ao de 2017, com 73%, o que afasta riscos de uma crise no curto prazo. E, ainda, a perspectiva de um crescimento do PIB mundial melhor que o esperado, podendo beneficiar as exportações brasileiras.

Reveja o I Seminário de Análise Conjuntural.

Na próxima quarta 15/3, o FGV IBRE promove, em parceria com a Folha de S. Paulo, o webinar O Impacto da Alta dos Alimentos. Participarão Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, Andre Braz, coordenador do Indice de Preços ao Consumidor, e Daniela Campello, da FGV Ebape. Inscreva-se.

 


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